Gosto de textos que me levem a refletir. Reflexão é
espírito curvando-se sobre si mesmo, pensamento sobre pensamento, mergulho nas profundezas
do ser, fazendo de cada um de nós um espelho a refletir luz para outros
espelhos.
Nestes dias, após receber felicitações pelo dia do
professor, eu, que exerço o magistério não só por herança familiar, mas também
por vocação, e sinto-me feliz quando estou em sala de aula, parei para refletir
sobre um desses textos, o capítulo inicial do livro de Rubem Alves, “A alegria
de ensinar”.
O autor começa falando sobre o sofrimento dos
professores. Compara-o à dor do parto: “a mãe o aceita e logo dele se esquece,
pela alegria de dar à luz um filho,” e quase como um acalanto para esse
sofrimento, o texto cita um poema de Rückert, extraído de um livro de Hermann
Hesse:
Nossos dias são preciosos
mas com
alegria os vemos passando
se no seu
lugar encontramos
uma coisa
mais preciosa crescendo:
uma planta
rara e exótica,
deleite de um
coração jardineiro,
uma criança
que estamos ensinando,
um livrinho
que estamos escrevendo.
Pode um professor cultivar a alegria de um coração
jardineiro, vendo seus dias preciosos passando, sem a justa recompensa pelo
trabalho prestado? E se ao aluno que ele estiver ensinando não forem dadas
condições para uma educação que lhe faça crescer? Família estruturada que seja
a primeira escola de amor, valores e exemplos; escola atraente e acolhedora,
que não o faça “carregar o peso de um conhecimento morto que ele não consegue
integrar com a vida”; sociedade que ajude para que alunos e professores não se
tornem reféns do medo e da violência; poder público que não se valha do
cassetete para calar a voz de professores... Olhando por esse prisma, os versos
do poeta parecem surreais. Mas como tudo na vida tem mais de um lado, é bom
meditar sobre a lição mais cheia de esperança, de Rubem Alves.
Na polifonia do seu texto, aquele autor vai buscar
no prólogo de Zaratustra, de Nietzsche, a inspiração para mais uma palavra de
sabedoria. Observa que a trajetória do sábio começa com uma meditação sobre a
felicidade, nascida na solidão: “uma taça que se deixa encher com a alegria que
transborda do sol.” Todavia, chegado o tempo em que a taça se enche, ela não
consegue conter tudo o que recebe e anseia transbordar, tal qual a abelha que
não pode guardar só para si o mel que produz, tal qual o seio intumescido da
mãe, suplicando que a boca do filho o esvazie.
Compreendendo que “felicidade solitária é dolorosa”,
o sábio busca uma alegria maior,
compartilhar com os outros a felicidade que nele habita, e vai em busca de mãos
estendidas com quem possa partir e repartir sua riqueza interior. Nesse
momento, opera-se a transformação: “Zaratustra, o sábio, transforma-se em
mestre. Pois ser mestre é isto: ensinar a felicidade.”
Essa é uma das lições sobre a qual sempre reflito,
que procuro aprender e ensinar em minha vida como professor. Não se trata de
encobrir as mazelas de um sistema político e socioeconômico no qual o professor
ainda não tem o respeito e o lugar que merece, com um discurso banhado nas
águas da pieguice, quando não na torrente da demagogia. Mas quem é professor
sabe que as disciplinas que ensinamos não deixam de ser formas diversas de
compartilhar sabedoria, e esta só é verdadeira sabedoria quando voltada para a
construção de um mundo melhor. Isso não é ensinar e aprender felicidade?
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