Reflections, Soley, Era: Happy Xmas!


Nos anos 70, gravar em inglês era caminho para o sucesso. Maurício Alberto era Morris Albert, Fábio Júnior era Mark Davis, e a banda Light Reflections, nascida e criada em São Paulo, estourava com o Tell Me Once Again.

Para dançar agarradinho nos assustados, espécie de baladas que hoje voltaram a ser promovidas dentro do universo vintage, ninguém se importava em saber o significado das letras das canções.

My Mistake foi um dos maiores hits de outra banda paulista. A canção dos Pholhas tem a ver com crime passional. O eu lírico, ao descobrir a traição da esposa, perde a cabeça e atira nela para matar. Vai parar na prisão, onde remói o “erro” do assassinato e da perda da amada. Mas como essa história de feminicídio e remorso era embalada numa melodia romântica, havia quem dedicasse a música à pessoa amada, sem saber do que ela falava.

Cantar, dançar ou compartilhar música sem saber o que ela significa não é privilégio dos anos 70. Um sucesso estrondoso dos anos 90 e 2000 foi a canção Ameno, aquela que repete o “dorimê”, da “banda” Era.

Mais de dez anos sem os intérpretes mostrarem o rosto. Nenhuma foto, nenhuma entrevista. Enigma e teorias insólitas sobre a música. São monges medievais surfando a onda da música eletrônica, diziam alguns. Que nada! Retrucavam outros. São integrantes de uma seita mística, praticantes de magia negra. A letra teria parte com feitiçaria ou com uma língua celestial?

O advento da internet acirrou a polêmica sobre o enigma. E a verdade, que enfim se revelou, é que a Era nem banda era. Era o músico francês Eric Lévi, que misturou música clássica medieval, rock eletrônico e canto gregoriano, inventou uma língua própria, que não é nem latim nem grego, para criar palavras que soavam místicas e poderosas. Mesmo sem significado no dicionário, as palavras exerciam profundo efeito psicológico, e ganhavam sentido no coração das pessoas.

A descoberta da verdade quebrou o encanto. Fez despencar as vendas das músicas do projeto Era, provando que muitas vezes o mistério tem mais poder que os fatos. E que a linguagem musical pode ter o sentido que o coração de cada ouvinte lhe dá.

Este ano, como de costume, escolhi três músicas para apresentar no Natal da família. Duas em inglês, de bandas escocesas. Reflections Of My Life, da Marmalade, é do final dos anos 60. Expressa a nostalgia causada pela dor das memórias em um mundo como lugar difícil de se viver, que requer contínua adaptação diante das mudanças. Soley, Soley, da Middle Of The Road, é do início dos anos 70. Também com letra metafórica, começa falando sobre solidão e imutabilidade da mudança, mas termina celebrando a renovação pelo poder do amor e da companhia das pessoas com quem compartilhamos a vida.

Muita gente fica melancólica nestes dias. Ainda mais ao ouvir a versão nacional da Happy Xmas, de John Lennon e Yoko Ono, do início dos anos 70, quando pergunta “e o que você fez?”, depois do “então é Natal.” Parece uma cobrança de lucro inalcançável no balanço ético de fim de ano. Mas seja quais forem os sentimentos que nos invadem, e independente do sentido das letras das canções que nos tocam, nacionais ou estrangeiras, Natal é luz, é renovação de vida pelo poder redentor do Amor do Menino Jesus.

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