QUATRO DISCURSOS (3)

ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR, 2001.

Em 2000 e 2001, atuei como Juiz do Trabalho, respectivamente, nas cidades de Picuí e Areia, o que me permitiu fazer um curso de Especialização em Metodologia do Ensino Superior, ministrado em Guarabira. O curso foi uma oportunidade maravilhosa para a eterna descoberta e redescoberta do fascínio pela arte de ensinar e aprender, como também para o reencontro com colegas e amigos da área de Educação.

Discurso de formatura da Especialização em Metodologia do Ensino Superior

Guarabira, 06 de outubro de 2001.

Parafraseando o poeta Thiago de Mello, peço licença a todos para desfraldar o meu canto de amor publicamente. E o faço entoando palavras de gratidão. Primeiro, a Deus: pela saúde, pela paz; por ter-nos dado a todos e a cada um o existir, e a graça de hoje fruir deste momento único. E nem poderia eu iniciar sem antes agradecer a Deus, pois como observou Machado de Assis, o que se deve crer sem erro é que Deus é Deus. E, como também diria aquele mestre de todos nós, se houver alguma moça árabe neste recinto, que em vez do nome Deus escute Alá, pois todas as línguas vão dar ao céu.

Por falar em Machado de Assis, um dos seus mais célebres personagens se propôs, certa feita, a atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Proponho agora desafio semelhante, embora menos ousado: atar as duas pontas do nosso curso de Especialização, tentando compor um breve quadro com as reminiscências que me vieram vindo. Com a evocação dessas lembranças, aproveitarei para continuar com as palavras de agradecimento.

De volta ao começo. Estávamos em março de 2000. Na abertura do curso, com as presenças de ilustres representantes do Centro de Ensino, Consultoria e Pesquisa (C & E) e de autoridades desta cidade, foi proferida a aula magna, pelo Dr. Carlos Alberto Jales, professor da primeira e da última disciplinas do curso, tão marcante a ponto de ser escolhido para dar nome à nossa turma. Professor Jales, a grandeza, dizia Aristóteles, não consiste em receber honras, mas em merecê-las. O senhor as merece. Aceite, pois, nossa sincera homenagem.

Continuando com as reminiscências, lembro que logo na primeira aula, o professor Jales estampou no quadro o imorredouro conselho de Horácio: carpe diem! (aproveita o dia!) A partir de então, sentimo-nos convidados e estimulados a sorver com paixão cada gota dos ensinamentos ministrados em sala de aula por todos os professores. Glória Galvão fez desfilar na passarela a LDB e nos chamou à atenção para a importância de conhecermos as normas que regem a educação em nosso país. Glória Menezes aguçou nossa sensibilidade, fazendo com que redescobríssemos valores humanos guardados dentro de cada um de nós. Otaviana Maroja, tão dedicada no afã de nos iniciar nos sutis meandros da Psicologia Educacional e da Aprendizagem, ensinou-nos que o ser humano é, antes de tudo, um fabuloso criador de símbolos. Veio, então, o professor Manoel Câmara, demonstrando, com engenho e arte, a lição de Sócrates: quem aprende é o aluno por si mesmo, e o papel do professor é provocar a elaboração intelectual do aluno, perguntando, dialogando, fazendo-o pensar e encontrar as respostas. Francisca Alexandre, por sua vez, apontou-nos o caminho das pedras para elaborarmos um planejamento educacional verdadeiramente participativo. Eliene Wanderley estimulou nosso raciocínio com a resolução de quebra-cabeças e, de maneira prática procurou nos mostrar que Português não é um bicho-de-sete-cabeças; Paulo Wanderley, além de explanar sobre os multimeios em educação, fez com que exercitássemos nossa capacidade de elocução. Quem dos colegas não se recorda dos mafagafos com os seus mafagafinhos? Maria Dorotéia, não sem antes nos fazer algum medo quanto ao que nos estava reservado no desenvolvimento do trabalho monográfico, atuou como João Batista no deserto, preparando os caminhos para a vinda do professor José Augusto Peres, mestre tão renomado, que muito nos honrou com sua presença entre nós. Tivemos ainda a professora Luciene Câmara, que não somente nos proporcionou as informações necessárias para compreendermos a filosofia da qualidade total na educação, como também, como diretora do C & E, esteve sempre presente durante o curso, ouvindo pacientemente nossos apelos e sugestões. Por fim, Edith Carmen, que se dispôs a fazer o arremate para que pudéssemos trazer à existência o nosso trabalho de conclusão de curso. A todos os professores, nosso mais profundo reconhecimento.

Os agradecimentos também devem ser dirigidos à Diretoria do C&E, neste curso em parceria com a Fundação Francisco Mascarenhas, que nos proporcionou o instrumental e o ambiente necessários à realização do nosso curso. De maneira especial queremos agradecer ao professor Júlio Francisco, diretor do Colégio Santo Antônio, pelo caloroso acolhimento oferecido naquela escola, que quinzenalmente passou a ser o nosso abrigo, e à secretária Joselma, por todo o carinho e dedicação no atendimento a todos que cursamos a Especialização em Metodologia do Ensino Superior.

