Poesia da vida



Acho graça no refrão de uma canção de Luan Santana, em que a pessoa da música imagina como haverá de ser no ano 2050. Ele diz que pode ser um taxista de aeroporto, contando sua história a um garoto, falando de quando conheceu a mulher amada. Ele terá rugas no rosto, e uma foto dela no bolso. Então mostrará a foto àquele moço. Aí vem o refrão: “olha aqui a minha véia, torce pra você arranjar uma dessas, na vida isso é tudo o que interessa, minha melhor corrida foi pra ela, foi pra ela.”

Tenho minhas dúvidas se um jovem em 2050 se sentirá tocado pela história de amor do taxista e sua “véia.” Desconfio também se para um rapaz, no futuro, arranjar uma pessoa para viver até a velhice será tudo o que interessa na vida. Nem mesmo sei se até lá haverá taxista de aeroporto no mundo.
Em uma de suas lições para o século 21, Yuval Harari especula como pode ser o mundo do trabalho em 2050. Quando você crescer, diz aquele autor, talvez não tenha um emprego. O aprendizado de máquina e a robótica poderão transformar todas as formas de trabalho na face da terra. Se no passado as máquinas competiam com humanos em habilidades físicas, a partir de agora a concorrência vai ser com a inteligência artificial (IA).

O veículo autônomo, que já é uma realidade, pode ser aprimorado a ponto de vários carros autodirigidos serem conectados entre si. Estima-se, então, que a substituição de motoristas por essa rede de computadores possa reduzir em cerca de noventa por cento o número de pessoas mortas e feridas no trânsito, pois a grande maioria dos acidentes é causada por erro humano, desde alguém que bebe e dirige até quem dirige e digita mensagem no celular.

Mas não é só o trabalho do motorista que pode ser ameaçado. Algoritmos de aprendizagem e sensores biométricos poderão revolucionar a assistência médica, possibilitando o diagnóstico por aplicativo de celular. E como bilhões de médicos de IA poderão atualizar seus conhecimentos em fração de segundo, é provável, segundo Harari, que tenhamos um médico de IA em nosso smartfone, décadas antes de termos uma robô enfermeira confiável, pois para aplicar uma injeção ou trocar um curativo é preciso não apenas processamento de informação, mas habilidade motora e emocional.

É claro que essa mudança disruptiva no mercado de trabalho também vai gerar novos empregos ligados às novas tecnologias. Mas, como lembra o autor, muita gente poderá ter o destino não dos condutores de carroça do século XIX, que viraram taxistas, mas dos cavalos, que foram expulsos desse mercado. É possível, então, convivermos com o pior dos dois mundos, de desemprego em massa convivendo com escassez de mão de obra especializada. Poderemos, então, testemunhar o surgimento de uma legião de “inúteis”, cujo trabalho para muitas atividades produtivas será irrelevante.

Nesse cenário, não sei se o império da lei terá força suficiente para ajudar as pessoas a se reinventarem na fase de transição para o modelo de um mundo do pós-trabalho. As redes de proteção, já tão esgarçadas, serão ainda mais necessárias para atenuar os efeitos dessa reinvenção, na saúde física e mental de trabalhadores. Talvez seja preciso lançar mão de ideias novas, como ampliar a noção de emprego, com remuneração do trabalho de mãe e dona de casa, além de reforçar programas de renda básica universal.


Mais do que nunca, não apenas no mundo do trabalho, mas para todos os desafios que haveremos de enfrentar, o melhor caminho será gastar nosso tempo com a poesia da vida. Se a vida, como diz Edgar Morin, é polarizada entre a prosa, aquilo que se faz por obrigação, e a poesia, o que nos faz florescer e amar, é preciso aprender a viver poeticamente. E quando você se sentir sufocado por qualquer coisa que o impeça de fruir a poesia da vida, não é demais recitar o Poeminha do contra, de Mário Quintana:

“Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!”     


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