Fátima e o mandamento do amor

Rita Lee, em autobiografia, fala sobre consumo de drogas sem falso moralismo. Não se recrimina por ter entrado em muitas, mas se orgulha de ter saído de todas. Diz que encontrou um barato melhor: “a mutante virou meditante.” Ainda assim, reconhece que compôs suas melhores músicas em estado alterado. E as piores também.

Mas não foi em estado alterado que ela viu seu primeiro disco voador.  Ainda criança, no terraço de casa, começou a gritar para Peter Pan vir buscá-la. Foi quando viu luzes fazendo piruetas no céu. Assustado com os gritos da menina, o pai num instante chegou. Ela então disse que tinha visto Peter Pan, mas quando ouviu a descrição do avistamento, o pai não teve dúvida: “você viu um disco voador, minha filha!"

Você pode até pensar que esse relato é fruto de uma mente perturbada. Afinal, como ela mesma comenta, tem gente que vê Rita Lee como doidona. Mas Rita vê isso com bom humor, e profetiza que, quando morrer, algumas pessoas vão postar nas redes sociais: “ué, pensei que a véia já tivesse morrido kkk.” Que políticos não vão prestigiar seu velório, já que ela nunca foi ao palanque deles. E imagina seu epitáfio: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.”

O que você diria, porém, se um relato meio psicodélico, saísse da boca de um padre/influenciador midiático? Pois teve um que disse ter visto anjos e Nossa Senhora do Apocalipse no seu quarto. Quando Nossa Senhora apareceu, viu um ET que entrou e saiu da parede como uma luz. E profetizou: os ET’s vão nos defender de satanás, no decisivo combate espiritual.

Não estou aqui para julgar a lucidez de Rita Lee, nem a do padre. Mas sei que uma nota de esclarecimento, como a do sacerdote, com a desculpa de que teria cometido apenas um equívoco de linguagem – e não foi só isso –,  não tem a mesma projeção do que ele disse antes, pregando para milhares de fiéis/fãs/seguidores. Além do mais, para se falar publicamente em visões de Nossa Senhora, todo cuidado é pouco.

Entre os séculos XIX e XX foram relatadas mais de trezentas visões de Nossa Senhora no mundo. Desses casos, segundo a CNBB, muitos são patológicos. Por isso, não se deve dar crédito a tudo o que se diz sobre essas visões. Mas por outro lado, é preciso reconhecer que nem todas as coisas entre o céu e a terra podem ser desvendadas na base da soberba cientificista, como no caso das visões em Fátima.

Os videntes eram três crianças. Lúcia de Jesus Santos, filha de Maria Rosa e Antônio, nascida em 22 de março de 1907, e os primos Francisco Marto, filho de Pedro e Olímpia de Jesus, nascido em 11 de junho de 1908, e a irmã dele, Jacinta Marto, nascida em 11 de março de 1910. Como outros meninos do campo, em vez de irem à escola, passavam os dias pastoreando ovelhas.

Em 1916, apareceu-lhes o Anjo de Portugal, embaixador da Rainha do Céu. E em 1917 ocorreram as aparições de Nossa Senhora, sendo a primeira em 13 de maio, na Cova da Iria, que ficava nas terras da família Santos.  As aparições se sucederam ao longo do ano. Numa delas, em 13 de outubro – para a qual os jornais tinham noticiado que naquele dia aconteceria um milagre – milhares de peregrinos disseram ter visto o sol girando ao redor de si mesmo, e movendo-se do nascente para o poente. Alguns cientistas dizem que pode ter sido um fenômeno óptico atmosférico raro, chamado parélio solar.

Mesmo com a repercussão imediata, as autoridades eclesiásticas agiram com cautela. Em 1922 foi formada uma comissão de investigação, encerrada oito anos mais tarde. Chegaram à  conclusão que as visões eram dignas de fé, o que permitiu o culto oficial à Nossa Senhora de Fátima.

Um dos critérios para avaliação de revelações particulares é que elas não podem contradizer a revelação bíblica. Embora os fenômenos de Fátima possam ser vistos como uma explosão do sobrenatural num mundo aprisionado pela matéria, como diz Paul Claudel, o mais importante não é saber se o sol bailou ou não, mas que a mensagem de Fátima não contém um traço sequer de doutrina extravagante, como a mistura de anjos com ET’s para um combate espiritual.

A fé do povo também foi um fator importante para a credibilidade da experiência religiosa em Fátima. Do mesmo jeito que as multidões de romeiros do Padre Cícero não surgiram sob o patrocínio eclesiástico oficial, pois até hoje ao santo popular do Juazeiro não foi concedida a glória dos altares, podemos concordar com o Cardeal Cerejeira, quando diz que “não foi a igreja que impôs Fátima, mas foi Fátima que se impôs à igreja.”

Mas para ser cristão ninguém é obrigado a crer em visões de Nossa Senhora, mesmo as dignas de fé e respeito. Pois no fim de tudo – e isso faz parte da revelação bíblica –, não é devoção que salva ninguém, e sim o mandamento do amor. E não adianta a pessoa se exibir como devota do coração de Maria, se tiver o coração fechado para o grande mandamento do seu Filho.

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