Não se pode esquecer, também, o papel desempenhado por nós, alunos, para o êxito do curso. Cada qual com seu jeito peculiar: uma retraída, outro expansivo; um quase fleumático, outra semi-frenética; mas todos, apesar das diferenças – ou quem sabe até em virtude delas ─ fomos pouco a pouco nos enriquecendo mutuamente. Tivemos oportunidade de compartilhar tanto a nossa experiência profissional e acadêmica nos estudos em grupo, quanto a nossa descontração nas brincadeiras desenvolvidas. A propósito das brincadeiras, o elemento lúdico foi uma constante no aprendizado nesse curso de Especialização. Sentamos no chão da sala, traçamos desenhos na folha de papel, fizemos colagem, atuamos como atores e recitadores, poetas, menestréis. E o mais importante é que, a partir da convivência, fomos nos conhecendo e nos dando a conhecer, criando na sala de aula um ambiente marcado pela alegria e pelo encantamento de quem se aventura em novas descobertas.

Tudo isso só foi possível com a ajuda, o incentivo ou, pelo menos, a tolerância dos nossos familiares. Quantos de nós tivemos que abandonar um pouco do aconchego do lar, o convívio dos pais, dos filhos, dos maridos e das esposas, namorados e namoradas, para podermos, muitas vezes com imenso sacrifício, estar presentes nas aulas de sexta à noite e nos dias de sábado. Por tudo isso, essa vitória que hoje alcançamos também é de vocês.

Eu dizia, no início, que pretendia atar as duas pontas do nosso curso de Especialização. De antemão, porém, pressentia que tal empreitada seria praticamente impossível, pois não nos é dado reconstituir, com palavras, tudo aquilo que ficou para trás. Por isso, tal qual o personagem de Machado de Assis, posso agora lhes confessar: ─ Pois bem, meus colegas, na tentativa de trazer à mente breves lembranças do passado, não consegui recompor o que foi nem o que fomos.

Creio, porém, não ter sido de todo infecundo deitar ao papel estas reminiscências. Afinal de contas, com a visão bem mais rica que hoje temos da Metodologia do Ensino Superior, depois de termos passado esse tempo juntos procurando dissecar muitos dos problemas que afligem o nosso dia-a-dia como educadores, voltar ao começo não quer dizer apenas vasculhar na memória lembranças de fatos que os anos não trazem mais. Assemelha-se, ao contrário, à atitude de quem cumpriu mais uma importante etapa da vida, e faz um balanço de sua aprendizagem, a fim de retomar a caminhada. Por isso o sentimento que nos deve mover não é o de nostalgia pelo que já passou, mas de saudade das coisas que ainda estão por vir, o que me faz lembrar uma antológica passagem de Rubem Alves. Este, no livro a alegria de ensinar, conta que, depois de transmitir uma série de ensinamentos, um mestre toma o discípulo pela mão e o leva ao topo da montanha. Atrás deles, se avistam vales, caminhos, aldeias, cidades, tudo isso iluminado pela luz do sol que surge no horizonte. Nesse cenário encantador, o mestre toma a palavra:

Por todos estes caminhos já andamos. Ensinei-lhe aquilo que sei. Já não há surpresas. Nestes cenários conhecidos moram os homens. Também eles foram meus discípulos! Dei-lhes o meu saber e eles aprenderam minhas lições. Constróem casas, abrem estradas, plantam campos, geram filhos... Vivem a boa vida cotidiana, com suas alegrias e tristezas. Veja estes mapas!

Então, o mestre toma rolos de papel que trazia debaixo do braço e os abre diante do discípulo:

Aqui se encontra o retrato deste mundo. Se você prestar bem atenção, verá que há mapas dos céus, mapas das terras, mapas do corpo, mapas da alma. Andei por estes cenários. Naveguei, pensei, aprendi. Aquilo que aprendi e que sei está aqui. E estes mapas eu lhe dou, como minha herança. Com eles você poderá andar por estes cenários sem medo e sem sustos, pisando sempre a terra firme. Dou-lhe o meu saber.

Depois o mestre fica em silêncio e olha nos olhos do aprendiz. Procura adivinhar o que se esconde naquele olhar. Em seguida examina os pés dele. Os pés sólidos denunciam a vocação para andar por caminhos conhecidos. O mestre, porém, procura nas costas do discípulo algum vestígio de asas, pois sabe que os seres humanos são alados por nascimento, e só esquecem da vocação pelas alturas, quando dominados pelo fascínio das coisas já conhecidas.

Falando em asas, peço mais uma vez, permissão para citar outro artífice da palavra, o poeta Carlos Alberto Jales, que numa de suas poesias, parece sintetizar o sentimento daquele mestre de que fala Rubem Alves. Diz o poema, chamado retrato de homem:


Queridos e queridas colegas concluintes: não deixemos morrer dentro de nós a dimensão para o transcendente. Mesmo com os pés no chão, cultivemos nossos sonhos, pois estes, como ensina Rubem Alves, são os mapas dos navegantes que procuram novos mundos. Parabéns pela formatura e obrigado pela amizade que me é dispensada, o que para mim é quase tudo de que preciso, pois, como afirma Guimarães Rosa, pela boca de seu personagem Riobaldo, ao falar de Diadorim: “a amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor.” E é recitando a palavra amor, publicamente, que lhes peço licença para terminar meu canto.

Muito obrigado.

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