Águas de julho





As chuvas, este ano, para nós não foram tantas, e vieram depois do tempo. Mas a quem é dado reger os tempos das chuvas senão Deus, Senhor do tempo?  Com as graças dos céus, em julho as águas caíram, com elas trazendo o que de costume as chuvas trazem: “pau, pedra, resto de toco, morte, vida...” Também vieram temperaturas amenas, que põem a terra em que o sol nasce primeiro nos caminhos do frio e chamam nossos corpos ao aconchego do lar. Este, porém, não nos protege do respingo de outras águas, como as da Lava Jato, que procura remover parte do lodo da corrupção incrustada no piso, paredes e teto da nossa morada comum, que denominamos República, inda mais quando esta passa por tormentas econômica, política e ética.

Basta sair para as compras e conversar com as pessoas, para sentirmos que o momento econômico não é tão bom quanto o de alguns anos atrás. Inflação que ronda o sossego, principalmente dos mais pobres, ameaçando abocanhar parte dos ganhos que vinham tendo, aliada à chaga social do desemprego que aumenta. Apertar ainda mais o cinto de nossa gente será bastante para tirar a economia do atoleiro? Sei que é injusto apontar o dedo em riste para os mandatários da República, como  únicos responsáveis pela situação que vivemos. Mas também não é justo isentar-lhes da parcela de responsabilidade, seja pelas pedaladas que deram para se manter no poder de todo jeito, seja pela incompetência e irresponsabilidade de se comportar como se tudo não passasse de uma marolinha.

Vivendo esse momento difícil, e sentido-se ludibriado por seus mandatários, a maioria absoluta do nosso povo – pelo menos isso é o que dizem as pesquisas de opinião  – já deu as costas para o governo que há pouco tempo reelegeu. À mingua de credibilidade popular, quem poderia mandar mais, com o apoio da maioria, vê-se acuado, tendo que colocar a batuta da economia nas mãos daqueles que não comungam de seu ideário, e da política, nas de quem se apresenta formalmente como aliado num governo de coalização, que parece mais de cooptação.
            
E nestes dias de julho, muitos dos que regem a pauta da política foram salpicados pelas águas da Lava Jato.  Pelo que se delata, as propinas pagas pelas empreiteiras serviam para saciar não apenas o luxo, mas para patrocinar orgias de alguns políticos, que achavam que dinheiro e poder os tornaria intocáveis, fazendo pouco caso da República, em que a punição a todos pode tocar.
            
O pior de tudo é que a republicana punição a corruptos e corruptores tem provocado paralisação de obras tocadas por algumas empreiteiras, o que gera mais desemprego e agrava a crise econômica. Em meio a tudo isso, o que pode fazer um governo a quem a maioria do povo deu as costas? Por outro lado, temos no momento opção melhor que os mandatários que essa maioria reconduziu ao poder?
            
Tenho muitas dúvidas e apreensões quanto ao cenário que virá depois das águas da Lava Jato. Nunca fui, porém, de defender a ideia do “quanto pior melhor”, para favorecer segmentos de oposição que têm menos credibilidade que um governo estatisticamente desacreditado. Como costuma dizer um amigo meu: de que servirá, a quem quer que seja, receber depois deste governo, um país de terra arrasada?
            
Sei que depois das de julho, muitas águas ainda hão de rolar no cenário nacional. Que rolem para nos confirmar como um país democrático e republicano, que repudia a corrupção e tem consciência de que esta não é exclusividade de um partido ou  determinado segmento social. Que rolem para nos ajudar a nadar contra a corrente dos desvios éticos de cada dia, de quem fura fila, dá carteirada ou ultrapassa pelo acostamento, sem qualquer rebate de consciência. Que rolem para mostrar que o Brasil é muito maior que alguns líderes que se comportam como se fossem seus senhores. E como as de março, consagradas na canção, que as águas que rolarem, possam trazer promessa de vida para as futuras gerações,

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