INFERNO: A ABSOLUTA FRUSTRAÇÃO HUMANA



Ideias extraídas do livro Vida para além da morte,

de Leonardo Boff.

A religião cristã se mostra ao mundo como uma religião do amor absoluto. O Deus judeu-cristão tudo cria e tudo provê por amor. Mas esse amor absoluto de Deus pressupõe a liberdade humana. Amor sem liberdade não existe. E por conta dessa liberdade, ao ser humano é dada a dignidade absoluta de poder dizer um não a Deus. Daí, tal qual o amor, o pecado é fruto da liberdade dada por Deus a suas criaturas. Sendo assim, o inferno pode ser entendido não como uma criação de Deus, mas como criação humana. Como afirma Paul Claudel: “O inferno não vem de Deus. Vem de um obstáculo posto a Deus pelo pecador.”

O inferno existe não como um lugar criado por Deus ou habitado por diabinhos com chifres. O inferno é o endurecimento de uma pessoa no mal. É um estado do ser humano e não um lugar para o qual o pecador é lançado, como se apresenta em imagens de mau gosto que se proliferaram com o tempo.

A Sagrada Escritura se utiliza de imagens para significar essa situação de inferno. Mostra o inferno como fogo inextinguível, o que deve ser tido como um símbolo do que há de mais dolorido e destruidor. Não se trata de fogo físico, que não poderia agir sobre o espírito. Outras imagens que encontramos na Bíblia é a do inferno como choro e ranger de dentes, como metáforas da situação humana de revolta impotente e sem sentido; como trevas exteriores, já que se opõe à luz que vem de Deus e é desejada pelo ser humano. Todas essas imagens são extraídas de experiências humanas, relacionadas a dor, desespero e frustração, e apontam para o inferno como existência absurda que se petrificou no absurdo.

Inferno, nesse caso, significa não ter mais futuro, não ver saída nenhuma, não poder realizar nada daquilo que o ser humano deseja. Inferno é também a solidão, pois se opõe ao amor, que implica dar e receber. Em suma, o inferno, que se tenta expressar em suas inúmeras imagens, significa sempre a absoluta frustração humana, de um ser criado por e para Deus, mas que se fecha definitivamente à graça divina.

Poderíamos, então, perguntar se o ser humano, com vontade e consciência limitadas, é capaz de criar seu próprio inferno. Ora, cada pessoa, na sua liberdade, tanto pode construir sua vida voltada para Deus como para seus próprios interesses. Assim, cada um pode seguir tanto a Cristo quanto a Judas, por exemplo. E quem nega o inferno não nega a Deus e a sua justiça, mas nega o ser humano, não o levando a sério.

Convém esclarecer que a questão de se construir o inferno não é uma questão jurídica ou aritmética. Não é o caso de prêmio ou castigo por atos praticados e contabilizados. É decorrência de uma opção fundamental, de um projeto de vida em que o ser humano, livre e conscientemente, se nega a viver para Deus.

Conclui-se, portanto, que o verdadeiro cristão é extremamente realista. Conhece a existência humana dialeticamente, numa constante tensão entre o bem e o mal, o pecado e a graça, a esperança e o desespero, o amor e o ódio. E como cristãos, todos somos chamados a nos decidir pela comunhão, pelo amor, pela esperança e pela graça. Todavia, também temos a liberdade para cometermos o maior de todos os pecados, o da idolatria. Esta, mais do que simples fabricação de imagens, é a opção consciente de eleger para si outros deuses, e, principalmente, de querer ser Deus de si mesmo, o que pode levar à separação total do amor de Deus, o que é a situação de inferno.

Mas a última palavra do cristão jamais deve ser pessimista. Pois o mesmo ser humano capaz de pecar é capaz de amar. E enquanto houver vida, há sempre a possibilidade de conversão. E se nós nos mantivermos abertos a todos, aos outros e a Deus, e se buscarmos colocar o centro de nós mesmos fora de nós, então estaremos seguros, pois a morte não nos fará mal e não haverá uma segunda morte. E é nisso que reside nossa esperança.

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