Mensagem de Natal de um velho menino.

Este ano entrei na velhice. De carteirinha e tudo. Farejo de longe as vagas de estacionamento, com o desenho do velho corcunda de bengala. Soube que o Conselho Nacional de Trânsito vai mudar aquela imagem. Vai ser um desenho de uma pessoa ereta, seguida de 60+

Espero que seja pra valer. Já estava na hora dessa mudança. Além do peso da idade, a gente não precisa carregar o estigma de saúde debilitada como símbolo do idoso.

No meu aniversário de sessenta, minha esposa encomendou um bolo com a figura de Homer Simpson e o donut. Ela não simpatiza com Homer, por ele não ser um bom exemplo, e eu não lhe tiro a razão. Mas como sabe que eu gosto, fez um agrado ao marido, principiante na terceira idade.

Minha caçula achou pouco e me deu uma caneca com o desenho do Flork e a frase “o terror do INSS”. Mas pra me consolar, ela diz que na velhice eu ainda sou um menino.

O que deve escrever, então, um velho menino numa mensagem de Natal?

Lembrar o passado é uma estratégia de quem já viveu mais tempo do que imagina que ainda vai viver. Não que eu faça o tipo saudosista que repete “bom era no meu tempo.” Se estou vivo e conectado com as coisas do mundo, meu tempo também é hoje.

Tempo quente que só a p*, com gente que ainda quer botar mais fogo no planeta e não dá ouvido aos conselhos de Tom Zé, outro velho menino – mais velho e mais menino do que eu –, que diz assim na canção: “não tenha ódio no verão: você vai acabar comendo brasa no tição, assando o rabo no fogão, isso arrebenta uma nação!”

Mas se não vivo do passado, dele tiro lições e guardo boas lembranças. Como a da vibe das festas de fim de ano.

Na adolescência, fui morar numa cidade bem menor do que onde a gente vivia: clima agradável, lugar pacato, de muita monotonia e pouca gente. Mas no fim do ano tudo mudava. Casas caiadas e cheias de parentes da capital ou do sudeste. Enfim chegava a festa do padroeiro, na passagem do ano.

Na trilha sonora não podia faltar Roberto Carlos. A gente competia pra ver quem comprava primeiro o LP, ter o gosto de abrir a capa, sentir o cheirinho de disco novo, apreciar as fotos e colocar o vinil na vitrola, com a caixa de som na varanda, pra todo mundo ouvir.

No álbum de 1978, um dos maiores sucessos foi Lady Laura. A vizinha do lado, querida amiga de meus pais e já no céu junto com eles, quando ouvia o som daquela música vindo de nossa casa, pedia pra gente tocar de novo.

Às vezes ouço essa música em comemorações do dia das mães. Mas ela me remete mesmo às festas de fim de ano, especialmente ao Natal.

Na minha infância a gente não tinha tradição (nem condição) de ter uma ceia farta e presentes de Papai Noel. Acho que desde cedo advertiram a gente que ele não existia. E mesmo sabendo que a festa é do Menino Deus, os preparativos do Natal pra mim têm gosto de amor de mãe.

A minha enfeitava de algodão um galho seco, em que pendurava as bolas coloridas guardadas com todo cuidado. Eram de vidro bem fininho. Se quebrassem eram um potencial perigo.

Esse tempo me faz pensar em Nossa Senhora esperando menino. Coisa mais linda a cena do Evangelho, em que ela vai às pressas à casa da prima. É certo que o narrador destaca o protagonismo dos meninos nos ventres das mães. Mas não se pode esquecer que o encontro é entre duas gestantes.

Também me traz à mente a imagem de minha esposa lindamente grávida. Quatro vezes por essa época em que ela completa anos, pertinho do aniversário de minhas duas filhas.

E se algumas vezes me sinto “perdido no meio da noite, com problemas e angústias que só gente grande é que tem”, me acalenta a sensação de aconchego do amor de mãe.

Imagino que Jesus sentiu esse aconchego ao ouvir de Maria, afagando-lhe os cabelos, algo parecido com o verso de Lady Laura. Afinal, não é o que diria uma mãe nessas horas?: “Não se aperreie, meu filho. ‘Amanhã de manhã você vai se sair muito bem.”

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