Obrigado pela carta e pela vida.

Anos atrás, recebi uma correspondência, dirigida ao Nosso Tempo, que me foi repassada pelo editor do jornal, e que trago a público agora. Na carta, datilografada e assinada, a remetente diz assim:

“Guarabira, 4 de julho de 2011.
Para o Jornal Nosso Tempo:

Lendo este jornal (edição de julho), deparei-me com o artigo, PONTO DE VISTA, da autoria de Antônio Cavalcante. Gostei muito do referido artigo por revelar uma profissão de fé de uma pessoa que teve pais cristãos que lhe transmitiram a fé cristã com seus valores. Esta pessoa cresceu, estudou, filosofou, teologizou, adquiriu status social e continua crendo e guardando com amor este tesouro herdado de nossos patriarcas e matriarcas. Quando tantos/as, depois de filosofar e teologizar, vendo que não conseguem ser Deus, saem gritando aos quatro ventos: ‘Não acredito mais em nada!’

Parabéns, Toinho, vá em frente e seja humilde, pois o Deus de nossos patriarcas e matriarcas encarnou-se, armou sua tenda no meio de nós e caminha conosco. Aquele que era-é-vem. YHWH. EMANUEL.

Toinho, (meu ex-aluno), seu artigo é uma página catequética útil para todos os lugares, tempos e culturas. Deus é silêncio, portanto, para falar sobre Ele é preciso silenciar e nos sentir bem pequeninos/as diante deste mistério insondável, diante do qual Moisés tirou as sandálias e cobriu o rosto com as mãos. Deus Uno e Trino! Mistério! Quem somos nós? Sua imagem e semelhança. Mistério!!!

Obrigada Nosso Tempo. Obrigada Toinho. Obrigada Leitores/as.

Irmã Antônia de Sousa Leal – Idpj.”

Não lembro mais a que artigo ela se referia. Não costumo arquivar cada um deles com as respectivas datas. Mas como os compartilho em meu blog, vi que no final do mês que recebi a carta, postei umas ideias que expus num café filosófico, sob o título “Deus existe? Sim ou não?” E em agosto do ano anterior, havia postado o texto “O Deus em que creio”. Mas seja qual for o artigo que ela gostou, o fato é que nunca esqueci da carta de Irmã Leal, que guardo como uma relíquia.

Ninguém pode ser dado realmente como virtuoso antes de completar a jornada da vida. Como seria a biografia de Paulo se ela parasse antes da conversão na estrada para Damasco? Ou a de Hitler, se terminasse na infância, quando sofreu pelo irmão que morreu de sarampo, aquele Hitler menino que, segundo dizem, pensava em ser padre?

Irmã Leal completou sua jornada. Como todo vivente, cumpriu sua sentença, para me valer das palavras de Chicó, do Auto da Compadecida. No caso de Irmã Leal, porém, a partida deste mundo não há de ser vista apenas como o encontro com o único mal irremediável, marca do nosso estranho destino sobre a terra, fato que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre, como diz o personagem de Ariano Suassuna.

No dia do seu sepultamento, depois de uma maratona de audiências, fui à missa de corpo presente. Em pé, perto da porta da igreja, pois não cabia todo mundo lá dentro, fiquei a maior parte do tempo conversando com o silêncio dentro de mim. Em volta, muitos rostos conhecidos, e mais gente que eu nunca tinha visto. Corpos, almas e espíritos não apenas comovidos, mas profundamente agradecidos, por terem convivido com alguém que nos ensinou, com seu testemunho de vida, o tesouro de fé, esperança e amor, herdado dos nossos patriarcas e matriarcas. E ali estávamos, pequeninos e em silêncio, diante do mistério insondável que nos faz crer que a vida vencerá, mesmo depois que cada um cumpre sua sentença nesta terra.

Obrigado, Irmã Leal, pela carta e pela vida. Nós é que lhe devemos eterna gratidão.

Comentários

  1. Parabéns, por mais esse reconhecido! És digno de os reconhecimentos e elogios recebidos. Postura social não abalou sua humildade! Um grande à você e sua família!

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