Poesia do caos e o arco nas nuvens.


Esta quentura danada me faz pensar no que eu ouvia dos mais velhos, nos meus tempos de menino: a terra foi destruída com água, mas o fim do mundo agora será com fogo.

Com o tempo fui ouvindo a história do dilúvio. Deus, de coração partido e arrependido de ter criado a humanidade que se tornou perversa, diz a Noé que fará desaparecer não só as pessoas da terra, mas os animais grandes, os pequenos e as aves do céu, livrando apenas os que entraram na arca. Depois que a água baixou, o arco colocado nas nuvens, como sinal de que nunca mais seria ceifada nenhuma forma de vida pelas águas da inundação divina.

Há quem diga que aquela história foi influenciada não só pela Epopeia de Gilgamesh, mas por uma narração da antiga bíblia hebraica. O Criador resolve fazer a terra voltar ao estado aquoso de caos pré-criação, para fazer uma espécie de manufatura reversa.

Seja como for, para desta vez o mundo se acabar com fogo, nem precisa de intervenção divina. Não bastasse o aquecimento global, que deixa a gente agoniado com o calor, somente a Rússia, segundo a Reuters, possui mais de quatro mil ogivas nucleares, capazes de destruir o mundo várias vezes. Uma das maletas que envia ordem de lançamento fica com o Presidente.

Se seguir por esse caminho o mundo não terá jeito. Ao que parece, pouco aprendemos com os erros do passado, e nem os gemidos da pandemia bastaram para tomada de consciência para conter a sanha de quem quer tocar fogo no mundo.

Nesse cenário caótico, muita gente age de forma absurda. Libertários nos costumes viram inquisidores políticos, arautos da democracia defendem tiranias de malvados favoritos, pastores dispersam em vez de apascentar. Quando o Papa sugere a bandeira branca para a nação invadida, é aplaudido pelos que se dizem pacifistas do bem. Mas estes mesmos tacham Francisco de reacionário, quando ele se refere a ideologia de gênero como ameaça para a humanidade.

Lembrei de Nezinho do Jegue, do Bem-Amado. Ele sóbrio: Viva Odorico! Mas quando enchia a cara: morra Odorico!

Expressar um mundo e expressar-se num mundo assim não é fácil. Talvez só recorrendo a Zé Limeira, poeta do absurdo, assim chamado no livro de Orlando Tejo.

Tem quem duvide da existência de Zé Limeira. Orlando Tejo chega a brincar com isso. A vó do escritor teria perguntado a ele: “estão dizendo que Zé Limeira é você. É verdade?” Mas numa orelha do livro, Dr. Dorgival Terceiro Neto, a quem respeito e admiro – e não era homem de espalhar mentira –, disse que conheceu o mestre da poesia caótica nas bandas de Taperoá.

No prefácio, José Américo de Almeida diz que Zé Limeira era um poeta diferente. Era doido ou vidente que baralhava as noções de tempo e espaço, e em sua arte de improvisar valia-se da distorção histórica. Vejam só estes versos: “Jesus nasceu em Belém,/ Conseguiu sair dali,/ Passou por Tamataí,/ Por Guarabira também./ Nessa viagem de trem/ Foi pará no Entroncamento,/ Não encontrando aposento,/ Dormiu na casa do Cabo,/ Jantou cuscuz com quiabo,/ Diz o Novo Testamento.”

Sou fã de Zé Limeira. Também contemplo o arco nas nuvens, sinal da aliança entre Deus e toda forma de vida que há sobre a terra.



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