Virgem Mãe, Nossa Senhora: sinal de que o Amor venceu.

Nos meus tempos de Pastoral de Juventude, caí na besteira de repetir o que tinha ouvido de um católico metido a progressista. Para ele não se devia dar importância à virgindade de Maria, pois não era questão teológica, mas ginecológica. A vida me ensinou que tem hora que saber falar é bom, mas tem outras que é melhor ficar calado. Hoje tenho mais cuidado em falar sobre o que sei e o que não sei, sem me esquivar num silêncio de pretensa soberba.

Sei que diante de tantos problemas no mundo, a virgindade de Maria pode parecer algo de menor importância. Além disso, como observa Stefano De Fiores, a atual pré-compreensão cultural às vezes se mostra desconfiada sobre essa virgindade, por entender que é historicamente não provada, teologicamente desnecessária e vitalmente não significativa. Mas é preciso lembrar que essa questão traz à tona um dado de fé não apenas de católicos, mas de cristãos e muçulmanos: a conceição virginal de Jesus, que não se confunde com o dogma da Imaculada Conceição.

Nós, da Tradição Católica Romana, professamos que Maria veio ao mundo sem a mácula do pecado original. Mas em nenhum momento afirmamos que o parto de Santa Ana, sua mãe, não tenha ocorrido tal qual o de outras mulheres. Acreditamos, ao mesmo tempo, na conceição e nascimento virginais de Jesus, como eventos que fogem do que ordinariamente ocorre na natureza. Essa verdade de fé é aceita desde os primórdios da Igreja, apesar dos debates próprios das conjecturas teológicas.

Sobre a conceição virginal de Jesus nunca houve muita polêmica. É certo que alguns a comparavam com a partenogênese, fenômeno em que uma fêmea procria sem intervenção do macho. Mas no caso do animal humano, com cromossomos sexuais XX para mulheres e XY para homens, de uma mulher, sem a participação do homem, sempre nasceria uma menina, jamais um menino. Também não deixou de haver comparação com narrativas míticas, em que deuses seduziam mulheres para engravidá-las. Porém os relatos bíblicos são diferentes dos modelos míticos.

A genealogia apresentada por Mateus começa dizendo que Abraão gerou Isaac, e os demais foram gerando até chegar em Jacó que gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus. Em Lucas, quando Maria pergunta a Gabriel como seria possível a ela engravidar sem conhecer homem, o anjo responde que o Espírito Santo virá sobre ela e o poder do Altíssimo vai cobri-la com sua sombra. Não há qualquer insinuação de intercurso sexual nesse prodígio. E a própria gramática utilizada no texto não atribui essa ação ao Deus Pai, que poderia ser associado ao gênero masculino, mas ao Espírito Santo, palavra feminina em hebraico e neutra em grego.

A conceição virginal de Jesus confirma que o nascido de Maria não é apenas desta terra. É Deus de Deus, gerado e não criado, preexistente ao mundo. Ser nascido de mulher não lhe retira a personalidade de Filho do Altíssimo. Daí que na sua genealogia, os antepassados geraram e foram gerados como todos nós. Mas Ele não foi gerado segundo a carne, nem gerou filhos para perpetuar sua linhagem. Se isso era necessário para os patriarcas do seu povo, não era mais para Jesus. Como lembra Aristide Serra, Jesus Cristo é o Ômega. Na sua pessoa, Criador e criaturas se uniram num abraço indissolúvel, consumando a aliança planejada por Deus antes que o mundo existisse.

No contexto dessa aliança, a virgindade perpétua de Maria provém do reconhecimento das coisas grandiosas que Deus fez em favor dela, em vista de Cristo e da salvação do mundo. A fórmula dessa definição de fé veio com o Sínodo de Latrão, do ano de 649. Lá foi estabelecido que quem não confessa que no fim dos séculos, Maria “concebeu do Espírito Santo sem esperma e deu à luz sem corrupção, permanecendo também depois do parto a sua indissolúvel virgindade,” deve ser condenado.

Podemos confessar a mesma verdade sem recorrer à linguagem da condenação. Se Deus escolheu Maria para nela operar a conceição virginal de Jesus, nada mais coerente do que livrá-la da maldição dada à primeira mulher, de multiplicação das dores do parto, fazendo com que o nascimento do seu Filho se desse de modo totalmente diferente. E podemos compreender que depois do parto Maria se conservou virgem por consagrar-se inteiramente a Deus, crença partilhada até por não católicos como Lutero, que certamente sabia que as passagens bíblicas que falam em irmãos de Jesus eram referências não a irmãos de sangue, mas a parentes próximos dele.

Professar essa verdade não diminui o valor da maternidade e do casamento. Jesus é Filho de Deus, mas também é fruto do ventre de Maria, e a consagração dela a Deus não exclui as relações de amor e carinho dela com José e Jesus, próprias de quem é esposa e mãe. A virgindade de Maria, acima de tudo, é sinal de que o Amor venceu. E não tem nada a ver com fazer coraçãozinho com as mãos, tendo a alma dominada pela sanha de vingança. Significa que Deus é sempre quem ama primeiro e nos convida a encher o coração de uma fé capaz de gerar uma nova justiça, que é sinônimo de amor.

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