Sacramentos.

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(Texto publicado no livro
  Relatos, Poemas e Lembranças,
  40 anos do TRT-PB).

Aprendi com Rubem Alves que sacramentos são coisas que são mais que coisas, coisas que nos fazem lembrar. Pode ser uma flor seca guardada entre páginas de um livro, um aroma que desperta recordações armazenadas na despensa da memória, aquela comida com gosto de saudade, que para ele, é uma mistura de amor e ausência.

Guardo com muito cuidado algumas dessas coisas valiosas. Entre elas, uma bíblia que ganhei de Dom Francisco de Assis Dantas de Lucena. A dedicatória diz: “minha gratidão pela atenção e visita ao 3º Bispo de Guarabira. ‘Que brilhe a vossa luz’ – Mt 5,16. Minha bênção!. Guarabira, 03 de setembro de 2008.”

Na verdade, naquela quarta-feira não fui eu que visitei o bispo. Ele é que veio nos visitar. Recém-nomeado para o episcopado, depois de reconhecida atuação como sacerdote nos sertões do Caicó, Dom Lucena resolveu visitar várias repartições em Guarabira, incluindo a Vara do Trabalho. Como eu havia sido avisado com antecedência, toquei no assunto com minha mãe.

Ela não era de longas conversas. Talvez tenha puxado a meu avô, Antônio Menino, de quem herdei o nome. Homem do campo, de poucas letras e parca comunicação verbal. De todo o tempo que morou conosco, eu ainda criança, não me lembro de ter trocado muitas palavras com ele, a não ser o meu: bença vozinho, e ele: Deus te faça feliz!

O amor deles se corporificava em ações, não em palavras. Gosto de realçar esse traço da personalidade de minha mãe. E quando tenho a chance, digo isso publicamente, como fiz no discurso como paraninfo das turmas concluintes da UEPB, Campus de Guarabira, em 25 de julho de 2023.

Emocionado pela honra que me foi concedida, às vésperas de minha aposentadoria como professor, comecei minha fala lembrando que minha mãe gostava da música Saga de um Vaqueiro. Aquela bem comprida, como o Faroeste Caboclo. Tenho pra mim, como disse na ocasião, que ela gostava da canção não tanto pelo estilo, mas pela história do vaqueiro que, mesmo forte, tem um coração menino, que ama, chora e segue seu destino.

Minha mãe raramente saía de casa. Depois da morte de meu pai, ela mudou-se de Serra da Raiz, com minha irmã, e veio morar em Guarabira. Na cidade, suas saídas eram quase somente para a Igreja, pertinho de casa, e para a feira livre aos sábados, quando ia cedinho, a pé, comprar frutas e verduras.

Mas voltando ao assunto da ilustre visita, mesmo sem gostar de sair de casa, quando minha mãe ouviu a notícia, não contou conversa. Disse que eu podia buscá-la no dia marcado, que ela queria conhecer o novo bispo.

Dito e feito. Durante a visita, tivemos um lanche servido aos presentes na sala de audiência, e conversa com o bispo no gabinete. Dele recebi a bíblia e lhe ofertei meu Direito, mito e metáfora. Posamos para fotos, na qual se destaca minha mãe, toda arrumada e feliz. Com o bispo veio o padre Gaspar Rafael, recebidos por mim e pelo Diretor de Secretaria Flávio Nascimento. Ao meu lado, minha esposa Gerley Maranhão. Tudo registrado pelas lentes do colega Alexandre Moca, versado na arte de Sebastião Salgado. Mas, justiça seja feita, a maioria das fotos é de autoria de Cleoma Toscano, esposa de Alexandre, colega professora na Faculdade, e depois Diretora do Campus.

Nenhum de nós, porém, podia imaginar que minha mãe iria morrer no ano seguinte. Foi a primeira, única e última vez que ela foi àquele meu local de trabalho. E a bíblia, junto com as fotos, tornaram-se para mim sacramentos.

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