Café filosófico: Deus existe? Sim ou não?

No último domingo, 24.07.2011, participei do primeiro café filosófico de nossa região. Foi uma agradável oportunidade de encontros e reencontros. Eu, que me afirmo católico e tento ser cristão, fui convidado a provocar a discussão sobre o tema: Deus existe? Sim ou não? Não sendo o caso de apologia a qualquer credo religioso, resolvi percorrer caminhos do mito, da religião, da filosofia e da ciência, como possíveis fragmentos de verdade, descobertos ou inventados pelo ser humano a respeito da existência de Deus. Depois houve um debate sobre o tema, que foi muito fecundo. De parabéns o INTEPPB pela iniciativa pioneira. Que venham outros cafés filosóficos, pois a nossa sede e a nossa fome não são apenas de água e de pão. Enquanto isso, deixo aqui algumas reflexões sobre o assunto.

PRIMEIRAS PALAVRAS. A pergunta sobre a existência de Deus tem como ponto de partida a experiência humana. O ente humano, com racionalidade limitada, subjetividade condicionada e liberdade restrita, tem sede de compreender a origem, a existência e o sentido do Ser, o que implica questionar a origem e o sentido não apenas da divindade, mas do universo e dele próprio, ou seja, da inextricável “trindade metafísica” Deus-mundo-homem. Nessa perspectiva, podemos perguntar com Gesualdo Bufalino: “Se Deus existe, quem é? Se não existe, quem somos?”

Sendo a pessoa um ser-no-mundo (Heidegger), a resposta, explícita ou implícita à pergunta sobre a “trindade metafísica” influencia o nosso modo de agir no mundo. Isso não significa pensar no crente como alguém bom e o ateu como um desalmado. Não vejo barreira intransponível para se imaginar uma ética ateia, fundada na liberdade responsável ou até mesmo numa tolerância utilitarista. O certo é que, na prática e teoria da vida, as respostas sobre a “trindade metafísica” não deixam de ser respostas às perguntas fundamentais kantianas: o que podemos conhecer? O que podemos fazer? O que podemos esperar?

MITO. Para Heidegger, o desvelar-se do ser não se dá no palavrório, mas na linguagem autêntica da poesia. Os poetas ─ alguns deles maravilhosamente loucos como Hölderlin, o predileto não só de Heidegger, mas de Nietzsche ─, parecem ser os melhores ouvintes da linguagem do ser. A linguagem da poesia é rica, pois sempre está grávida do símbolo, sendo apta a cristalizar literariamente o que se esconde no mito. Fico indignado quando alguém pergunta: “verdade ou mito?” Ora, mito não é mentira. Mito, como disse Fernando Pessoa, “é o nada que é tudo.” Ele carrega em si opacidade e brilho, é força vinda dos confins dos tempos, que impregna a realidade e permanece nas religiões, filosofias e ciências, mas sendo anterior a elas, talvez permita ouvir com mais originalidade os ecos da voz do Ser.

RELIGIÃO. Religião não é necessariamente fé no transcendente. Durkheim, quando trata das formas elementares da vida religiosa, apresenta o budismo primitivo como religião sem deuses. Aliás, demonstrar a existência de Deus pode implicar até numa atitude anti-religiosa, se a divindade for compreendida como indiferente aos destinos do mundo e do homem. Será então a religião o mito que a sociedade faz de si mesma (Durkheim)? Será uma neurose coletiva, ilusão nascida do desejo, que gera imaturidade e dependência, o preço que se paga pela saúde psíquica (Freud)? Será o ópio do povo na perspectiva de Marx? Mas quando este fala numa religião como ânimo de um mundo sem coração e alma de situações sem alma, ele fala de que tipo de religião? Será, ainda, que o destino da religião, como observa Nietzsche, é mesmo o de vampirizar o homem, beber até a última gota de sangue, todo amor e toda esperança da face da terra?

FILOSOFIA. Haverá provas ou vias para se chegar a Deus por meio da razão? É legítimo falar sobre Deus como motor imóvel ou causa incausada causando? Tomás de Aquino entende que é impossível proceder ao infinito, na série dos seres que se geram sucessivamente, sem ao final esbarrar no ser necessário, que tenha em si toda a razão de sua existência, ao qual chamamos Deus. Mas essa causa primeira não poderia ser o ápeiron de Anaximandro? Por que teria características de um Pai que se relaciona amorosamente com o mundo e com o homem? É possível, filosoficamente, demonstrar esse Deus pessoal? Agostinho de Hipona, filósofo, mas também místico, intuiu que Deus é reconhecível, mas não demonstrável; que o conhecimento pode compreender a verdade, mas não a faz.

