SPOILERS

Aberta a cortina, o coro anuncia o triste fim de Romeu e Julieta. Criados nos seios de duas casas de igual valor, as dos Capuleto e Montecchio, os amantes de Verona, nascidos com má estrela, haverão de morrer ao final. Só a morte enterrará o ódio e a luta entre as famílias inimigas.

Começar uma história antecipando o seu desenlace pode parecer absurdo. Não deveria o coro levantar uma tabuleta de alerta de spoiler? Mas na peça de Shakespeare, assim como na vida, todo mundo está cansado de saber o que nos espera no final, embora muita gente prefira fazer de conta que não sabe.

Na peça, muita coisa acontece entre o prólogo e o trágico final anunciado. Por isso o coro pede paciência para vermos esses acontecimentos se desenrolarem, em duas horas de espetáculo. Diante de nossos olhos desvelam-se os lances de hostilidade entre as duas famílias, e a desditosa história de amor de Romeu e Julieta.

Ele, um Montecchio, depois de suspirar por Rosalina, de repente muda o rumo de sua vida ao conhecer Julieta. Como o primeiro encontro é num baile de máscaras, os jovens desconhecem suas origens. Mas depois que sabem quem realmente são, chegam a imaginar que sua união pode levar suas famílias a se entenderem.

Depois vêm os principais eventos, bastante conhecidos. O casamento secreto realizado pelo Frei Lourenço, mesmo Julieta estando prometida ao nobre Páris; o duelo de Romeu com Teobaldo, primo de Julieta, e a condenação de Romeu ao exílio; após a noite de amor do casal, às escondidas, a ideia do Frei Lourenço para ajudá-los: uma poção que faz a moça parecer morta, para ser resgatada pelo amado. Como a carta do frade informando do plano não chega a Romeu, este pensa que Julieta está morta, compra um poderoso veneno, vai à cripta onde ela repousa e lá encontra Páris. Os rapazes lutam e Páris é morto por Romeu. Este toma o veneno e morre. Ao despertar e perceber que Romeu tomou veneno, Julieta se mata com o punhal do amado.

Diante da tragédia, os patriarcas Capuleto e Montecchio dão-se as mãos perante o Príncipe da cidade. Os dotes são a paz e as estátuas de ouro para imortalizar os amantes de Verona. Aquela tragédia, como resume o Príncipe, levou a uma paz triste, naquela manhã em que o sol nem quis se levantar. Na cidade, diz o governante, alguns terão perdão, outros castigo, e de tudo aquilo muito haverá o que falar. Da mais triste história que jamais aconteceu, aquela entre Julieta e seu Romeu.

Como amante de algumas histórias, seja em peças, séries ou filmes, também me irrita o tal do spoiler. Não é agradável assistir a um filme, seja de duas ou três horas, com alguém perto dizendo o que vai acontecer, tanto quanto pode não ser cativante alguém escrever sobre detalhes de uma trama, como eu fiz com a de Romeu e Julieta.

Às vezes, porém, o mais importante não é preservar a surpresa com o final da história ou não saber antecipadamente os detalhes do enredo. Não fosse assim, remakes de filmes clássicos e live-actions de desenhos animados estariam fadados ao fracasso. Além disso, a genialidade de Shakespeare, no caso de Romeu e Julieta, não foi criar uma história original, pois ela já tinha sido contada de outras formas, mas no uso que o autor faz da trama, transformando tudo em doloroso conflito entre o ódio e o amor, como lembra Bárbara Heliodora.

Também na vida real, saber que no final a morte é certa não deve ser para nós um spoiler angustiante. Essa certeza não deve estragar o prazer da nossa atuação entre o abrir e o fechar das cortinas. Talvez por isso seja bom não saber detalhes de quando, onde e como será a última cena, ou do roteiro que cumpriremos até lá. Deus, o único que de tudo sabe, do seu trono de amor, não nos aflige dando spoilers de nossa vida. E quanto aos soberanos desta terra, com seus dragões, tronos e bancos de ferro, nunca teremos garantia que conquistarão seus súditos por amor ou pelo medo.

Mesmo sabendo que o roteiro de nossa vida não nos pertence integralmente, se somos relativamente livres e racionais, não havemos de esperar inertes a morte trágica do amor perante o ódio. E que a nossa paz seja fruto da justiça, não uma paz triste, extraída do ventre estéril do remorso ou construída sobre as cinzas do fogo do dragão.



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