Semear o amor e praticar o bem possível


No Sermão da Sexagésima, Padre Antônio Vieira se pergunta por que tanto se semeia a Palavra de Deus, mas tão pouco parece ser o fruto da semeadura. Se Deus não é menos Onipotente, nem sua Palavra é menos poderosa em nenhum instante sequer, o pouco fruto produzido não pode proceder d’Ele, mas sim da terra onde a semente é lançada ou da parte de quem semeia, e muitas vezes o semeador pode ser como aquele pregador que não prega aos olhos, mas aos ouvidos. Se o exemplo de vida nega o que sai da boca de quem prega, fica difícil esperar que o coração do ouvinte se torne a terra boa que produz fruto a razão de cem, de sessenta ou de trinta, e ninguém está livre de pensar que é semeador, quando não passa de um sepulcro caiado.

Para não cair na tentação de ostentar para os outros o que a pessoa não é – hoje turbinada pelo mundo de aparências criado em redes sociais –, a gente pode se inspirar na vida das santas e dos santos. Nestes meses de junho e julho, especialmente no Nordeste, temos o ciclo de festejos juninos, marcados pela celebração dos dias de santos ligados à religiosidade popular. O último sábado de julho, que chamamos Sábado de Sant’Ana, encerra esse ciclo, que começa com as simpatias na véspera do dia de Santo Antônio.

Um rápido olhar sobre a vida de cada uma dessas pessoas nos permite ver um jeito próprio de semeadores que saem a semear. Santo Antônio, grande orador, com tanta sensibilidade ética que, segundo dizem, ficou um tempo sem pregar para não exercer o poder que nasce do fascínio da palavra, mas nunca deixou de semear com o testemunho de vida. São João, homem de aparência e costumes rudes, a clamar no deserto e preparar os caminhos do Senhor. São Pedro, que negou Jesus, mas depois se tornou rocha e abrigo para o povo de Deus. E Santa Ana, abençoada na velhice com a graça de dar à luz Maria, esta que, sem dúvida, é o modelo mais perfeito de todos os seres humanos.

A gente sabe, como diz a música do Padre Zezinho, que Nossa Senhora não é deusa, nem é mais que Deus. O próprio Jesus, ao ser chamado de bom Mestre pelo jovem rico, disse-lhe: Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Maria, porém, como Mãe do Deus Jesus, é a mais perfeita de todas as pessoas. Mulher de poucas palavras, ela nunca abriu a boca para engrandecer a si mesma. Mas o próprio Deus, pela boca do anjo da Anunciação, a proclama cheia de graça, e depois Nossa Senhora, no Magnificat, exalta as grandes coisas que Deus fez em seu favor e em favor de seu povo, especialmente dos famintos e humildes.

Entre as várias virtudes de Maria, três delas podem servir de exemplo para nossas vidas: a  confiança e entrega total a Deus, mesmo que ao ser humano não seja dado compreender completamente os mistérios do Altíssimo; a disponibilidade para fazer a vontade do Nosso Senhor em toda e qualquer ação do dia a dia; e a resposta concreta de amor, este que às vezes é tão exigente, no seguimento por um caminho que não é feito somente de flores.

Por isso Maria há de ser sempre a Mãe da Evangelização, como lembra o Papa Francisco, na  Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho). Esta Exortação Apostólica trata do anúncio do Evangelho no mundo atual. Nela o Papa realça a expressão “Igreja em saída”, para dizer que precisamos ter coragem de sair da nossa zona de conforto para semear a Boa Nova àqueles que costumamos deixar nas periferias, mas sempre estiveram no centro do amor de Deus.

Quem se dispõe a sair para semear no mundo de hoje deve ter consciência de que a semeadura se fará em meio às limitações humanas. E para não se tornar um sepulcro caiado – Deus me defenda (e a todos nós) disso! – a gente deve botar na cabeça que a essência da ética cristã não é querer passar lição de moral nos outros, como se a gente fosse palmatória do mundo; não é orar no templo como um fariseu, se achando melhor do que o resto da humanidade; não é reparar no cisco do olho do irmão, sem enxergar a trave do seu próprio olho; não é atirar a primeira pedra moral no primeiro pecador que apareça, como se a gente não tivesse pecado. Como lembra a Exortação Apostólica, a pregação da moral cristã não se resume a um catálogo de pecados e erros – e que, digo eu, geralmente apontamos nos outros –, do mesmo modo que um confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas um lugar privilegiado para a misericórdia de Deus, que nos convida e encoraja a praticar o bem possível.

Comentários