CIÊNCIA. Na ciência, marcada pelo ateísmo metodológico, não é fácil comprovar a existência ou inexistência de Deus. Depois da revolução copernicana, descobrimos que a Terra é apenas um planeta errante, e nós, viajantes (ou tripulantes?) nessa nave cósmica. Sendo a matemática a nova chave hermenêutica, não podemos mais confiar nos nossos sentidos. Mas o culto ao cientificismo também sofre abalos. Se Einstein relativizou o espaço e o tempo de Newton, o que dizer, então, de teorias como a das supercordas? Coisa de cientista maluco ou genialidade de quem um dia decifrará a escrita cósmica do Ser? Carl Sagan dizia que se pelo nome de Deus designamos o conjunto de leis físicas que regem o cosmo, então esse Deus existe. Entretanto, não há por que o homem rezar para a lei da gravidade. Richard Dawkings, no polêmico livro Deus, um delírio, afirma que o Deus deísta pode ser visto como o mais notável de todos os cientistas, que ajustou o universo com uma precisão inigualável, detonou o big bang e depois se aposentou. Depois disso ninguém soube mais do seu paradeiro.

ÚLTIMAS PALAVRAS. Herdamos uma cultura religiosa, o que se apresenta como um obstáculo para quem se diz ateu. Dawkings reporta-se a uma anedota corrente na Irlanda do Norte. Quando alguém diz que é ateu, o interlocutor normalmente pergunta: Tudo bem, mas você é ateu protestante ou ateu católico?

Todavia, a pergunta sobre a existência ou inexistência de Deus é muito mais que uma questão religiosa. A chave para auto-compreensão do homem e para compreensão que este tem de Deus e do mundo não pode ser dada exclusivamente pelo mito, pela religião, pela filosofia ou pela ciência. Como se não bastasse, vivemos a época dos pluralismos, tantos e tão diversos que nenhum ser humano dá conta de todos. Como diz Karl Rahner, cada um de nós permanece rude em certo sentido. Mas não é preciso percorrer todos os mitos, religiões, filosofias e ciências para se afirmar (ou negar), com honestidade, a existência de Deus. Ninguém é levado a crer em Deus apenas por razões filosóficas, argumentos teológicos ou especulações científicas. Nietzsche, apesar de anunciar a morte do Deus da tradição ocidental, disse temer que nunca chegássemos a nos libertar de Deus porque ainda cremos na gramática, ou seja, na razão que nos faz falar em unidade, identidade, substância, na razão que se expressa na lógica gramatical da linguagem. Eu, com meus botões, prefiro dizer: graças a Deus, porque ainda cremos na gramática.

Comentários

  1. Antônio, é um prazer ler seus textos. Esse deixa no ar perguntas, muito mais que respostas. Graças a Deus!

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  2. Mais perguntas que respostas é próprio da linguagem de um ente que tenta falar sobre o Ser. Obrigado, Alexandre. Um abraço.

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  3. Ótima escrita. Muito bem embasado...

    Acredito que o conhecimento de Deus e do que há dEle em nós está intimamente ligado a como entendemos o Universo, o cosmos e a própria Física.

    Um professor meu, um vez disse "O universo é como um relógio aberto que o homem nunca viu. O homem tenta montar este relógio em paralelo, afim de entedê-lo, mas, quem garante que estamos montando o mesmo relógio? Nem tudo que é parecido é igual...".

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  4. Caro irmão,

    Para contribuir com a discussão, informo os links para um Café Filosófico que participei com o mesmo tema.

    Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=rlGPoSQCl0I

    Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=tU2mPzstKLE

    Deus o abençoe,
    Lycurgo

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  5. Caro Tassos Lycurgo,
    Acessei os links. Aprendi muito com eles. Muito obrigado.

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  6. adorei esse texto. preciso fazer um trabalho da escola; uma metáfora que prove a existência de Deus mas não sei como falar nem sobre o que falar... alguém pode me ajudar? obrigada.

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