Medo do fim do mundo existe desde que o mundo é
mundo. Meu pai falava sobre um eclipse solar, ocorrido nos seus tempos de
menino – acho que foi o de 01 de outubro de 1940, que atraiu cientistas da National
Geographic à cidade de Patos –, que
para muitos seria o fim do mundo. Conta-se até que, imaginando a morte
iminente, algumas pessoas agiram de forma inusitada. Um empregado humilhado
lançou sobre o patrão toda sua coleção de impropérios; uma mulher confessou a
traição ao marido, e este a perdoou, achando que para eles não haveria o
amanhã. No dia seguinte, porém, talvez preferissem que o mundo tivesse acabado.
O tema do fim do mundo costuma ser relacionado ao
Apocalipse. Este, como lembra Raymond Brown, renomado especialista em Novo
Testamento, é um livro cuja popularização é movida por equívocos. Alguns o veem como guia do fim do mundo,
escrito por um vidente, que recebeu de Cristo revelações precisas de
acontecimentos futuros. Outros o invocam para fazer medo ao povo, manipulando a
simbologia dos selos e cavaleiros, da Mulher e do dragão, da Besta do mar e da
terra. E o número 666! Se a linguagem cifrada mais próxima do contexto que a
produziu aponta para a lenda do “Nero César”, não falta quem se ache o
inteligente que decifrou o enigma do número da Besta apocalíptica, dizendo que
se refere a Hitler, Stalin e até ao Papa.
Roberto Bortolini, um dos autores da série Como
ler a Bíblia, reconhece a dificuldade de “entramos na casa do Apocalipse
pela porta certa”, em razão do uso da linguagem figurada, que suscita problemas de interpretação. Por isso, ele nos propõe sete chaves de
leitura para o livro das Revelações. Deveríamos partir da compreensão de que a
obra não é um conjunto de previsões de um vidente sobre o final dos tempos, mas
o livro da resistência, da denúncia, de celebração, do testemunho, da
felicidade, da urgência e da esperança.
A resistência pode ser percebida na linguagem
camuflada, própria de quem resiste à perseguição, que parece ter ocorrido no
contexto da redação do livro. Com a resistência vem a denúncia das injustiças
sociais, considerada a “carteira de identidade” de todo profeta. No centro do
livro, o redator diz ter ouvido uma voz do céu, dizendo: “é necessário que
continues ainda a profetizar contra muitos povos, nações, línguas e reis”. Resistência e denúncia se unem à celebração comunitária da fé em Cristo, o
Cordeiro por nós imolado. Mas a vitória não acontece sem testemunho de vida, que muitas vezes leva ao
martírio. Este, porém, não significa o triste fim de quem derrama seu sangue em vão. Daí que a chave seguinte é a
da felicidade. Ao longo do texto são espalhadas 7 bem-aventuranças, e na
descrição dos cantos de triunfo no céu, tudo se envolve no manto do júbilo:
“Alegremo-nos e exultemos... felizes os convidados para o banquete da núpcias
do Cordeiro”. A urgência, presente nas
expressões “o tempo está próximo” ou “já não haverá mais tempo”, longe de nos
levar à letargia de quem fica “com a boca escancarada, cheia de dentes,
esperando a morte chegar”, é um apelo à ação imediata, pois “quem sabe faz a
hora, não espera acontecer”, enquanto a esperança funda-se na certeza de que o
Cordeiro venceu a morte e nos comunicou a vida que nunca se acaba.
Com essas sete chaves, observa Bortolini, o Apocalipse
em nossa boca pode ser doce como o mel. Mas é bom ter cuidado, pois o doce pode
não ser de fácil digestão, como indica uma passagem do próprio livro das
Revelações: “Tomei o livrinho da mão do Anjo e o devorei: na boca era doce como
mel; quando o engoli, porém, meu estômago se tornou amargo.” Por isso, mais
importante do que usar o Apocalipse como se fosse um livro de predições de um
vidente, deve-se sorver o néctar de sua mensagem salvífica, de que só Deus é o
Senhor do mundo. Ninguém no céu, nem na terra ou sob a terra, é capaz de abrir
os selos do livro da salvação, a não ser o Cordeiro, sem o qual ninguém pode
vencer os cavaleiros da ganância, da violência,
da exploração e da morte.
Pouco importa, então, especular se o mundo vai
acabar num 21 de dezembro – justo no dia de aniversário de minha esposa – ou daqui a bilhões de anos; seja como
resultado da ação predadora de quem transforma tudo em objeto de insano
consumo, desde recursos naturais até a Bíblia, o direito e a religião; seja
pelo curso natural das coisas – pois tudo que teve um começo um dia terá um fim
– , pois isso não afetará o fim da
história que tem Deus como senhor. E neste tempo que se aproxima, o seu Filho,
que habitou entre nós como Deus Menino, nos convida a fazer do mundo uma casa
acolhedora, ainda que provisória, para todas as pessoas. Por isso, enquanto caminhamos para a
Jerusalém celeste descrita no Apocalipse, digamos juntos como no final do livro
que fecha a Escritura Sagrada: Maranatha! Vem, Senhor Jesus!
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