Vida boa e feliz


Não tem sido fácil conciliar as férias da sala de audiência com as da sala de aula. Mais difícil, ainda, emparelhar o tempo livre de todos da família. Dois filhos estudando fora, uma ainda em casa, e a esposa, com dedicação exclusiva às atividades do lar, sem direito a férias regulamentares do perpétuo trabalho de mãe e dona de casa. Às vezes, porém, dá para unir o útil ao agradável. Escala de férias do Tribunal numa mão, e na outra o calendário letivo da Universidade, foi possível aceitar o convite da Escola da Magistratura do Trabalho de Alagoas. Como as aulas começavam no fim da tarde, dava para aproveitar o dia, com a esposa e a filha caçula, provando as delícias de Maceió, que ainda não conhecíamos.
           
Mais do que a encantadora Pajuçara e seus coqueirais; mais do que o lindo horizonte do mirante do Gunga; mais do que o gostoso mergulho na Praia do Francês; mais do que o filé de siri, saboreado às margens da lagoa em Massagueira; mais que tudo isso, que já foi muito bom, fomos cativados pelo carinho de quem nos acolheu. Pude comprovar, uma vez mais, que minha cabeça de juiz pode espairecer nas férias, enquanto meu coração de professor se enche de alegria ao realizar sua natureza e vocação. Quem é professor sabe bem o que digo. Por melhor que seja nosso pagamento – e os honorários do magistério em nosso país, todos sabemos, estão longe do ideal –, a felicidade de ensinar não se mede por dinheiro.
           
Numa palestra a educadores, Clóvis de Barros Filho provoca a reflexão sobre o que é uma vida boa e feliz. Fala sobre um teste de felicidade, que encontrou numa revista, com perguntas do tipo: você trabalha onde gostaria de trabalhar? Ganha quanto gostaria de ganhar? Mora onde gostaria de morar? Passa férias onde gostaria de passar? Seu cônjuge tem o aspecto físico que você gostaria que ele tivesse ou você tem o aspecto físico que gostaria de ter? Ao responder essas questões, o leitor soma os pontos e verifica seu nível de felicidade. Ele lembra, porém, que muitos famosos têm tudo isso e abreviam a vida devagar ou de uma vez só, sinal de que a pontuação máxima no teste não garante felicidade a ninguém. Mas o que torna a vida de alguém boa e feliz?
         
Platão nos diz que amar é desejar, e desejo, energia que leva alguém a procurar o que lhe falta. O problema é que a pessoa ama o que deseja, e deseja o que não tem, o que pode causar infelicidade. Depois vem Aristóteles, dizendo que felicidade é o desabrochar da natureza de quem vive. Para ser feliz o caminho é buscar o próprio aperfeiçoamento. E Jesus de Nazaré, alguns séculos depois,  ensina que só pode ser feliz quem faz o outro feliz.
           
Amor cristão não é desejo de alguém ter o que não tem. Se medimos a felicidade em ajuntar coisas, e sabemos que nunca vamos ter tudo o que desejamos, nunca alcançaremos o topo da pontuação na tabela do ser feliz. Também não basta a excelência pessoal, se ela for buscada no individualismo e na competitividade. É certo que Jesus disse para sermos perfeitos, como o Pai celeste é perfeito. Mas a perfeição divina não é de um amor carente, e sim transbordante, do Absoluto que se entrega por amor, e propõe ao ser humano a mesma entrega.
           
Vida boa e feliz, nessa proposta, é a de quem não se agarra com unhas e dentes à vida neste mundo como se fosse um bem definitivo, pois sabe que não adianta colocar o coração nos tesouros que perecem. É a vida de quem procura se parecer com o Mestre, não no aspecto físico desejado, mas assumindo o mandamento do amor, como dom de si mesmo, mudando a forma de pensar e agir, para superar a mentalidade do mundo e buscar as verdadeiras prioridades da vida.
           
O chamado para essa vida nos retira da zona de conforto, mas nos leva do mundo das possibilidades finitas para o das possibilidades infinitas. É a busca dessa vida que me permite aprender e ensinar na escola do amor cotidiano da família, na prática da vida de juiz, procurando fazer da toga um manto da justiça possível, na formação acadêmica de tantos alunos ao longo da minha vida de professor, e nas escolas de formação missionária, sementes de luz divina, plantadas em várias comunidades de nossa diocese. E como ninguém é de ferro, também me permitiu conciliar lazer, trabalho e prazer, nos dias que passamos na acolhedora Maceió.

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