Já podeis da Pátria
filhos ver contente a mãe gentil
Já
raiou a liberdade no horizonte do Brasil...
O
raio, que faz contente a mãe gentil, no Hino da Independência, é do mesmo sol
da liberdade, que brilhou no nosso céu, quando as margens do riacho ouviram o
grito retumbante do povo heroico, no Hino Nacional. O povo, deste último hino,
é a brava gente brasileira, do primeiro. Porém, quais pessoas do povo têm sido
banhadas pelos raios fúlgidos do sol da liberdade na história da cidadania em
nosso País?
José
Murilo de Carvalho, no livro Cidadania no
Brasil: o longo caminho, mostra que quando o Brasil se libertou de
Portugal, os brasileiros que a Constituição Imperial apelidava de cidadãos eram
os mesmos que, antes da Independência, viviam como não-cidadãos: mais de 85% de
analfabetos, que sequer podiam ler um jornal, mais de 90% vivendo no campo, sob
o chicote dos senhores das terras e, nas cidades, muitos barnabés comendo nas
mãos dos donos do poder. E não esqueçamos que o Império, que criou nossas
Academias de Direito, era o mesmo que se se sustentava com a exploração do
trabalho humano escravo. Como dizia o botânico francês Saint-Hilaire, havia um
país chamado Brasil, mas na verdade, não havia brasileiros.
Tempos
mais tarde, o Brasil foi dormir Monarquia e acordou República. Um golpe de
Estado, que chamamos Proclamação − ainda bem, pelo menos temos o feriado −, inaugurou o governo dos Marechais, que
delegou a um grupo de juristas, liderados por Ruy Barbosa, nosso mais eminente
polímata, e por Prudente de Morais, nosso primeiro Presidente civil, o encargo
de dar à luz uma nova Constituição, que arremedava a dos States. Mas nenhuma lei, mesmo a maior de todas, podia transformar
o Brasil real, da política do café-com-leite, de “ex-escravos” desamparados,
sem qualquer política de inclusão social, numa Federação como a estadunidense.
Vale
notar que foi justamente durante o governo civil de Prudente de Morais que
ocorreu a Guerra de Canudos. O Estado republicano, banhado nas águas positivistas
da ordem e progresso, rotulou nosso
Profeta Antônio Conselheiro de fanático religioso e, em vez de escolas, médicos
e assistência para o povo sedento de raios de justiça e liberdade, fez-se
presente nos canhões que exterminaram mais de vinte mil civis, banhando de
sangue o arraial de Belo Monte.
Veio
então o Estado Novo, que nos deu a septuagenária CLT, Consolidação das Leis do
Trabalho. Esta, em seu artigo sétimo, excluía de sua proteção os trabalhadores
rurais, deixando-os como estavam desde sempre, nas mãos dos senhores das
terras, num País em que a grande maioria da população vivia no campo. E alguns anos antes, sob o pretexto de não
deixar se repetir uma nova Canudos, aviões do mesmo Estado fizeram cair do céu,
bombas sobre a comunidade liderada por nosso Beato José Lourenço, gente
ordeira, que vivia sobre o signo da fé, do trabalho e da igualdade, procurando
libertar-se da servidão do latifúndio, como nos mostra o filme Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.
Do
Caldeirão para cá, houve inclusão de mais pessoas nos direitos de cidadania,
não sem lutas, nem mártires. Na Paraíba, tivemos nos anos sessenta, as Ligas
Camponesas, de João Pedro Teixeira, o cabra marcado para morrer; mais
recentemente, Margarida Maria Alves, defensora dos direitos trabalhistas dos
camponeses, que teve a vida ceifada por uma doze, há trinta anos, mas cuja voz
não foi calada, pois ainda hoje se repete “é melhor morrer na luta do que
morrer de fome.” No entanto, ainda somos um País rico e desigual.
Nunca
fui de pensar que não devemos comemorar a Independência do Brasil porque não
somos um País independente. Nenhuma pessoa, comunidade ou País é não dependente, pois a condição humana é
da interdependência. Mas não se deve confundir civismo civilizacional com
ufanismo alienador. A Pátria-mãe-gentil não é somente a da natureza idealizada
pelo Príncipe Bilac, como um seio de mãe a transbordar carinhos, nem apenas a
da prostituta chamada Brasil, levada a abortar o filho, da música Pátria que me pariu, de Gabriel, o
Pensador. Mas não imagino que uma mãe gentil possa ficar contente, se não tiver
condição de cuidar de todos os filhos com a mesma dignidade. Por isso, penso
que só Deus sabe quando o sol da liberdade e da justiça poderá raiar no
horizonte e brilhar no céu do Brasil, vestindo a todos os filhos da Pátria com
o mesmo fulgor.
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