No ano passado, por esta época, escrevi um artigo chamado
Poesia da Vida. Quem quiser, pode conferir neste blog, o que é sempre motivo de
alegria para mim. Partindo de uma canção de Luan Santana, passeei pelas 21
lições para o Século 21, de Yuval Harari, e terminei com uma pitada da ternura
insurgente de Mário Quintana. Vali-me ainda da distinção de Edgar Morin, de que
a vida pode ser prosa, aquilo que se faz por obrigação, ou poesia, o que nos
faz florescer e amar, e convidei a vivermos poeticamente.
Sempre reflito sobre o que digo e escrevo. Nunca esqueço que
sou o primeiro auditório de mim mesmo. Revisitando o texto, e pensando sobre o
contexto em que foi escrito, me dou conta de que naquele momento jamais
passaria na cabeça de ninguém que, pouco tempo depois, precisássemos tanto
buscar o lado poesia da vida.
Não lembro de ter sentido, em 2019, nem o cheirinho de
presságio nas previsões dos videntes de fim de ano, de que teríamos uma
pandemia nos meses seguintes. Agora, em mais um finalzinho de ano, que apesar
das vacinas ofertadas pela ciência em tempo recorde, não é sinônimo de
finalzinho da pandemia, penso em algumas lições aprendidas em 2020.
Distanciamento físico prolongado não é mole não. Gente
precisa ver gente, conversar com gente, tocar em gente. Por isso sofre tanto
com abstinência de abraço. Mas há de sofrer muito mais se não respeitar o
isolamento, e por insana irresponsabilidade, trouxer para si o vírus da doença,
levar para o próximo o vírus da morte.
Falando em morte, é devastador perder pessoas a quem queremos
bem, sem poder lhes dar o último adeus. Este ano não foram poucas. A notícia,
que a gente não queria ter, dada pela rede social. As condolências, igualmente
virtuais. A dor e o luto, estes sim, são reais.
Deixam cicatrizes na alma da gente. Mas se é preciso continuar tocando a
vida, que seja poeticamente.
Longe de mim ter a pretensão de dar a ninguém uma receita
para viver poeticamente, pois não a tenho. Mas sei muito bem que não é criar ou
compartilhar ilusões. Talvez seja, muito mais, seguir o que diz o poema de
Rilke, aquele que aparece antes dos créditos do Jojo Rabbit: “Deixe tudo acontecer
a você/ Beleza e terror/ Apenas continue/ Nenhum sentimento é final.” E para
continuar tocando a vida, tive e tenho novas experiências, no meu mundinho do
isolamento social.
Em casa, me porto como marido que ama a esposa, pai que adora
os filhos. Mas agora, estar todo mundo junto, mesmo que nem sempre reunido, não
é questão de gostar ou de querer, é o compulsório da vida. E por mais que cada
um tenha em que se ocupar, o tédio e o cansaço batem às portas do confinamento.
É preciso ter ainda mais atenção e cuidado com o que se passa com cada um de
nós.
Em casa, de professor que ama sala de aula, e juiz que se
sente realizado no fórum, me fiz professor e juiz de Google Meet e YouTube.
Aulas e audiências pelas telas são plenamente viáveis e vieram para ficar,
independente de pandemias. Mas aumentaram minha saudade e meu amor por
ambientes com gente, face a face com gente.
Em casa, a música tem sido outra companheira de todos os dias. Terminado o expediente, tiro o sax ou o clarinete do estojo, e toco para mim mesmo. No fim de semana, compartilho canções que me tocam o coração. Não que eu me ache um músico. Sei bem que não sou, da mesma forma que tenho blog, sem ser blogueiro, e canal no YouTube, sem ser youtuber.
Sei que tem muita gente boa ganhando a vida nessas e em outras mídias sociais. A mim, porém, faltam talento e vocação para viver de likes, e faço de tudo para não sofrer de carência deles. Tudo é por puro prazer. É compartilhar, de graça, o que de graça recebi. Lição que já tinha aprendido, mas que foi reforçada em 2020 e que, ao lado de outras, espero que me ajude em 2021, seja com beleza ou terror, pois não tenho a ilusão de que bastam fogos de fim de ano para virar a chave do mundo para a pós-pandemia.
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