Maria de Nazaré é Mãe de Deus e nossa Mãe


O que Deus fazia antes de criar o céu e a terra? A esta questão, Santo Agostinho não respondeu que Deus preparava o inferno para quem fizesse uma pergunta daquelas, por querer penetrar nos seus mistérios. Ele preferiu dizer “aquilo que não sei, não sei”. Para Agostinho, uma coisa era procurar compreender; outra, querer brincar.

Assim como Sherlock Holmes nunca falou “elementar, meu caro Watson”, nem Humphrey Bogart, “toque de novo, Sam”, Carl Sagan não dizia “bilhões e bilhões.” Mas esta expressão, atribuída a ele, foi utilizada como título de um livro póstumo daquele cientista. Sagan dizia que é ridícula a ideia de Deus como um gigante barbudo, de pele branca, sentado no céu.

Como o cientista, não imagino Deus como um velho barbudo sentado num trono de um universo distante, a nos vigiar. Como o santo, diante do mistério, prefiro reconhecer que aquilo que não sei, não sei. Mas as tantas coisas que não sei não me impedem de tentar compreendê-las, com a humildade e a seriedade dos dois.

Minha mente pode indagar: de que é formado o “corpo” de Deus? De átomos não há de ser, pois aí o átomo é que seria Deus, do qual Ele seria formado. Já meu coração, com suas razões racionalmente indecifráveis, repete o que diz a canção: ninguém explica Deus. Mas sabe que Ele é eterno, não foi criado, sempre existiu. 

O eterno foge à nossa compreensão. Está fora do tempo, que começou com a criação, ou com o ponto inicial de massa e densidade infinitas. Só a partir daí se pode falar em antes e depois. Eternidade, porém, não é duração infinita do tempo, mas existência fora dele. Na eternidade não há então, não há passado, não há futuro. Nela as leis da Física não funcionam.

Se a origem de Deus é questão impenetrável, a fé cristã acrescenta a ela outros mistérios. Um dos mais belos e profundos é o da Encarnação. O Eterno resolve entrar na roda do tempo e nascer do ventre de uma mulher para habitar entre nós. Então entra em cena Maria de Nazaré, a mais bem-aventurada de todas as pessoas da história humana.

Não se sabe, com certeza, onde Maria nasceu. Fontes literárias falam que teria sido em Belém, Nazaré ou Jerusalém. Entre as hipóteses levantadas, a mais provável é que tenha sido em Jerusalém, perto do templo. E que talvez Maria tenha feito parte das virgens tecelãs, que teceram o véu do Santo dos Santos. Mas na Anunciação, Lucas nos mostra Maria já morando em Nazaré.

Nazaré era um lugarejo esquecido na região da Galileia. Não é citado uma vez sequer no Antigo Testamento. Quem era de lá sofria preconceito, como muita gente ainda tem com os nordestinos. Por isso não é à toa que quando Felipe diz que encontraram naquela cidade o Messias anunciado, Natanael lhe pergunta: “De Nazaré pode sair algo de bom?”

Mas é justamente de onde menos se espera que veio o que mais se esperava. Nazaré entra na história como o domicílio de Jesus, ali conhecido como filho do carpinteiro e filho de Maria, descrita como mulher pobre e simples, que cuidava da casa, da família, e participava dos acontecimentos alegres e tristes da comunidade. 

Maria de Nazaré não era celebridade, nem mulher com superpoderes. Em vez disso, como resume Stefano De Fiores, ela “é mulher verdadeira, que sabe refletir e falar, escutar ou tomar a iniciativa, chorar ou alegrar-se… Tudo isso faz de Maria pessoa concreta, historicamente verossímil e fora do alcance de toda e qualquer invenção idealizadora.”

Mas sendo seu Filho divino, Maria de Nazaré é Mãe de Deus. E como outras mulheres, ela é mãe não só pela genética, por carregar o Filho no ventre e amamentá-lo. É Mãe por toda a vida, ainda mais por se consagrar de corpo e alma à missão de Jesus como Salvador do mundo. Para ela, ser Mãe de Deus, além de um dom, é um serviço ao gênero humano.

Nesse serviço, Maria se torna nossa Mãe. Ela demonstra esse cuidado com outras pessoas desde quando, discretamente, faz com o que o Filho transforme água em vinho nas bodas de Caná. E aos pés da cruz, quando Jesus diz “eis aí tua mãe”, essas palavras são dirigidas não apenas ao discípulo amado, mas a todos nós.

Ter Maria como Mãe não é ofuscar a luz do seu Filho. Em Caná ou no Calvário, assim como em toda a história da salvação, o centro é sempre Jesus. Também não deve levar ao comportamento acriançado, de quem não se compromete com as coisas do mundo, esperando que tudo seja feito por uma mãe superprotetora.

João Paulo II dizia que a ciência pode purificar a religião. Livrá-la do erro e da superstição. Mas também dizia que a religião pode purificar a ciência, livrando-a da idolatria e dos falsos absolutos. A fé não precisa ser adversária da razão. Que bom! Pois tanto a mente quanto o coração podem exultar por saberem que Maria de Nazaré é Mãe de Deus e nossa Mãe. 

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