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Desde jovem gosto
de votar. Senti-me o máximo quando completei a idade para fazer o
título, que ainda trazia a foto do eleitor. Tinha candidato que não
gostava daquele modelo de documento, pois se tirar o título era de
graça, tirar o retrato não era, e o dinheirinho para esse fim às vezes
fazia parte do kit para angariar o voto.
Lembro,
como se fosse hoje, da primeira vez que votei. Campanha para prefeito,
no tempo da sublegenda. Dois candidatos do mesmo partido, os votos de um
contavam para o outro. Meu pai foi o um. O partido ganhou, ele perdeu.
Mas ainda hoje sinto-me feliz por ter votado num homem bom.
Na eleição seguinte, meu voto foi um dos milhões de fragmentos do
poder constituinte. Aqueles homens e mulheres – muito mais eles do que
elas, pois entre os quase seiscentos contavam-se apenas vinte e seis
deputadas e nenhuma senadora – receberam de nós o poder para, junto com
os senadores eleitos no pleito anterior, fiarem o novo tecido
constitucional de uma sociedade sedenta por direitos, democracia e
justiça.
Em duas campanhas posteriores tive a chance
de votar em mim mesmo, o que não deixa de ter um gostinho especial. Em
número de votos, perdi feio as duas eleições, e a segunda foi trágica.
Não porque perdi uma eleição para vereador, afinal, não ter sido eleito
não me fez um derrotado, mas por termos perdido meu pai, candidato a
vice, em plena campanha eleitoral.
Depois disso me
afastei da política partidária. Eu já era servidor concursado do TRT, o
que não me proibia de tentar a carreira política. Mas um ano depois de
ter sido reprovado nas urnas, fui aprovado no concurso de juiz, e a Lei
Maior, para a qual contribuí com meu fragmento de poder constituinte,
afasta do magistrado o cálice da política partidária, para garantir-lhe
independência judicial. Mas o fato de ser tirada de mim a degustação
pública da política partidária nunca me tirou o apetite de votar.
Como cidadão, sinto no voto um sabor especial de festa
democrática. Claro que democracia não se reduz a escolher um
representante para chamar de seu. Mas, por meio do voto, o cidadão
eleitor pode fazer valer a força que tem. É pelo voto direito e secreto
de todos, com igual valor, que se exerce a soberania popular, como diz o
texto da Constituição. Quando o assunto é votar, esta não faz distinção
entre homem e mulher, empregado e patrão, pobre e rico, pois nesse
banquete não deve haver excluídos, como havia no passado.
Houve um tempo, no Brasil, em que mulheres e pobres não podiam
participar dessa festa. Só podiam votar os chamados “homens bons”,
nobres, burocratas, senhores de engenho, homens de posse, mesmo que
fossem analfabetos. Quando não era secreto, havia o voto de cabresto,
que não expressava a vontade do eleitor, mas de quem o dominava. Na
democracia de então, era comum eleição fraudada, com gente morta
votando.
Hoje muita coisa mudou. Além de todos serem
convidados para a festa da votação, há mais liberdade, facilidade e
acesso à informação. Nada disso, porém, garante uma boa escolha, se o
eleitor vende seu voto, escolhe só por simpatia, paixão ou interesse
pessoal, sem pensar no bem do povo. Falamos mal dos políticos, mas quem
dá poder a eles? Nem o dinheiro que corrompe, nem a promessa que engana devem engolir a vontade popular.
Não tenho ilusões sobre democracia humana perfeita, que
nunca existiu, nem há de existir. Mas ainda que imperfeita, é nela que
se depositam os sonhos de um governo em que o soberano deve ser o povo, a
lei deve ser igual para todos, e o voto universal, direto, secreto e
igualitário é uma espécie de senha que dá direito a todo e qualquer
cidadão eleitor entrar em pé de igualdade no banquete eleitoral.
Por isso, apesar das desilusões com a politicagem, decepções
com alguns políticos e aparente falta de boas opções de escolha, esta
deve ser feita pelo voto consciente, livre de qualquer dominação. Depois
é preciso vigiar a atuação daqueles a quem damos o poder, exigir que
prestem conta dos compromissos assumidos, sem deixar de orar a Deus pelo
povo e por seus condutores, como ordena a
Sagrada Escritura. Afinal, se
no preâmbulo da Carta Magna, os representantes do povo, para instituir
um estado democrático, fundado nos valores supremos de uma sociedade
fraterna, suplicam a proteção divina para promulgarem a Constituição, é
somente Deus que, em seu amor verdadeiramente democrático, faz nascer o
sol para todos, bons e maus, e faz cair a chuva sobre justos e injustos.
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