O poeta Raul de Leoni morreu em 1926, aos trinta e um anos. No prefácio da segunda edição de Luz Mediterrânea, seu único livro publicado em vida, Rodrigo de Melo Franco diz que aqueles que conheciam Leoni de perto, sabiam o preço que ele dava à vida. Por isso imaginavam que aquela edição fosse expressar a revolta diante da morte inevitável, por ter sido da época em que o poeta sofria os males da tuberculose.
Diferente do esperado, diz o prefaciador, quando Leoni tomou consciência da proximidade do fim, revelou enorme serenidade. Falava tranquilamente sobre a doença, e repassou com calma suas últimas vontades, entre as quais a reedição do livro, que havia sido publicado em 1922.
Leoni era filho de um Ministro do STF. Teve educação privilegiada, que lhe permitiu viajar pela Europa ainda jovem. Formou-se em Direito e foi diplomata, com breve atuação em Cuba, Uruguai e no Vaticano. Também chegou a ser eleito deputado estadual do Rio de Janeiro.
Sobre o comportamento de Raul Leoni em relação à “doença dos poetas”, Manuel Bandeira teria dito que Leoni era um poeta inteligente, mas um doente burro. Diferente do próprio Bandeira, acometido pela mesma moléstia, Leoni não se cuidava. Quem diz isso é Bruno Tolentino, que se questiona por que o poeta não fez o possível para permanecer mais tempo vivo, mesmo sendo um homem muito inteligente.
Essa resposta ninguém tem. Como teria comentado Manuel Bandeira, as coisas são assim. Tinha gente que morria logo daquela doença; outros não. Como haveriam de saber o porquê? O certo é que, no dizer de Melo Franco, Leoni expirou serenamente, na sua casa em Itaipava, deixando “uma das obras mais consideráveis da nossa poesia, pela unidade de pensamento e pela formosura dos ritmos.”
Se poesia é música que se faz com ideias, como teria dito Fernando Pessoa – e não uma estrutura de suspiros em série, como disse Bruno Tolentino –, Raul de Leoni foi um mestre nessa arte. Melo Franco observa que Leoni conseguiu aliar o equilíbrio formal dos seus poemas ao admirável “rigor lógico com que nos seus versos se desenvolvia o pensamento, animado pelo jogo preciso das imagens.”
É possível sentir música e formosura em várias dessas imagens. No poema Felicidade, esta se apresenta como a “Bela Adormecida da alma”, que o ser humano não atinge na vida instável, porque a embaraça “na filigrana de um ideal metafísico e divino.” Em Prudência, o poeta aconselha a não vasculhar o segredo das almas que se procura, “pois se, às vezes, nos frutos há doçuras, há sempre um gosto amargo nas raízes.” E no poema Aos que Sonham, diz que se alguém quer sonhar, que se defenda em segredo, e nunca esqueça do que acontece e aconteceu: “Prometeu e o abutre ao rochedo, o calvário do Filho de Maria e a cicuta que Sócrates bebeu!”
Rita de Cássia, minha irmã mais nova, morreu no mês passado. Naturalmente perguntei a mim mesmo sobre o porquê daquilo tudo. Mas prefiro lembrá-la como alguém que gostava da vida, que se dizia uma pessoa “do sol”. E procuro pensar feito Leoni, no poema Transubstanciação. Que a carne em que existimos há de se tornar seiva fecundante: “Decompondo-se em pó, há de ser a energia de vidas que sobre ela hão de viver adiante.” Pois a morte é “a transição da vida para a vida.”
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