Sabedoria vem de Deus. E se guarda no coração.

A vida lá não era besta, como a da cidadezinha qualquer, do poema de Drummond. Mas era como se a roda do tempo fosse mais lenta e as janelas também olhassem devagar. Ir a igreja todas as noites era o principal programa noturno do mês de maio. Na ladainha, uma ou outra invocação a Nossa Senhora me deixava curioso. Por que chamá-la de sede da sabedoria, se nos relatos da Bíblia, quase sempre o sábio era um homem? Na minha cabeça – e acho que na de muita gente –, não havia sabedoria mais famosa que a de Salomão, que deixou impressionada a rainha de Sabá.

O Primeiro Livro dos Reis conta que Deus apareceu em sonho a Salomão e lhe disse: “pede o que devo te dar.” Em vez de vida longa ou riquezas, ele desejou sabedoria. Deus, então, lhe deu um coração sábio, como ninguém teve antes e ninguém teria depois. Maria, porém, não aparece na Bíblia como uma figura típica dos escritos sapienciais. Tirando o Magnificat, as narrativas trazem poucas falas de Nossa Senhora, e dela geralmente se diz que guardava no coração aquilo que não compreendia. Então por que ela, e não Salomão, é sede da sabedoria?

Diz o Livro da Sabedoria que esta conhece as coisas passadas, adivinha o futuro, percebe as sutilezas da retórica e decifra os enigmas. Contudo, como somente Deus – e nenhuma religião, filosofia ou ciência–, tem conhecimento infinito das coisas, a verdadeira sabedoria está na mente do Criador. Mas como a gente pode conhecer uma migalha que seja dos pensamentos de Deus? Para a fé cristã, mais do que na Lei e nos Profetas, a resposta está em Jesus Cristo, a ponto de Paulo afirmar que, para aqueles que são chamados, é Cristo o poder e a sabedoria de Deus.

Por essa fé, cremos que somos chamados antes de nos formamos no ventre de nossas mães. Cremos que, em Cristo, somos escolhidos antes da fundação do mundo. Se é assim, nada mais justo do que imaginar que a escolha da mulher para trazer ao mundo seu poder e sabedoria tenha sido um dos pensamentos mais felizes na mente de Deus. Nessa verdade de fé, Maria é, ao mesmo tempo, mãe terrena e filha querida da sabedoria divina.

Isso não significa que Maria fosse capaz de desvendar todo o mistério que envolveu sua vida. Com o seu sim, a história de Jesus passou a ser também sua história. Mas a mãe sabia que o filho era um enigma muito maior do que qualquer pessoa pode alcançar. Ele era a realização de tudo quanto o povo de Deus tinha aprendido (ou não) com as Escrituras.

Educada na fé dos seus pais, Maria certamente conhecia o que Moisés mandava seu povo ensinar aos filhos e aos filhos de seus filhos: meditar no coração as histórias do passado como ação de Deus em suas vidas. Fazer isso não por saudosismo, mas tendo em mente a convicção de que fala Aristide Serra: “o que o Senhor operou no passado pelos seus eleitos é a garantia de que ele fará o mesmo nas circunstâncias presentes e nas futuras, já que seu amor é imutável.”

No caso de Maria, o desafio ainda era maior. Mais do que meditar as histórias do passado do seu povo, tentar compreender o comportamento do filho, como mãe e como discípula. A intimidade sem igual entre um ser humano e a sabedoria divina fez aumentar essa compreensão. Pois como disse Santo Agostinho – o que pode ser estendido a outras mães –, Maria trouxe o filho mais no coração do que no ventre.

Entretanto, em qualquer campo da vida humana, incluindo a fé, há sempre obscuridades. Não compreender tudo não é falta de sabedoria. Causa-me arrepio quando alguém, na rede social, diz que a gente pode perguntar sobre qualquer coisa, que essa pessoa responde. Credo em cruz com esse tipo de sabe-tudo! E quando é para falar sobre os mistérios de Deus, não há como nossa linguagem não tropeçar nas coisas ocultas, como é o caso da dificuldade em compreender as parábolas.

Parábolas são mencionadas já no Antigo Testamento, bem antes de terem sido utilizadas por Jesus. As narradas no Evangelho geralmente trazem histórias emblemáticas, em que se recorre à comparação. Até mesmo a melhor exegese não deve ter a pretensão de explicá-las de uma vez por todas. Ainda mais sabendo que nossas limitações muitas vezes nos levam a olhar sem ver e ouvir sem escutar.

Maria, como toda mãe, deve ter contado histórias a Jesus. Em algum momento, deve ter olhado para seu menino enquanto dormia, imaginando o que se passava na cabeça dele. Também ouviu de Jesus palavras que não compreendeu bem, como as que ele disse depois que se perdeu dos pais e foi encontrado no templo, em meio aos doutores da lei. Como qualquer mãe, ela não tinha como sondar os pensamentos do filho. Mas ninguém neste mundo sentiu tão de perto o amor imutável de Deus, batendo no coração de Jesus


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