Sem fingimento






 

 Quanta honra me coube em apresentar a nova edição do romance A tragédia do major, do Padre Luis Gonzaga de Oliveira, no centenário de nascimento do autor. Subir a  Serra da Raiz e reencontrar tantos a quem quero tanto bem, partilhar as companhias  ilustres do renomado jornalista  Gonzaga Rodrigues e do Presidente da Academia Paraibana de Letras, Damião Ramos Cavalcanti, sem falar nos familiares do Major João Marques, protagonista do romance, e os do Padre Luis Gonzaga, tudo foi motivo de enorme alegria.

 
Um testemunho, porém, chamou-me especial atenção. Em seu pronunciamento, a escritora Ângela Bezerra de Castro preferiu o risco do improviso ao discurso escrito. Deixando fluir a mais sincera emoção, como diria Thiago de Mello, desfraldou publicamente um canto de admiração pelo Padre Luís, seu professor de Latim, quando ela ainda era adolescente. E revelou uma confidência que o professor lhe fez naqueles tempos. Depois de  perguntar o que ela pensava sobre o assunto, o mestre segredou-lhe não ser a favor do celibato para os padres,  capaz de fazer da solidão a principal companhia de um sacerdote em determinados momentos da vida. Aquela confissão às avessas fez crescer a admiração da aluna pelo mestre. Mais do que a imagem do homem de batina, diante daquela jovem sobressaía a figura do brilhante professor, que vivia a vocação sacerdotal, sem apelar para a pieguice religiosa. 


 
Confesso que eu já fazia um alto conceito do romancista cuja obra apresentei. Mesmo alto, não era maior do que convém, como recomenda a Carta de Paulo aos Romanos. E com aquele depoimento da professora Ângela, o prestígio do padre Luís na minha avaliação pessoal aumentou ainda mais. Não apenas por questionar o celibato, com o qual também não concordo, da forma que  é adotado. Pois bem sei que não é qualquer um que tem condição de vivê-lo como um dom, para cuidar das coisas de Deus com o coração alegre e indiviso. Mas por eu também ser avesso à pieguice. Não que meu coração seja infenso aos fluxos e refluxos das emoções. Muito menos falo mal da pieguice por medo de parecer ridículo, pois nunca me negaria a escrever uma carta de amor, e como diz o poeta Fernando Pessoa, “as cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas.” A pieguice que me repugna é a lambuzada na gosma da hipocrisia.  Fingir para os outros aquilo que não se sente, palavra que sai da boca, mas não fala do que o coração está cheio. E se isso é um mal nos dramas do amor humano, muito mais grave se torna quando se instala nas relações do ser humano com Deus.

O amor sem fingimento, de que fala a mesma epístola de Paulo, bela carta de amor não só aos romanos, mas a todos os humanos, é o amor dos que abençoam e não amaldiçoam, dos que se alegram com a alegria alheia e choram o choro do irmão. É o amor do cuidado e do carinho mútuos, amor hospitaleiro que, como Deus, não faz acepção de pessoas; amor sem pretensão de grandeza ou vaidade, em que ninguém dá a si mesmo ares de sábio, mas a principal preocupação é fazer o que é bom e viver em paz, na medida do que de cada um depende.


Naquela tarde de homenagens, na Serra da Copaoba, pelos testemunhos que ouvi de quem com ele conviveu, pude perceber que o Padre Luís, na vida de muitas pessoas, praticou gestos do amor sem fingimento, de que fala a Carta de Paulo. Eu, que não o conheci em vida, ao menos tive a honra de conhecê-lo pelas páginas do romance. E também pude perceber em sua literatura, a virtude realçada na homenagem da acadêmica Angêla de Castro. Uma prosa que cria personagens de alma grande e muitas vezes assume o tom memorialista,  numa linguagem que passeia entre o erudito e o popular, sem apelar para a pieguice. Ou como diz o belo comentário de José Américo de Almeida, transcrito na orelha do livro: “Aparece tudo de portas abertas, como foi feito, sem qualquer nota de escândalo, sem aventuras nem malícias, e, desse modo, não provocará ruído. Sinceridade não é sensacionalismo.”

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