Ética, Moral e Direito

Além de Introdução ao Estudo do Direito (IED), tenho tido o prazer de dar aulas de Ética Geral e Profissional no Curso de Direito, e cheguei a lecionar Ética Cristã no curso de Teologia. Nessas aulas, mais aprendo que ensino. De modo geral, começamos as aulas pela afirmação, aparentemente óbvia, de que a vida deve ser sempre o ponto de partida e chegada da ética. Esta não se resume a um código de deveres, mas se caracteriza pelo questionamento do ser humano pelo sentido da vida. Em nosso mundo moderno, pós-moderno ou hipermoderno, é possível ao ser humano prescindir desse tipo de questionamento?

Gilles Lipovetsky, filósofo que se debruça sobre a complexidade dos tempos hipermodernos, pensa que a despeito de terem caducado o império do dever e os tabus vitorianos, os costumes do nosso tempo não foram tragados pela anarquia. Se por um lado o bem-estar e o individualismo hedonista são exaltados, a sociedade parece ainda desejosa de ordem e moderação: “os direitos subjetivos regem nossa cultura, mas ‘nem tudo é permitido.”

O desejo de ordem e moderação pode ser percebido no âmbito da moral, que é, antes de tudo, um ideal a ser alcançado, e nem sempre corresponde aos comportamentos existentes no mundo dos fatos, como nos faz ver Ortega y Gasset:

(Ortega y Gasset: 1833-1955)

Entendo por ethos, simplesmente, o sistema de reações morais que atuam na espontaneidade de cada indivíduo, classe, povo, época. O ethos não é a ética nem a moral que possuímos. A ética representa a justificação ideológica de uma moral e é, por fim, uma ciência. A moral consiste no conjunto de normas ideais que talvez aceitamos com a mente, mas que amiúde não cumprimos. Mais ou menos, a moral é sempre uma utopia. O ethos, pelo contrário, viria a ser como a moral autêntica, efetiva, espontânea, que de fato informa cada vida.

Como ciência do comportamento moral, a ética relaciona-se com outras ciências, embora não deva ter seu objeto limitado por elas. Por exemplo, a tendência de reduzir-se o moral ao psíquico pode levar ao psicologismo ético, do mesmo modo que a tentação de se limitar a ética a uma parte da Sociologia pode derivar para um sociologismo ético. Mas como adverte Marciano Vidal, ética não é questão de estatística. Quando o assunto é verdade ou moral nem sempre deve prevalecer o critério da maioria democrática, uma vez que a validade da verdade e da moral habita o terreno do qualitativo.

A ética também tem relações com o direito. As ideias abaixo, extraídas do livro Direito e Ética, de Chaïm Perelman, podem nos ajudar na reflexão e discussão dessas relações, nem sempre tão harmoniosas quanto gostaríamos que fossem.

(Chaïm Perelman: 1912 – 1984)

Insiste-se na distinção entre direito e moral; raramente o direito é objeto de interesse do moralista. Ao lado de normas variáveis, os sistemas jurídicos têm regras estáveis (princípios gerais de direito). Não deveria o moralista se interessar por essas regras, já que o raciocínio prático, inspirado na prudência e não no modelo matemático é aplicável tanto na moral quanto no direito?

A filosofia deve visar apenas o ideal, ou também a organizar, com um mínimo de violência, uma sociedade humana com suas deficiências? No racionalismo clássico, não há para a vontade humana a possibilidade de uma escolha imperfeita e razoável. O direito, porém, organiza a dialética entre vontades e razões humanas, que são imperfeitas.

Fracassadas as tentativas de se construir sistemas filosóficos more geométricos, é razoável indagar se o filósofo teria o que aprender com o jurista. O jurista ensinaria ao filósofo que uma lei fundamental nova sempre foi precedida por uma tomada do poder pela força.

Nas metafísicas absolutistas, a mente oscila da dúvida absoluta à certeza absoluta. Na realidade, ficamos no meio-termo: as opiniões a que aderimos constituem o derradeiro estado de evolução das nossas idéias, não necessariamente o definitivo.

Fazer tabula rasa de nosso passado intelectual é opor-se ao princípio da inércia (não se deve mudar nada sem razão), que fundamenta nossa vida. Para os juristas, toda racionalidade é continuidade. O que não tem nenhuma amarra com o passado só pode impor-se pela força, não pela razão.

Num sistema formal não se tem de julgar, basta demonstrar. Todavia, a “matemática universal” não se ajusta ao direito. Raros são os casos em que máquinas poderiam dizer o direito, pois é preciso aplicar as normas a situações novas. Um autômato poderá dizer quando a situação é nova?

O direito é um problema de decisão. Nem o legislador nem o juiz tomam decisões puramente arbitrárias. Quando se trata de normas de ação, não existe solução única, que se imponha pela evidência. Quando se trata de decisão, não se pode tratar de verdade. Diante da verdade, temos de inclinar-nos, não temos de decidir. Uma decisão razoável não é uma decisão conforme a verdade, mas a que pode ser justificada pelas melhores razões.

Não se recorre ao direito natural apenas para preencher lacunas da lei, mas para limitar seu alcance. O papel do juiz na elaboração do direito concreto torna ultrapassada a oposição entre direito positivo e natural, pois o direito efetivo é uma síntese da vontade do legislador, da construção dos juristas e considerações pragmáticas da ordem social, política, moral e econômica.

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