A arte da tolerância




Nem sempre é fácil a convivência numa sociedade democrática. Conflitos de ideias, opiniões e interesses, que precisam ser resolvidos com diálogo, num clima de liberdade e respeito às liberdades. Para isso é preciso cultivar a arte da tolerância.

Vários são os motivos para se justificar a tolerância como expressão da liberdade e fundamento de uma sociedade democrática. Norberto Bobbio, na era dos direitos, trata das razões da tolerância, como destaco em meu livro Direito, mito e metáfora, e me permito agora trazer à reflexão.

Uma dessas razões, segundo Bobbio, é meramente pragmática. É a mais vil, porque se baseia no utilitarismo do tipo “é dando que se recebe.” Assim, “se sou o mais forte, aceitar o erro alheio pode ser um ato de astúcia: a perseguição causa escândalo, o escândalo faz crescer a mancha, a qual, ao contrário, deve ser mantida o mais possível oculta.” Mas, “se sou o mais fraco, suportar o erro alheio é um estado de necessidade: se me rebelasse, seria esmagado e perderia qualquer esperança de que minha pequena semente pudesse germinar no futuro.”

Razão mais nobre é a que vai além do utilitarismo, fazendo com que a tolerância não seja fruto do medo, mas da persuasão.  Não é atitude mesquinha de engolir calado o erro alheio por medo de retaliação. Ao contrário, a escolha do caminho do convencimento revela uma atitude positiva, de confiança na razoabilidade do outro e rejeição do uso da força para impor as próprias razões, pois como dizia John Locke, “a verdade não precisa da violência para ser ouvida pelo espírito dos homens; e não se pode ensiná-la pela boca da lei.”

A arte da tolerância também se funda num argumento moral: o respeito que um ser humano deve ter pela dignidade do outro, o que não implica renunciar à verdade em que cada um acredita, nem tampouco o ceticismo de quem não se importa que a verdade triunfe. Afinal, a tolerância não pode ser apenas o perdão reciproco das tolices humanas, como dizia Voltaire.

Também não se pode esquecer que, mesmo num ambiente democrático, tolerância tem limite. Ela não se confunde com permissividade, nem conivência com iniquidades. Estas devem ser combatidas com firmeza, por vezes com a indignação da ira santa.

Uma dessas iniquidades é a leniência com a corrupção, que corroi as entranhas de nossa República. E a postura mais adequada, com todo respeito, não é o cinismo de um sujo ficar apontado o dedo em riste para um mal lavado, ou dizer simplesmente que a corrupção é “uma senhora idosa que não poupa ninguém”. É claro que a corrupção não foi inventada agora, mas para combatê-la de verdade e não demagogicamente, é preciso a ajuda de outra senhora, a “vergonha na cara”, não só idosa, mas exemplarmente digna, e cultivando a arte da tolerância, abrir novos caminhos para reinventar o Brasil.

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