Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.
(Ecl 1,5).
Dizer que o sol nasce, e o sol se põe, não é coisa só da Bíblia. Faz parte da linguagem do dia a dia. Aqui na Paraíba, nos prestamos até a aplaudir o pôr do sol, ao som do bolero de Ravel. E para isso não é preciso desacreditar na ciência, que nos explica que o sol não tem como voltar todo dia ao lugar de onde nasceu.
Houve um tempo, porém, que a ciência acreditava que o sol orbitava a Terra. Por isso, divergir de Galileu Galilei, que sustentava o contrário, não significava necessariamente que o discordante fosse, como se diz hoje, um negacionista. E ainda que acusar Galileu de herege tenha sido uma injustiça, seu julgamento não foi apenas por questão de fé, mas por uma trama de interesses econômicos e políticos de detentores do poder, o que é comum em qualquer época.
O certo é que, para não ser queimado vivo, Galileu se viu forçado a dobrar os joelhos diante dos inquisidores. Teve de jurar que acreditava em tudo quanto ensinava a Igreja Católica. Por isso foi obrigado a negar o que havia escrito antes, e dizer que a Terra não se movia ao redor do sol. Mas depois de escapar da fogueira, conta-se que ele desabafou: mas que ela se move, se move.
Impor um pensamento único na base da força nunca deu certo. Fosse assim, nós que professamos a mesma fé não teríamos nossas desavenças. Dentro de qualquer grupo humano sempre tem as igrejinhas. Isso é próprio da fogueira das nossas vaidades. Lembram da bronca na Carta aos Coríntios? Uns diziam eu sou de Paulo, outros, eu sou de Apolo. Todavia, Paulo adverte que ele e Apolo não passam de trabalhadores da messe, na qual não importa se um planta e outro rega, pois quem conta mesmo é Deus, que faz crescer.
Entre os irmãos
na fé cristã não faltam motivos para desavenças. Incompreensões mútuas sobre o
papel de Nossa Senhora na história da salvação e devoções marianas são alguns
deles. E muitos de nós não damos ouvido ao que diz o Decreto Unitatis
Redintegratio, do Papa Paulo VI, sobre o ecumenismo, quando ensina que
existe uma hierarquia das verdades em nossa doutrina, e que no diálogo
ecumênico devemos buscar a verdade, mas sempre com caridade e humildade.
Mesmo que pareçam
tímidos, temos exemplos muito bonitos de diálogos ecumênicos sobre Maria. No
congresso mariológico internacional, realizado em Roma no ano de 1975, foi
elaborada por teólogos protestantes, ortodoxos e católicos, a declaração
ecumênica sobre o papel de Maria na obra da salvação. E nela se reafirma o que
diz a Escritura. Que Cristo é o único mediador. E sendo ele nascido de mulher,
recebeu de Maria a humanidade, indispensável para o sacrifício da cruz.
Nem esta, nem
outras declarações acabam com discussões doutrinárias entre os cristãos. Até
porque, como lembra o teólogo Stanisław Napiórkowski, o estudo da Mariologia traz consigo a
discussão sobre temas polêmicos como a relação entre revelação e tradição,
pecado e santidade, redenção e mérito humano. Mas diálogo ecumênico não quer
dizer imposição de pensamento único, que não dá certo hoje, como não deu nos
tempos de Galileu, e que pode nos privar da preciosa pluralidade de pensamento
nos estudos teológicos.
Ao lado do
diálogo amoroso na busca da verdade, devemos ter a humildade de reconhecer
exageros em algumas de nossas devoções marianas, mesmo que sejam próprios de
práticas sentimentais que existem em qualquer religião. Por um lado, talvez
tenhamos seguido à risca a máxima atribuída a São Bernardo, segundo a qual, de
Maria nunca se diz o bastante. Mas esquecemos o conselho do mesmo santo, de que
Nossa Senhora não precisa de falsa honra, pois ela já possui suficientes
títulos verdadeiros para ser honrada.
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