Primavera de mortes, tempo de esperar alguma luz.

Em vez de flores, na primavera os reis cultivavam guerras. Assim nos diz o Segundo Livro de Samuel. Isso permitia ao menos seis meses de combate antes do inverno, inimigo natural da campanha militar. Ao toque da trombeta começava a luta corpo a corpo. E o sangue dos combatentes regava a Terra Santa.

A lei da guerra era cruel. Diz o Deuteronômio que os soldados, antes de invadirem certas cidades, deviam propor-lhe a paz da sujeição ao trabalho forçado. A outra opção era não se entregar, e correr o risco de todos os homens serem passados ao fio da espada. No caso das terras prometidas como herança divina, nenhum ser vivo na cidade devia ser poupado.

Consagravam-se as tropas para as batalhas. Os soldados não podiam ter relações sexuais nem com suas esposas, e prostitutas não acompanhavam o exército. Todo o acampamento era submetido à lei da purificação. Mas depois da vitória, abandonava-se a disciplina. Os derrotados eram massacrados, e muitas mulheres, molestadas ou estupradas.

Meu pai se indignava ao ler passagens bíblicas sobre massacres de povos em nome de Deus. Se a Justiça de Deus é Justiça de Amor, por que se exaltar um deus dos exércitos, poderoso na batalha? E eu argumentava que aquilo era parte de uma moral religiosa arcaica, que havia ficado para trás.

O que ficou para trás, porém, foram algumas armas e estratégias. O grito de guerra para atiçar a coragem e insuflar o terror, arqueiros e escudeiros para o exército se aproximar do inimigo, lanças para abrir caminho pela infantaria. Foi com uma lança arrancada da mão do agressor, que Banaías matou um inimigo de elevada estatura, e alcançou a fama entre os trinta valentes de Davi.

A espionagem, aperfeiçoada com o tempo, já era usada para levantar dados do inimigo. O livro dos Números narra o envio de chefes do povo para explorar a terra a ser conquistada. As ordens eram para escalar a montanha, ver se a terra era fértil ou estéril, se tinha matas ou não; se o povo era forte ou fraco, escasso ou numeroso; como eram as cidades, campos e fortificações.

Passados tantos séculos, eu me pergunto o que mudou de lá para cá. Nas guerras do século XXI, quem são os valentes e os covardes, quem são os altruístas e os genocidas? A quantas anda nossa ética nos conflitos armados? Como respondemos, na prática, as questões da justiça da guerra e da justiça na guerra?

O Catecismo da Igreja Católica nos exorta a evitar a guerra. Como o quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana, devemos orar e agir para que a bondade divina nos livre desse mal. Mas observa que quando se esgotam os meios de negociação pacífica, não se pode negar aos governos o direito de legítima defesa.

O exercício desse direito pode justificar uma declaração de guerra. Mas é preciso ter cuidado para que o uso das armas não provoque males mais graves do que o mal a eliminar. Além disso, como diz a Gaudium et Spes, “quando por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito entre as partes inimigas.”

Por isso é importante respeitar o direito humanitário de guerra. Tratar com dignidade os prisioneiros, cuidar dos feridos, não demonizar todos os que estão do outro lado do front, nem se deixar levar pelos excessos do calor da batalha. Ainda mais quando se sabe que nos conflitos armados atuais, quase sempre toda a sociedade é vítima da guerra.

Nesta primavera, vivemos uma escalada de mortes debaixo do céu da Terra Santa. Mas como diz Hannah Arendt, “até nos tempos mais sombrios temos o direito de esperar alguma luz. É bem possível que essa luz não venha tanto das teorias e dos conceitos como da chama incerta, vacilante e muitas vezes tênue, que alguns homens e mulheres conseguem alimentar.”

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