“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.”
Com
estes versos de Antonio Cícero, dei início à minha palestra sobre Poder
Judiciário e promoção dos Direitos Humanos, numa Faculdade de Direito da cidade
de Cajazeiras, sertão da Paraíba. Com eles quis destacar que, voltando ao
sertão depois de mais de quinze anos, eu estava ali para compartilhar reflexões
e vivências, para que elas não ficassem
trancadas apenas no cofre de minha memória, mas pudessem ser guardadas nas
mentes e corações de quem por elas se interessasse, afinal, o aprendizado da
vida é um processo coletivo, que para se tornar fecundo necessita ser
partilhado e compartilhado, sob pena ser condenado à esterilidade de um tesouro
enterrado.
Parte
desse aprendizado a ser compartilhado era no campo dos direitos humanos. Estes
podem ser compreendidos tanto na perspectiva normativa, designando o conjunto
de princípios e normas fundadas no reconhecimento da dignidade dos seres
humanos, que tem por objetivo assegurar o seu respeito universal e efetivo,
como resume Arnaud, em seu dicionário de teoria e sociologia do direito, quanto
em seu aspecto mais dinâmico, apresentando-se, no dizer de Joaquín Herrera
Flores, como resultados sempre provisórios das lutas sociais pela dignidade
humana.
Numa
ou noutra perspectiva, é possível perceber que no cerne dos direitos humanos
encontra-se a ideia de dignidade. Esta
pode ser atribuída não apenas aos seres humanos, mas também a outros seres. No
hino bíblico sobre a criação do universo, os seres ganham existência a partir
do brado divino, numa ordem crescente de dignidade, até chegar aos seres
humanos, homem e mulher, obras-primas da criação. Portanto, como enfatiza o
catecismo católico, cada criatura possui sua bondade e perfeição próprias. Para
cada uma das obras dos 'seis dias', se diz: “E Deus viu que isto era bom.” Se é
assim, podemos dizer que cada criatura tem sua própria dignidade: o sol,
dignidade de sol; a terra, dignidade de terra; a água, dignidade de água. Além
disso, os animais, além de trazerem a marca da bondade original e infinita do
Criador, aspergida sobre todas as
criaturas, se não têm consciência, têm senciência, que é capacidade de sofrer e
experimentar alegria e, como tais, devem ser respeitados em sua dignidade de
sencientes.
É
claro que entre todas as dignidades dos seres criados, avulta a do animal
humano. No plano da criação, tal dignidade deriva do fato de homem e mulher
serem imagem e semelhança do Criador, e na filosofia de Kant, é vista como algo
que não tem preço. Por isso, cada um deve agir de tal maneira que possa usar a
humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como
um fim e nunca como um meio.
Fundamento
dos direitos humanos, a dignidade humana não deve ser vista como algo puramente
abstrato, mas, como diz Herrera Flores, como um objetivo que se concretiza no
acesso igualitário e generalizado aos bens que fazem com que a vida seja digna
de ser vivida. Dignidade é ter direito à moradia, comida na mesa, saúde,
educação, trabalho, lazer, entre outros bens materiais e imateriais que cada um
precisa para viver como gente. E é nesse sentido que os direitos humanos
resultam das lutas pela dignidade humana que não paira distante do chão da
vida.
E
como o Poder Judiciário pode contribuir para a promoção da dignidade humana e,
consequentemente dos direitos humanos? A
partir desta pergunta me propus a concluir minha palestra, numa conclusão
propositadamente inconclusa e inconclusiva. Pois mesmo sabendo que o Judiciário
tem papel de destaque nesse processo, e o Judiciário Trabalhista, de modo
especial, relevante atuação no
enfrentamento de desafios como o combate ao trabalho análogo ao de escravo e ao
trabalho infantil, na garantia da saúde e segurança do trabalhador e na
efetivação dos direitos sociais, como trabalho e lazer decentes, o protagonista
na concretização dos direitos humanos e na ampliação da cidadania é um sujeito
coletivo de um trabalho sempre inacabado, eis que se tratam de tarefas e
conquistas cotidianas e gradativas, obras
que só podem ser realizada a muitas mãos, no partilhar e compartilhar da
vida.
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