Enfim sós?


            
Corre por aí um zunzunzum que, virada a página da reforma, virá a revolução trabalhista. Sem as amarras da lei e do sindicato, patrão e empregado, numa inusitada lua de mel em que ninguém meterá a colher, estarão livres para negociar condições de trabalho. Então o Brasil deixará de ser um país velho e corporativo, para seguir seu rumo ao eldorado do pleno emprego.
            
No cenário idílico, pintado pelos arautos da revolução, não há espaço para a Justiça do Trabalho. Dizem que ela custa bilhões de reais aos contribuintes e não dá o retorno esperado. Acusam-na de ter um dos pratos da balança que pende mais para o trabalhador. Argumentam que se os conflitos do trabalho forem solucionados no seu nascedouro, por comissões internas de empregados nas empresas, por exemplo, ela não será mais necessária.
            
Dos poucos que me restam, meus cabelos brancos não me deixam eufórico com o anúncio dessa revolução. No meu abecedário de direito trabalhista ainda não se apagou a surrada lição de Lacordaire, de que entre o fraco e o forte, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza e a lei que liberta. Quando se trata de direitos de igualdade, não vejo como curar feridas sociais com overdose de liberdade. Também não tenho medo de discutir, de peito aberto, se a Justiça do Trabalho é sem futuro.
            
Vejamos alguns números da nossa Justiça, com base no Justiça em Números 2018. O tempo médio de uma sentença foi de onze meses. Em outras esferas judiciais, perto de quatro anos. Como os outros ramos do Judiciário brasileiro, arrecadamos menos do que gastamos. Mas o acesso à justiça deve ser visto como direito de cidadania ou item do balanço contábil de uma empresa? Por outro lado, a despesa média com pessoal de nossa Vara foi de menos de nove reais por habitante, enquanto foram pagos quase quatro milhões de reais aos jurisdicionados, dinheiro que certamente ajudou a movimentar a economia da região.
            
Campeã em celeridade, a Justiça do Trabalho ainda é uma das mais acessíveis a quem dela precisa. Não por acaso, quando esteve no Senado, antes da aprovação da reforma trabalhista, o Ministro Maurício Godinho Delgado, apreensivo com as mudanças da lei que poderiam dificultar o acesso à justiça, apelou aos parlamentares: Não tirem a Justiça do Trabalho dos pobres!
            
Numa jornada de formação para juízes e servidores do nosso Tribunal, o Juiz Mauro Schiavi, que relatou essa fala do Ministro, disse não cogitar do fim da Justiça do Trabalho nas próximas décadas. Uma das razões, segundo ele, é que juízes de outras áreas não querem julgar matéria trabalhista. Falou ainda que existe Justiça do Trabalho mesmo em países que não precisam tanto dela. E nos contou dois casos da Justiça do Trabalho da Escócia e da Suécia.

A Presidente do Tribunal do Trabalho da Escócia veio a São Paulo, onde assistiu a algumas audiências. Depois, numa conferência para os juízes daqui, um dos presentes perguntou qual a impressão dela sobre o que tinha visto, crente de que ela tivesse gostado. Ela disse que ficou horrorizada com tanto tempo gasto pelos juízes para tomar depoimentos em audiência. Em seu país, disse ela, quase não é preciso ouvir testemunhas, pois as partes costumam falar a verdade. 
            
Doutra feita, professores brasileiros foram assistir a uma audiência na Suécia. Na ocasião, excepcionalmente, houve depoimentos das partes e testemunhas, pois o caso envolvia assédio moral. Feita a instrução, o juiz deu a sentença e condenou a empresa em determinada quantia. Qual foi a surpresa dos professores quando, encerrada a audiência, o representante da empresa preencheu um cheque e fez o pagamento à outra parte. Mas como?! Já pagou?! E não vão recorrer?! Aprenderam, então, que a mentalidade lá é outra. Se a decisão foi dada pela autoridade judicial com base na prova dos autos, por que não pagar logo o que se deve, em vez de eternizar o processo?

Teremos muito chão pela frente até chegarmos a esse padrão. Ainda gastaremos muita energia vital ouvindo depoimentos, na busca de uma versão coerente dos fatos. Decisões de primeira instância permanecerão como ritos de passagem, e continuaremos sendo uma instituição com muitos defeitos a corrigir. No entanto, haveremos de sobreviver como uma Justiça popular, casa de conciliação e resolução de conflitos trabalhistas com celeridade e eficácia. Fechar nossas portas, para deixar patrão e empregado a portas fechadas, no seu enfim sós, não será solução aqui, como não é na Escócia ou na Suécia. 

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