Folia filosófica: diga não à Síndrome de Caim!


Sou daqueles que tiram o carnaval para descansar. Mas nesses dias não abro mão de encontrar com pessoas que quero bem. Livre do corre-corre da vida, dá para a gente saber mais do que se passa com o outro, e degustar não só comes e bebes, mas boas histórias de ontem e de hoje, especialmente de quem continua amando a gente na folia da eternidade.

Nesses momentos também não vejo mal em falar um pouco da vida alheia. O que sou contra, como dizia Ariano Suassuna, é falar dos outros pela frente: “falar mal pela frente constrange quem ouve, constrange quem fala. Não custa nada a gente esperar um pouco as pessoas darem as costas.”

Cabem ainda os comentários sobre os costumes:

– Já não se fazem padres como antigamente. Vocês viram o que veio cantar na festa da padroeira? Achou pouco levar um dinheirão da Prefeitura, e ainda se apresentou com aquela calça arrochada demais! Valha-me Deus! Parecia mais um cantor sertanejo. Acho que nem missa ele sabe mais celebrar!
– Não diga besteira! O show dele foi maravilhoso! Era tanta gente emocionada e chorando! Aquilo, sim, foi um espetáculo de louvor e evangelização!

Vez por outra a conversa envereda para o papo cabeça de análise de conjuntura ou como botar o mundo nos eixos. E melhorar o mundo passa pela educação escolar. Mas nem todo mundo acha bom o que vê nas escolas:

– A gente que é professor agora tem de ser babá de aluno! Aguentar calado tudo o que eles querem fazer.
– Como assim?
– A moda agora é dizer que eles são os protagonistas! Até as músicas para o acolhimento eles escolhem! E algumas, não tem cristão que aguente! E tem mais. É pra ficar o tempo todo com eles! Nem na hora do almoço a gente pode sair de perto!
– Mas e o intervalo de vocês? Não é pra trabalhar no máximo oito horas?
– Tem disso não! Inda mais pra quem é prestador de serviço e tem medo de perder o emprego! Com a tal da Pedagogia da Presença, a gente também tem de ser tutor!

Mesmo não tendo pesquisado a fundo o tema – e sabendo que Filosofia e Pedagogia da Presença não são de hoje –, penso que não se pode confundir presença com marcação cerrada. Ficar pra lá e pra cá com alguém não quer dizer que um educador, seja em casa ou na escola, está realmente presente a seu lado. Pode até ser pedagogia do faz de conta ou assédio.

Lembro de um encontro religioso de que participei. Até para ir ao banheiro tinha que outra pessoa acompanhar. Ficava lá, do lado de fora, esperando a gente fazer as necessidades. Imagine quem tem intestino preso. Ainda que sentisse um pedaço do céu no momento de louvor, quando ia ao sanitário com alguém esperando na porta era mesmo que estar no inferno.

Mas voltando às conversas sobre educação:

– Outra coisa que vai deixar a gente nas mãos dos alunos é o Pé-de-Meia.
– Sinceramente, não vejo problema com esse programa do governo. A intenção é manter o aluno na escola, evitar evasão.
– Até concordo que isso vai ser bom para quem quer estudar. Mas pra quem não quer e precisa comprovar a frequência pra receber o dinheiro! Eu que não vou botar falta em ninguém pra não me complicar.

Conversa boa, tempo que voa! Aprendi muito na folia filosófica com pessoas que quero bem, mesmo discordando de muita coisa. Amar não depende de sempre concordar com quem se ama, nem pensar diferente deve causar malquerença. E todo cuidado é pouco para não deixar o ódio habitar o coração, às vezes movido pela polarização, nem permitir que ele se feche pela indiferença. É preciso dizer não à Síndrome de Caim. Como lembra a Campanha da Fraternidade, sobre amizade social, Caim não apenas matou o irmão, mas fez de conta que nada tinha acontecido.

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