Reforma trabalhista: lei, direito e justiça.

Reler meus escritos de tempos atrás é como olhar fotografias antigas. Numa delas, lá estou eu, com vinte e poucos anos de esperanças, inseguranças e incertezas, cabelos e mocidade que se foram com o fluir da vida. Mas aquele rapaz da foto não deixa de ser eu, tal qual o que escrevi ainda é parte de mim.

Em meu primeiro livro, Direito, mito e metáfora: os lírios não nascem da lei, ao refletir sobre o grande números de leis no Brasil, observava que havia em nosso país, segundo estimativa da época, cerca de meio milhão de normas escritas, entre leis, decretos e regulamentos. Contando apenas as leis federais, eram quase dez mil.

É certo, como nos diz Norberto Bobbio, que “a nossa vida se desenvolve em um mundo de normas. Acreditamos ser livres, mas na realidade estamos envoltos em uma rede muito espessa de regras de conduta que, desde o nascimento até a morte, dirigem nesta ou naquela direção as nossas ações.” Mas quando esse mundo tem normas demais, algumas feitas sem o devido cuidado, e outras, para não se cumprir, fica ainda mais difícil a vida que nele se desenvolve.

No Brasil, há lei para quase tudo no mundo. Enquanto eu escrevia o Direito, mito e metáfora, fizeram uma lei obrigando todo motorista a portar em seu carro, “dois rolos de ataduras de crepe; um rolo pequeno de esparadrapo; dois pacotes de gaze; uma bandagem de tecido de algodão do tipo bandagem triangular; dois pares de luvas de procedimento e uma tesoura de ponta romba.” Comprei o kit só por medo da multa, pois todos sabiam que ele era imprestável para o que diziam servir. Quatro meses depois, revogaram a lei, e eu, como muitos, fiquei com cara de tacho, sem ter o que fazer com a tal ponta romba.

Alguns anos depois, escrevi o Bem-vindo ao direito do trabalho. Na época, alguns juristas queriam acabar com o Direito do Trabalho. Defendiam sua reabsorção pelo Direito Civil, como se pudessem enfiar o ovo de volta, cloaca adentro da galinha. Renegavam um direito construído com suor e sangue, um direito dos pobres, para me valer de uma expressão de Gustavo Gutiérrez, direito que não germinara no solo neoliberal, não concebido a partir de uma suposta igualdade formal, que não existe de fato na sociedade, muito menos na relação entre capital e trabalho.

Meu primeiro livro está prestes a fazer dezoito anos, e nossas leis já ultrapassam a casa de treze mil. Neste treze de julho, veio a lume a da reforma trabalhista, que ainda não vige, mas valerá a partir de novembro, festejada por alguns e criticada por muitos, inclusive por mim. Por mais que eu tenha boa vontade ao dela me aproximar, por mais que procure fazer com que meus preconceitos não me turvem o olhar para o que de bom ela possa conter, não vejo, na sua essência, como ela pode se prestar para o que dizem servir.

Contudo, se uns remendos a mais no tecido da septuagenária CLT, com ares de novidades neoliberalizantes, não serão capazes de modernizar o que precisa ser
modernizado, ofertar trabalho decente, nem reduzir litígios trabalhistas, também não serão, a meu ver, causa da morte do Direito do Trabalho, nem do Judiciário Trabalhista.

Por pior que seja uma lei, seus resultados dependerão do que poderemos fazer com ela. Num país de muitas leis e pouco direito, é preciso defender o depósito de fé na justiça, não como algo abstrato e distante, mas como ação concreta e cotidiana de homens e mulheres, que sabem que a lei não deve ser idolatrada como um bezerro de outro, mas ser instrumento a serviço da vida.

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