JULGAR É SER JULGADO


A discussão sobre o poder de julgar tem ocupado a mente de muitos estudiosos do Direito. O jurista italiano Carnelluti, por exemplo, afirma que todo ser humano, se parasse para pensar no que ocorre quando se julga outra pessoa, jamais aceitaria ser juiz. No entanto, a vida em sociedade exige que alguém assuma tal encargo. E esse é o dilema do direito, um drama que deveria ocupar o pensamento de todos, juízes e jurisdicionados. Daí por que, segundo o mesmo Carnelluti:

o Crucifixo que nas cortes judiciárias pende ainda sobre a cabeça dos juízes, seria melhor se fosse colocado defronte a eles, a fim de que ali pudessem com frequência pousar o olhar, este a exprimir a indignidade deles; e, não fosse outra, a imagem da vítima mais insigne da justiça humana. Somente a consciência da sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno.

Os insensatos, porém, fazem pouco caso dos conselhos do mestre italiano. Presumem que para proferir um justo veredicto basta conhecer a letra da lei e aplicá-la ao caso concreto; que a elaboração de uma sentença é um processo lógico-formal, em que o juiz age fria e tecnicamente. Nada mais enganoso. O ato de julgar encerra muito mais que tecnologia de ponta e conhecimento formal de Direito; julgar pressupõe sensibilidade.

Por isso, vale a advertência do Evangelho. Ao julgar o outro, o juiz também julga o humano dentro de si mesmo. E no instante do julgamento, antes de preocupar-se com o tecnicismo jurídico, é fundamental perscrutar a complexidade da natureza humana, pois julgar é, acima de qualquer coisa, esforçar-se para compreender o ser humano e suas circunstâncias.

O que fazer, então, para se atingir esse objetivo? O juiz precisa ter, afora os indispensáveis conhecimentos jurídicos, noções básicas de Antropologia, Psicologia, Sociologia, Filosofia, enfim, de todas as chamadas ciências sociais?

Bem, é claro que se espera de um julgador um conhecimento mínimo de Humanidades. Entretanto, a tentativa de compreensão do ser humano não se reduz apenas aos modelos teóricos da nossa gaia ciência, mas tem a ver com a crença num sentido mais profundo para a coexistência humana.

Conta-se, a esse respeito, que certa feita alguns anjos perguntaram a Deus por que razão Ele teria criado o ser humano. Era de todo incompreensível até para os querubins e serafins, integrantes do alto escalão do Paraíso, o motivo real de ter o Todo-Poderoso criado um ser tão contraditório e aparentemente absurdo: meio barro, meio espírito; meio anjo, meio animal, constituindo uma natureza que parece fugir à compreensão filosófica. Do Criador, na oportunidade, receberam a seguinte resposta: o homem não é questão para se discutir em congressos de filosofia; o homem é questão de fé no homem.

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