Missa de corpo presente. Quando cheguei à capela do Seminário, o caixão estava aberto. Pouco depois veio o aviso. A celebração ia começar. Por isso ele devia ser fechado e posto no chão, prática recomendada no rito das exéquias.
Há um desígnio e uma razão de ser dessa prática. Além de evitar a dispersão dos presentes, permitindo que se concentrem na oração comunitária, marca a transição de quem morre, com reverência e dignidade. E não se pode esquecer que mesmo nas exéquias celebramos o mistério pascal. Incorporados pelo batismo ao Cristo morto e ressuscitado, pedimos para com Ele passarmos da morte à vida.
Do Livro da Sabedoria foi proclamada a primeira leitura. O trecho inicial do capítulo terceiro, que fala sobre o destino dos justos e dos ímpios. A comoção fazia as palavras martelarem mais forte em minha cabeça.
De manhãzinha, quando li a nota de falecimento, fui tomado por surpresa e consternação. Como dizia José Afonso, Juiz Classista em Itaporanga: Ô notícia sem graça! Mas, afinal, como tinha sido a morte de uma pessoa tão cheia de vida?
Irmã Neves, superiora das Irmãs de Maria Missionária, e coordenadora da Escola de Formação Missionária (ESFORMIS), da qual faço parte, disse que foi um choque para todo mundo. Irmã Maria, de chapéu na cabeça e enxada na mão, fazia umas das coisas de que mais gostava: trabalhar no cultivo das plantas no sítio onde moram as Irmãs. Depois que parou de ouvir o som da enxada na terra, Irmã Neves deparou-se com Irmã Maria caída no chão. O coração ainda pulsava, mas a partir de então ela não esboçou nenhuma reação de que iria sobreviver ao AVC fulminante.
Ao final da missa, Irmã Neves destacou alguns traços marcantes de Irmã Maria. Entre as várias virtudes, era trabalhadeira e solidária. Para ela não tinha tempo ruim. Pegava a moto e ia arrecadar pães nas padarias, para distribuir com quem precisava. Afora o cultivo das plantas, fazia pequenos consertos em instalações hidráulicas e elétricas. Na preparação do arraial da ESFORMIS, realizado no último Sábado de Santana, subiu e desceu escada para pendurar bandeirinhas e ornamentar o ambiente. Dedicava-se de corpo e alma às comunidades onde atuava, e ultimamente ao Seminário São José, da capela onde se realizaram as exéquias.
Num misto de fé, saudade e reconhecimento, meus pensamentos orbitavam as palavras do Livro da Sabedoria sobre o destino dos justos: “A vida dos justos está nas mãos de Deus, nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos pareceram morrer; sua partida foi tida como uma desgraça, sua viagem para longe de nós como um aniquilamento, mas eles estão em paz.” E também sobre a sorte dos ímpios, que receberão o castigo segundo os próprios raciocínios. Pois infeliz de quem despreza a sabedoria e a disciplina: “vã é sua esperança, estéreis seus esforços e inúteis suas obras.”
Tudo isso me faz refletir que de nada vale apelar para soberanias de principados, autoridades e poderes que passam, se desprezamos o Autor da Justiça. Tal qual a vida dos justos, como foi a de Irmã Maria, tudo está nas mãos de Deus.
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