Um menino advogado





Nascido no mês de maio, como a mãe, o menino sonhava ser advogado, como o pai. Advogado é alguém que a gente chama para ficar do nosso lado, para interceder por nós -- quantas pessoas só são atendidas quando têm alguém que fale por elas --, é voz daquele que não tem voz, mãos que sustentam quem necessita de ajuda. Ramalho Neto, que se eternizou tão jovem, pode ser considerado um menino advogado.
             
Ramalho quer dizer grande ramo. No caso dele, também posso dizer nobre ramo. Identificava-se, como ele próprio falava, com os versos da canção que diz: “confesso que sou de origem pobre, mas meu coração é nobre, foi assim que Deus me fez”, ao que nós, brincando, retrucávamos: -- Ramalho,  esses versos, na parte da origem pobre,  parecem mais com a história de seu pai do que com a sua. Mas ao dizer isso, tínhamos a certeza de que ele não se chateava, pois para Ramalho, o pai sempre foi um grande espelho. E o filho, mais um ramo de uma família com raízes plantadas em chão generoso, alimentada na seiva do afeto e da disciplina, do carinho e do exemplo, da fé e do amor. E se pelos frutos se conhece a árvore, a semente da bondade de um filho já vem das entranhas de quem o gerou.
             
Como menino advogado, Ramalho por vezes revelava-se amigo da polêmica, para mim uma de suas virtudes mais admiráveis. O que se pode esperar de alguém, principalmente de um jovem, que não seja questionador. Alguém já  disse que se “Deus é a Resposta, o homem é a pergunta.” Se Deus nos criou à sua imagem e semelhança foi para compartilhar amor e conhecimento. E não há aprendizagem no amor e no saber se não houver sede de saber e de amar. Sou daqueles que pensam que até no céu teremos sempre o que aprender, pois mesmo lá, Deus continua Deus e o homem, minúscula criatura, jamais poderá decifrar completamente a imensidão do Criador, mesmo compartilhando eternamente o seu amor.
            
No caso do Direito, que faz parte dos mistérios da cidade dos homens, a virtude de questionar é fundamental para a produção do saber. Como refletíamos em nossas aulas na Universidade – eu, no papel de professor, Ramalho, de excelente aluno  --, a verdade no mundo jurídico só se constrói no diálogo, e este só existe num ambiente de liberdade, em que se pede e se concede a palavra, aberta às objeções mútuas, em que a verdade resulta da arte de falar e da sabedoria de ouvir.

Ocorre que na cidade dos homens a verdade é sempre precária. Não há resposta pronta para toda pergunta, como havia no “livro do professor”, ainda mais quando se questiona os mistérios da viagem da vida, estação na qual “o trem que chega é o mesmo trem da partida” e a “hora do encontro é também despedida”, como diz outra bela canção. Mas se somos perguntas, e Deus, a Resposta, esta nos é dada pelo Filho do Altíssimo, que assegura e ao mesmo tempo questiona: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá. Crês nisso?”
 
Mais do que gerado nas entranhas da mãe que, como ele, nasceu no mês de Maria, e filho do pai, que o fez sonhar ser advogado, Ramalho é filho do imenso amor de Deus, ramo amado da videira verdadeira. E se cremos na Palavra do seu Filho Jesus Cristo, temos a certeza que Ramalho está junto à Virgem Maria, Mãe das Mães, Advogada Nossa, a Intercessora, intercedendo também por todos que o amam, no céu dos jovens bons e curiosos, céu do menino advogado.                                                            

Comentários

  1. Belíssimo texto, representação perfeita do nosso querido menino que sonhava ser advogado igual ao pai. Obrigada meu amigo por mais uma vez nos agraciar com seus textos.

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