Einstein e o Saxofonista: jogando com a sorte de Deus?

Gasto meu tempo livre não só tocando sax. Também gosto de leituras e filmes que me façam refletir. E vez por outra me arrisco a maratonar uma série. Numa delas, uma cientista conta uma piada a um jovem que tinha sido assistente da filha dela, que peço licença para recontar.

Einstein morre e vai para o céu com seu violino. Ele ama o violino mais do que qualquer coisa deste mundo. Mais do que a Física e as mulheres. Quando ele afina o instrumento, um anjo se aproxima e pergunta:
– Ei, o que você está fazendo?
– Me preparando para tocar.

O anjo, porém, adverte:
– Não faça isso. Deus não vai gostar. Ele é saxofonista.

De repente, eles ouvem um sax tocando Take the A train, de Duke Ellington. Einstein pensa: agora eu vou tocar com Deus. A música para. Deus aparece, dá um chute em Einstein e destrói o violino em pedacinhos. Sem poder tocar, o céu vira um inferno para Einstein: a eternidade sem música!

E o anjo arremata:
- Eu avisei para nunca jogar com a sorte de Deus.

Ao ouvir a piada, o jovem fica confuso. Nunca jogar ou brincar com Deus?! A cientista explica que humor é algo muito pessoal. Tem piadas tão particulares que só fazem sentido para quem conta e quem ouve. Mas elas são imprescindíveis. Não sobreviveríamos sem elas.

No enredo, a piada parece conter uma mensagem codificada. Uma espécie de parábola profana a ser decifrada pelo mundo ameaçado por uma futura invasão de extraterrestres. Aquela conversa particular não podia ser protegida pela criptografia, pois os alienígenas são onissapientes a tudo que se fala na Terra. Mas não são versados na arte de nossas metáforas.

A série mistura ficção e especulação científicas. Embora leigo no assunto, acredito que na vida e a na arte essas coisas se tocam. O paradoxo de Fermi, por exemplo, da aparente contradição entre a grande probabilidade de existirem civilizações em outros mundos e a falta de evidências sobre isso, não afasta a teoria da Floresta Sombria, de que essas civilizações preferem não manter contato, pois todas parecem potencialmente predadoras que podem destruir umas as outras.

Nem é preciso imaginar civilizações extraterrestres para especular sobre as possibilidades de destruição do mundo. Lembro o filme Oppenheimer. A saga do projeto Manhattan, o teste Trinity, o xadrez geopolítico, as decisões dos governantes sobre os destinos da guerra e dos povos. Em meio a tudo isso, a corrida científica sobre a natureza dos átomos, a produção da bomba atômica e sua potencial capacidade de incinerar o planeta. Depois da guerra, Oppenheimer às voltas com uma investigação de cartas marcadas, espremido num jogo político-ideológico de quem desejava rotulá-lo de pró ou antinuclear, ao vento das conveniências dos inquisidores. O pai da bomba, por outro lado, tentando fazer da filha uma arma apenas dissuasória. Chocado com seu poder destrutivo, seria mais fácil o mundo barrar a produção de outras bombas mais potentes, e deixar a tecnologia nuclear para geração de energia de mover coisas boas.

Na história, como no filme, o papel de Oppenheimer não cabe em binarismos maniqueístas. As ilegalidades da investigação vieram à luz. Mesmo assim, ele foi banido do trabalho para o governo, o que não o impediu de continuar sua cruzada contra proliferação de armas nucleares. No seu dizer, naquele tempo “os físicos conheceram o pecado; e esse é um conhecimento que eles não podem perder.”

Saída da dimensão de especulação científica, a bomba foi parar na prateleira de governantes de todo gênero. Se tivermos sorte, apenas como instrumento de uso tático, num arriscado jogo de xadrez por eles jogado.

Não sei se terá futuro essa estratégia parecida com a da Floresta Sombria. A sobrevivência baseada na desconfiança mútua. Todo mundo na espreita, sem fazer contato para não ser aniquilado. Isso não parece uma saudável aposta moral, nem racional. Parece mais com a piada de Einstein querendo tocar com Deus. 

Comentários

  1. OPPenheimer é um grande filme que levanta várias questões fundamentais sobre o futuro da nossa civilização. Talvez a nossa insensata inclinação para a autodestruição seja irreversível.

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