Em 2011, por esta época do ano, escrevi o artigo “Festas de Padroeiro.” Nele trago lembranças dos tempos em que eu era menino, e meu pai me levava para passear na Festa da Luz em Guarabira. A falta de cacife para gastar no pavilhão não impedia que a gente ficasse, do lado de fora, apreciando as músicas das orquestras que, guardadas as devidas proporções, não deixavam de lembrar as big bands.¹
Lembrar essas lembranças poderia ser uma tentação de comparar os tempos idos e os de hoje. E ficar triste ao perceber, como no soneto de Camões,² que as contínuas novidades deste mundo são em tudo diferentes da esperança. Mas faço o possível para não mergulhar em saudosismo melancólico. Pois como diz o poeta, se todo o mundo é composto de mudança, as festas, que são parte deste mundo, não têm como deixar de tomar novas qualidades.
O problema é que, no caso das festas, as novas qualidades podem não ser qualidades. Deixar no passado o modelo de festa com pavilhão como ambiente de poucos, e permitir que muitos possam ver shows de artistas famosos, não deixa de ser uma boa mudança. Mas como os cachês milionários são pagos com dinheiro público, não faz sentido gastar com festa nas cidades em estado de emergência. Porém se esse não for o caso, e o dinheiro não fizer falta, a despesa se justifica. Nem só de pão vive o povo, e nem todo gasto com festa é política do “pão e circo”.
As qualidades das melodias e as letras de músicas que arrebatam multidões nessas festas também podem não ser das melhores. Por isso, vale o conselho de PS Carvalho,³ de que a gente deve ter o mesmo cuidado no consumo da música quanto na escolha dos alimentos.
Nesse ponto acho que ele está coberto de razão. Música é realmente muito mais que ritmo e melodia. Além de provocar emoções, ela alimenta a alma. Fico triste quando vejo a grande mídia fazer pouco caso do impacto, na alma de crianças e adolescentes, da banalização de obscenidades como se fossem arte e empoderamento.
Também não é preciso baixar o nível para agradar o paladar cultural do povo. Sobre a qualidade da arte distribuída no Brasil, Ariano Suassuna, referindo-se a um pensamento de Capiba, gostava de repetir que a gente diz que cachorro gosta de osso, mas ele gosta é de comida, como todo mundo: “bote um filé e um osso, pra ver qual ele escolhe!”
No açougue das preferências musicais, as alternativas nem precisam ser uma escolha de Sofia. Entre osso e filé há opções para gostos variados. Se no passado o modelo de festa de pavilhão não impedia a pessoa, do lado de fora, de apreciar a música que lhe apetecia, no layout de hoje há mais possibilidades ainda.
A música verdadeiramente popular – rotulada de brega, por vezes de forma depreciativa –, não toca mais na difusora do parque de diversão. Mas ainda pode ser ouvida no palco menor, antes dos shows para multidões.
É justamente o momento que escolho para aproveitar a festa. Menos gente circulando, dá pra reencontrar pessoas ao redor das mesinhas, jogar conversa fora, sem abrir mão dos comes e bebes. Além disso, entre as canções que aprecio estão alguns bregas, sem contar que o “tum tum tum” típico de paredões, que costuma cadenciar os shows maiores, é decibel demais para meus tímpanos.
De festas com muita zoada e ruge-ruge, digo, brincando: Deus me defenda! Mas admiro o cristão que gosta e aguenta. E a todos desejo uma Festa da Luz abençoada!
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¹ Já no início de 2012 publiquei o texto “Terra da Luz,” que trata da devoção à Senhora da Luz, padroeira da nossa Diocese, e sua relação com a festa da Apresentação do Senhor, celebrada em dois de fevereiro. Ambos estão neste mesmo blog.
² Mudam-se os Tempos, Mudam-se as vontades.
³ Instagram @pscarvalho.oficial
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