Anawim de Deus



Em julho de 2007, assisti a uma homenagem prestada pelo nosso Tribunal ao escritor Ariano Suassuna. Coisa muito bonita: auditório lotado, poesia para cá, cantoria para lá, e, calado no meu canto, vendo aquele escritor famoso, mas que de maneira tão simples se fazia um entre nós, eu pensava comigo mesmo: afinal, quem na verdade estava homenageando e quem estava sendo homenageado? Pensei a mesma coisa ao participar da homenagem prestada, em nossa cidade, em abril de 2008, a Dom Marcelo Pinto Carvalheira. Cada um que ali se encontrava para reverenciar nosso primeiro bispo é que se sentia honrado por estar na presença do “Dom da ternura”, que lançava o livro “São José, o anawim de Deus.”

Anawim quer dizer pobres, e São José é um desses anawim. Contudo, a concepção de pobre (anaw, em hebraico) não se restringe ao aspecto sociológico. Os anawim falados pelos profetas e cantados pelos salmistas eram, na verdade, os pobres diante de Deus, humildes, desprezados, e confiantes só e somente só na misericórdia do Senhor.

O modelo maior do pobre de Deus é Jesus Cristo. Este, como diz o hino cristológico da Carta aos Filipenses, tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz!

O esvaziamento de si mesmo, em grego chamado kenósis, também foi vivido por São José. Como observa o livro de Dom Marcelo, não é exagero dizer que José é o mais importante personagem da história da salvação, só inferior a Jesus e Maria. É ele o “Filho de Davi”, a quem o Anjo do Senhor anunciou a missão de ser o elo entre Jesus e a história de Israel. Se por Maria, “Jesus se insere na massa da humanidade, por José, conforme a lei, recebe a cidadania judaica.” Foi ele, jurídica e socialmente, o pai do Filho de Deus: ele que colocou o nome do filho, levou-o ao templo, apresentou-se a todos como seu pai verdadeiro, não abandonando a esposa à infâmia. O evangelista Mateus chega a conferir-lhe o título de justo. Ser justo, na linguagem bíblica, é reunir em si todas as virtudes, o que faz Dom Marcelo invocar São José como o “ornado de justiça”. Todavia, o bom José não se prevaleceu de sua eminente posição. Humilde e obediente, sem ser fraco nem tolo, nunca precisou se valer do milagre nem do excepcional em sua vida; apenas escutava e cumpria o que por Deus lhe era confiado. E, como homem discreto, viveu o silêncio de quem muito trabalha e não tem tempo sobrando para deitar falação; de quem compreende que Deus é silencioso e por isso é preciso escutar o silêncio para entrar em sintonia com Ele.

Esse silêncio, todos precisamos ouvir. E hoje, mais do que nunca, o silêncio eloquente de São José é exemplo a ser seguido por nós. Para os que a Igreja Católica chama de leigos, e convoca a ser missionários na sociedade, pois José era leigo, casado e operário. Para os presbíteros, aos quais, a exemplo de José, compete a missão de guardar o Filho de Deus neste mundo. Enfim, para todo aquele que quer seguir Jesus Cristo. Pois para ser cristão de verdade é preciso, como os anawim, abandonar-se nas mãos do Senhor, e não colocar sua confiança na própria riqueza ou poder; para ser cristão de verdade, é preciso deixar Deus ser Deus em sua vida. Só assim é possível perscrutar o divino, até porque, como ensina Dom Marcelo, só reza quem tem as mãos vazias. Pois “a oração é a consciência de que não temos nada, por isso estendemos nossas mãos Àquele que tudo nos dá, porque tudo é Dele.”

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