Caminhadas


Faço caminhadas no início da manhã, na principal avenida da cidade. Caminhadas, segundo especialistas, ajudam no controle do colesterol e da diabetes, fazem bem ao coração, ajudam na prevenção da osteoporose, tornam mais fortes ossos e músculos, dão mais vitalidade ao corpo e eficiência ao sistema imunológico. Caminhar diminui o estresse, combate a depressão e, ainda por cima, e-ma-gre-ce!

Além de atividade física, caminhadas são um excelente exercício de integração social, criação e manutenção de laços de amizade. Por isso, é preciso que se dê o devido respeito àquela procissão matinal e profana, formada por pessoas de idades diferentes, histórias diferentes, situações sociais diferentes e que, em ritmos diferentes, inauguram o dia andando a pé, numa atividade saudável, prazerosa e fundamental para o pleno exercício da cidadania.

Não bastasse tudo isso, a caminhada nos permite ver melhor o mundo em que vivemos. Como diz a letra da música “Estrada de Canindé”: há coisas “que pra mode ver, o cristão tem que andar a pé”. Se em nossas ruas não nos é dado ver “o galo campina, que quando canta muda de cor”, como acontece na estrada da música, nossas caminhadas matinais ao menos nos permitem ver coisas “a granel” de nossa cidade, coisas que olhamos e não vemos no corre-corre nosso de cada dia. De repente, uma árvore se mostra para nós tão bela, banhada pelos primeiros raios do sol. Mas como não enxergávamos a beleza escondida numa árvore que sempre esteve no caminho onde passamos, em nosso “pra lá, pra cá” de todos os dias? E as fachadas de prédios e casarões antigos? Como num passe de mágica, sua contemplação é capaz de nos arrebatar para momentos de poesia não apenas arquitetônica.

Nem tudo, porém, são visões de beleza durante as caminhadas. Mesmo sabendo que naquela hora do dia as ruas se fecham para autos e motos, e se abrem à segurança dos pedestres, há motoristas e motoqueiros que parecem querer passar por cima das normas, das ruas e das pessoas, num frenesi inconsequente que ameaça a paz e a vida de cristãos e não cristãos que querem exercer o direito de andar a pé na cidade que é casa de todos.

A sujidade das ruas é outra das coisas “a granel” que causa repulsa. Em vez do aroma do “orvalho beijando a flor”, comumente sentimos a pestilência de imundícies jogadas nas vias públicas. Se a cidade é a casa onde vivemos, deveríamos ter a consciência de mantê-la limpa e bem cuidada. Como podemos nos dizer civilizados se não temos o mínimo pudor em jogar lixo fora do lixo? Emporcalhar a cidade é uma declaração pública de falta de amor à casa onde vivemos. E vez por outra ainda tem aquele que se diz “pai de família” que, com a maior cara de pau, dá a desculpa de que joga lixo na rua para dar trabalho a outro pai de família. Ora, como questiona uma publicação compartilhada numa rede social: “Tem gente que diz que joga lixo na rua para garantir o emprego do gari. Mas morrer para dar trabalho ao coveiro ninguém quer, né?”

Fiz meu primário numa escola pública. Já naquele tempo não concordava com pequenas obscenidades infantis, gravadas indelevelmente com prego no quadro negro, tampouco com atitudes de furar a fila da merenda, colocar pimenta no leite do outro, quebrar carteiras ou pichar paredes sem qualquer constrangimento, por serem coisas “do governo”.

Muitas das reminiscências dos bons tempos do Antenor Navarro já não se apresentam para mim tão intensas. Porém tornou-se mais forte dentro de mim o sentimento de indignação com a mentalidade de quem macula espaços públicos sem pudor, de quem agride o direito, a paz e a vida do outro, mentalidade que não é restrita a meninos de escola pública, mas é compartilhada por muitas pessoas, de idades diferentes, histórias diferentes e situações sociais diferentes. Temos muito caminho ainda a caminhar.

Comentários

  1. Professor Antônio,
    da minha passagem pela UEPB de Guarabira podes ter certeza que a convivência com um ser tão magnífico como o Sr., foi um dos melhores acontecimentos de minha vida acadêmica e com certeza levarei isso por toda minha vida.
    Parabéns por essa valiosa visão humanista.
    Abraços.....

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  2. Para se perceber essas sutilezas que comumente nos passam despercebidas é preciso algo mais que tempo: sensibilidade. Sensibilidade para encontrar naquela tão agradável caminhada matinal todas essas características tão bem observadas pela sua pessoa. E sensibilidade também para ter por ela esse sentimento de preservação, de identidade não só com a atividade física, que é apenas um dos aspectos benéficos dela, mas com toda essa conjuntura de vida na qual ela está inserida. Excelente postagem professor!

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  3. Parabéns pelo poético ensaio


    Ver a avenida central de nossa cidade até as seis da manhã tomada por pessoas caminhando, sem pressa e sem medo, infunde-me uma paz e uma tranqüilidade indescritíveis, em contraposição ao que sinto quando percorro a mesma avenida na outra Guarabira ―, a do expediente comercial ― que é quase sempre tomada por um barulho infernal de buzinas de automóveis e seus motoristas impacientes, em meio ao “frenesi” de pessoas ansiosas em seu corre-corre pela sobrevivência. (rsrs)


    Abraços,

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  4. Obrigado, Dr. Levi. Que a Guarabira do corre-corre respeite a da tranquilidade, e possa aprender um pouco com ela. Um abraço!

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