Fé e razão


Professora do interior, ela aguardava a palestra no treinamento realizado na capital. E logo que o instrutor iniciou a conferência, ela se fez toda ouvidos:

— Bom dia a todos. É um prazer falar com vocês sobre a busca da verdade nos domínios das ciências. Mas antes de qualquer coisa, gostaria de fazer-lhes uma advertência: evitem, em sala de aula, qualquer discussão relativa à fé, mesmo que os alunos demonstrem interesse pelo assunto. Digo-lhes isto porque fé e ciência são como água e óleo; não se misturam.

Ouvindo aquilo, a professora desligou a atenção das palavras do instrutor:

— Blablablá, blablablá...

Começou, então, a refletir sobre o que acabara de ler na Encíclica Fides et Ratio...

O ser humano, de todos os entes criados, é o único capaz não apenas de saber, mas também de saber que sabe. É vivente prenhe do desejo da verdade: de onde venho? Para onde vou? Terá a vida um sentido? Como se originou a espécie humana? Estaremos sozinhos no universo?

Em busca de respostas, observa o mundo em derredor. Porém não lhe bastando o conhecimento empírico, traz o universo para dentro dos laboratórios, nos quais se constróem os saberes científicos. Mas os tubos de ensaio ainda não lhe bastam. Então exercita a capacidade especulativa. Formula sistemas filosóficos. Estes caminham de mãos dadas com as verdades religiosas, pois é a partir da análise racional da Revelação que o conhecimento religioso pode se apartar da superstição.

Nesses diferentes rostos da verdade, o ser humano, no mais das vezes, põe-se diante da Verdade, que transcende ciências, filosofias e religiões. E quando afirma a cognoscibilidade natural do Criador, princípio e fim de todas as coisas, não tem outra saída senão reconhecer a impossibilidade absoluta de divergência entre fé e razão, pois, como ensina a encíclica:

O mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé, foi quem colocou também, no espírito humano, a luz da razão. E Deus não poderia negar-se a si mesmo, pondo a verdade em contradição com a verdade.

O mesmo Deus que revela... luz da razão... a verdade em contradição com a verdade... Essas ponderações evocam outras, naquela cabeça grávida de ideias. A professora lembra-se de ter lido na introdução da Ética de Spinoza, que para aquele filósofo, diferente do que dissera Pascal, não há divisão entre as razões do coração e as razões da razão, pois Deus é tanto a Razão, o eterno Logos, quanto o Coração, o infinito Amor, o que faria Spinoza concordar com o pensador Albert Schweitzer, para quem “o Amor é a culminância da Razão”.

De repente, apagam-se as luzes da sala. O instrutor conduz uma apresentação com o data show. E continua sua explanação sobre a busca das verdades nos domínios das ciências:

Blablablá, blablablá, blablablá...

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