Pelo direito e pela justiça




Um versículo do livro do profeta Isaías, mais uma vez, inspira a Campanha da Fraternidade. Serás libertado pelo direito e pela justiça. Esta é a mensagem que se faz mote este ano, na tentativa de tocar corações e mentes. O propósito é arrebatar pessoas para a construção de políticas públicas, vistas como ações e programas desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos fundamentais à plena cidadania, sob a luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja.
O versículo do qual se extrai a mensagem diz que Sião será libertada pelo direito, e seus convertidos, pela justiça. Em algumas variantes do texto, a expressão “libertada” é substituída por salva, redimida ou resgatada; a palavra “direito”, por equidade ou retidão, enquanto o termo “convertidos” aparece como cativos ou retornantes.

Sião é referida no texto como a cidade fiel que se degenerou. Seus chefes tornaram-se corruptos que correm atrás de suborno e não fazem justiça aos órfãos. A causa das viúvas jamais chega às suas mãos. Com o povo sofrendo injustiças, a religião se torna devoção vazia. De que valem as mãos postas, manchadas pela lama da corrupção e pelo sangue de inocentes? Por isso a salvação, como diz o oráculo de Isaías, não há de ser feita pelo culto, mas pela prática do direito e da justiça.
Pelo que se pode colher do livro que leva seu nome, Isaías viveu em Jerusalém, tendo iniciado sua missão profética há mais de setecentos anos antes de Cristo. Estava ele no templo, quando teve a visão do Senhor sentado num trono majestoso, rodeado de serafins de seis asas, que exclamavam: Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos; a terra inteira está cheia de sua glória. “Ai de mim”, disse o profeta. “Estou perdido! Eu, homem de lábios impuros que habito no meio de um povo de lábios impuros, vi com meus olhos o Rei e Senhor dos exércitos.”

Naquele instante, um dos anjos da primeira hierarquia voou em sua direção, segurando, com uma tenaz, uma brasa tirada do altar, com a qual tocou-lhe os lábios. Disse a ele que sua culpa havia sido tirada, e seu pecado, perdoado. Envolto naquela experiência transcendental, Isaías ouviu a voz do Senhor que dizia: “A quem enviarei? Quem irá por nós?” E ele respondeu: “Eis-me aqui, envia-me a mim.”

Filho de Amós – não o outro profeta, pastor de Técua, vaqueiro e cultivador de sicômoros, mas alguém com idêntico nome – Isaías era casado e pai de dois filhos. Talvez fosse de família aristocrática, como observam alguns comentaristas, o que se atribui ao fato de ter ele fácil acesso a membros da Corte. Nem por isso, em sua atividade profética, poupou os poderosos de então, como grandes responsáveis pela crise política, moral e religiosa que afligia o povo de Deus.

Mais do que adivinhos, profetas são homens e mulheres de Deus. Seus lábios não apenas denunciam a injustiça presente e anunciam o futuro, mas proclamam uma palavra poderosa, capaz de transformar a realidade. Isso não quer dizer que não haja relação entre profecia e vaticínio. Sobre a relação entre adivinhação e profecia, José Luis Sicre observa que esta se insere humanamente no âmbito do enigma do presente e da preocupação com o que há de vir. Se no desembarque da Normandia, os “adivinhos” foram os meteorologistas, em muitos jornais e revistas de hoje, o horóscopo, com seus quatro segmentos, amor, trabalho, saúde e dinheiro, é lido por muitos, não por acreditarem no que está escrito, mas por mexer com a previsão do futuro, o que é apaixonante para o ser humano.

Fazer ecoar o oráculo do profeta, no Brasil em que vivemos, mais do que fazer um prognóstico do que nos espera, é levar a sério o que disse Isaías: “Escutai, ó céus! Atenção, terra, é o Senhor quem fala!” E como diz o texto base da Campanha da Fraternidade, “é preciso acordar nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina.” Se os pobres de Sião, no tempo do profeta, eram os órfãos e as viúvas, hoje são todos os socialmente vulneráveis, muitos deles vítimas do descaso e da corrupção de quem tem a responsabilidade pela condução das políticas públicas. Uma intervenção efetiva na solução de problemas que os afligem é um caminho para libertação pelo direito e pela justiça.

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