Em uma casca de noz



Quer ser bom?! Morra ou se mude, diz o ditado popular. Mas para Stephen Hawking o provérbio não cai bem. Não é porque deixou este mundo que ele é admirado pelo que fez em vida, a maior parte do tempo, vivida com um corpo tão limitado pela doença, preso a uma cadeira de rodas. Mais do que cientista, ele já era celebridade, inclusive na cultura pop. É dele uma das obras que encantou minha mocidade. Fiz até um fichamento do livro, papéis que guardo com especial cuidado.

Lançado no fim dos anos oitenta, Uma Breve História do Tempo logo virou best-seller. Mesmo que minha profissão de fé não me permita concordar com a afirmação de que, se encontrarmos resposta para a questão por que nós e o universo existimos, então decifraremos a mente de Deus, muitas das ideias do livro me fascinam: olhar as estrelas para perscrutar o passado, em razão do tempo que sua luz demora para chegar até nós; a ciência moderna, tão técnica e matemática, que virou coisa de especialista, fazendo Wittgenstein lamentar que a análise da linguagem foi a única tarefa que restou para a filosofia.

Anos mais tarde, quando eu já tinha deixado de fazer fichamentos, li O Universo numa casca de noz. Desta vez meus neurônios deram mais voltas, ao gravitar em torno de questões instigantes do livro. Afinal, o que é o tempo? Um rio que carrega nossos sonhos, ou os trilhos de um trem, com curvas e desvios, que permite seguir em frente e retornar a uma estação anterior? Os buracos de minhoca do espaço-tempo, ligando universos paralelos, nos permitiriam viajar no tempo? Se o crescimento da população e o consumo de energia seguirem o ritmo atual, quanto tempo teremos para transformar nosso planeta numa bola de fogo?

Nunca hei de esquecer, porém, que é Shakespeare quem abre o capítulo que dá nome ao livro: “Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito”. Esta  é a fala de Hamlet, a nos dizer que, apesar de sermos fisicamente tão limitados, nossas mentes têm asas para voar  por todo o universo,  explorar lugares para onde nem a tripulação da nave de Jornada nas estrelas ousaria viajar. 

O universo é infinito ou apenas muito grande? É perpétuo ou apenas terá uma vida longa? Como é possível nossa mente finita compreender um universo infinito? Perguntas como essas, vindas de quem dizia que ninguém criou o universo, e que ninguém dirige nossos destinos, também enchem o coração e a alma de quem acredita no cosmos criado pelo divino amor, e podem ser compartilhadas fraternalmente por crentes e não crentes, com mútuo respeito e honestidade intelectual. Padre Zezinho se refere a Carl Sagan como um ateu gentil e verdadeiro, que ensinou o padre a procurar Deus, e abriu-lhe os olhos para uma cosmologia cristã, com suas indagações no livro Bilhões e bilhões. Naquela obra, Sagan cita João Paulo II, para quem a ciência pode purificar a religião, livrando-a do erro e da superstição, enquanto a religião pode purificar a ciência, libertando-a da idolatria e dos falsos absolutos. O próprio Hawking foi nomeado por João Paulo II, para a Pontifícia Academia de Ciências, e abençoado no Vaticano pelo Papa Bento XVI.

Entre os temas discutidos por Hawking na Academia estão os relacionados a ciência e sustentabilidade. Ele alertava sobre a ameaça de destruirmos a vida na Terra por causa de nossa cobiça e estupidez, e que não devemos olhar só para nossos problemas particulares, se vivemos ombro a ombro num pequeno planeta, cada vez mais poluído e superpovoado. Dizia ainda que, dependendo do seu uso, a inteligência artificial pode nos levar à ruína. Eu, comigo mesmo, penso que a inteligência artificial, ainda que não extermine a espécie humana, vai colocar um ponto final em algumas artes e ofícios. Ross, um tipo de advogado virtual, já é capaz de rapidamente consultar milhões de arquivos e responder a consultas em linguagem natural. Por isso não canso de dizer a meus alunos que não vale a pena competir com máquinas, na acumulação de informações, mas sim aprimorar em cada um de nós os talentos essencialmente humanos, como criatividade, sensibilidade e interpretação da vida.

Quanto coisa boa Stephen Hawking nos legou. Agora que ele transcendeu as limitações de sua frágil casca humana, eu o imagino no céu, no qual ele dizia não acreditar, envolto no amor eterno de Deus, que nem o mais crente dos crentes sabe exatamente como é. Em sua nova morada, quem sabe ele possa viajar para lá e para cá, nos trilhos do espaço-tempo, pelos portais de universos paralelos. Contudo, por mais brilhante que seja sua mente, penso que nem ele, nem ninguém, será capaz de criar uma equação para decifrar a mente do Criador, pois mesmo na eternidade, Hawking continuará sendo Hawking, e Deus continuará sendo Deus.

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