Data vênia, Monsenhor Habib (*)



Já vai longe o tempo em que Monsenhor era sinônimo de posição graduada na hierarquia da Igreja. Hoje é título honorífico, um reconhecimento pelo serviço prestado ao Povo de Deus. Quem recebeu esse título foi o Padre Jonas Habib que, com a Canção Nova, tem levado o Evangelho via satélite a tanta gente mundo afora.

Mas é justamente pelo peso da evangelização midiática do Padre Jonas, que peço licença para dizer de minha inquietação quando o ouvi, um dia desses, fazer uma afirmação que, data vênia, não cabe mais ser difundida atualmente. Na palestra sobre vidas transformadas, exibida em rede nacional e posta à venda como produto de consumo religioso, o ilustre Monsenhor disse que Maria Madalena, antes da conversão, tinha sido prostituta, e, achando pouco, acrescentou que ela não só “servia” os soldados do quartel de Magdala, mas também arranjava mulheres para os rapazes da caserna.

De onde o Padre tirou essa história? Pensei eu comigo mesmo. Certo que havia uma velha tradição que pintava Madalena como pecadora arrependida. Conta-se, por exemplo, que em 591 o Papa Gregório contribuiu para a confusão de três mulheres que aparecem nos Evangelhos, ao dizer, num sermão: “Aquela que Lucas chama de pecadora e que João chama de Maria [de Betânia] acreditamos ser a Maria de quem, segundo Marcos, Jesus expulsou sete demônios”. A arte, por outro lado, encarregava-se de representar Maria Madalena como a prostituta penitente de cabelos soltos.

Essa idéia, porém, não resistiu a estudos bíblicos mais aprofundados. Não há nos Evangelhos um versículo que seja, capaz de fundamentar a tese de que a pecadora perdoada (Lc 6, 36-40), que com lágrimas banhou os pés de Jesus e os enxugou com os cabelos, seja Maria de Magdala (Lc 8, 2). Esta, diferente da primeira, é indicada pelo nome, e ao lado de Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, de Susana e de outras senhoras, aparece como uma das mulheres que seguiam Jesus juntamente com os Doze, e os serviam com os seus bens. Também não se deve confundir Madalena com a irmã de Marta, a Maria de Betânia, que preludiou a morte de Jesus, ungindo-lhe os pés com caro perfume (Jo 12, 1-8). Portanto, a imagem da Madalena arrependida é um estereótipo caduco, desculpável para o pensamento do século VI, mas que não se sustenta nos dias de hoje. Tanto que a Igreja Católica cuidou de desembaralhar a história dessas três mulheres, quando revisou o Missal em 1969. Assim não é por acaso que em sua festa litúrgica, celebrada em 22 de julho, Santa Maria Madalena não seja apresentada como uma penitente, mas invocada como a estrela feliz de Mágdala, a quem foi confiado o primeiro anúncio da alegria pascal.

Também não se pode dizer que os demônios arrancados de Madalena são a prova de que ela havia sido uma meretriz. Na mentalidade da época, demônios designavam os mais diversos elementos malignos, como doenças, instintos e emoções que se apoderavam das pessoas, eram a personificação das forças do mal. Até os adversários de Jesus chegaram a dizer que ele estava possuído por um demônio (Mc, 3, 22). E aqui não vai nenhum vestígio de preconceito contra prostitutas convertidas; é apenas uma questão de justiça, como foi o reconhecimento do trabalho do Padre Jonas, quando lhe foram conferidas as honras de Monsenhor.

* Este texto faz parte do livro O sentido da vida.

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