Eu
costumava ver novela mexicana. Não me envergonho de confessar isso. Minha
esposa estranhava porque eu achava graça das cenas melodramáticas. Se a
afetação era para fazer chorar, em mim fazia o efeito contrário. Talvez porque
o exagero nas falas e gestos, que é desarmonia, pode anestesiar a sensibilidade
e aguçar a inteligência, como ensina Ariano Suassuna, ao comentar a teoria do
risível, de Bergson.
Essa
anestesia, contudo, não nos deixa insensíveis, quando a dor da arte é bem
fingida. Não conto as vezes que enchi os olhos de lágrimas ao ver outras cenas
de novelas. Lembro até hoje do sofrimento de Das Dores, em Xica da Silva. Ver
aquilo todo dia era de cortar coração. E o alívio só veio no final. Mesmo
assim, antes de Das Dores fugir com Martin, dá um nó na garganta quando ela,
depois de conter Jacobino, beija-lhe a testa, e diz esperar que ele tenha
aprendido que pela força não se consegue o amor.
Das
Dores é nome dado a tantas Marias, como gesto de devoção
ao mistério da participação da Virgem Mãe na vida, paixão e morte do seu Filho.
Desde a apresentação dele no templo, ao ouvir do velho Simeão que uma espada
haveria de transpassar-lhe a alma. Quando ficou com o coração angustiado,
achando que tinha perdido o Filho adolescente no meio da caravana que voltava
de Jerusalém. E aos pés da cruz, quando quase todos os amigos de Jesus fugiram
com medo, ela permaneceu firme, ao lado de outras mulheres e do discípulo
amado.
Por
esses e outros relatos, a Virgem das Dores está longe de ser uma vitimizada ou
lamentadora da vida. Por isso quando se recita o Stabat Mater Dolorosa (Estava
a Mãe Dolorosa), ela aparece como no Evangelho de João: banhada em lágrimas,
mas de pé, vendo morrer desolado seu doce nascido. É a mesma Maria do Stabat
Mater Speciosa (Estava a Mãe Bela), alegre e feliz, junto à manjedoura onde
dormia o Menino. Mas é bom lembrar que aquela alegria não esconde a vergonha
alheia, de quem negou hospedagem a ela e a José, causando humilhação e
sofrimento a uma mulher grávida, que teve de dar à luz numa estrebaria.
Na profecia de Simeão, a espada haveria de traspassar a alma de
Maria para revelar os pensamentos de muitos corações, incluindo o nosso. E
parece que muitos de nós, até hoje, não aprendemos a tirar da dor alguma lição
para a vida. Veja o caso da pandemia, que nem acabou, mas agimos como se nada
tivesse acontecido ou acontecendo.
Ao
traspassar nossa alma, a espada deveria abrir nosso coração na busca de força e
sabedoria para viver as dores e alegrias do dia a dia. A vida não precisa ser um
vale de lágrimas. Mas também não é uma ilha de fantasias, de caras e bocas que
ostentamos em redes sociais, que quando não são espelhos da alma também são
desarmonia, tal e qual a de cenas de novela mexicana.
Seja
como for, é bom saber que Nossa Mãe, Nossa Senhora, sempre está junto a
manjedouras e cruzes de seus filhos. E que, depois de tudo, a felicidade plena
virá. Não como fruto da dor, mas do amor. Nem por isso se deve esquecer que
quem não aprende a sofrer, dificilmente aprende a viver.
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