Reforma trabalhista: parte 1

Café com bolo.


Na manhã de domingo, recebi um telefonema que me trouxe alegria. Uma freira, a quem quero muito bem, disse que iria à nossa casa me entregar um cartão de Páscoa. Pensando em agradá-la, saí para ver alguma coisa que incrementasse o café. Na casa do bolo, ao comprar dois bons pedaços do que havia no balcão, o dono do comércio, após dizer que lia meus artigos, perguntou-me sobre a reforma trabalhista. Como meu pensamento só atinava para o café em minha casa, e eu tinha sido convidado para, no dia seguinte, dar uma entrevista sobre o tema, respondi-lhe que ele poderia ouvir o programa da rádio, para se inteirar do assunto. De volta à casa, a religiosa já tinha chegado e, para minha surpresa, além do cartão, sabe o que a irmã me trouxe? Outro bolo, daquele que ela sabe que eu gosto. Tivesse eu adivinhado, nosso café de Páscoa não tinha sido com tanto bolo. Na ocasião, além de outros assuntos, falei da pergunta do comerciante, sobre o tema que tem inquietado muita gente.
         
O governo quer porque quer mudar a legislação trabalhista, a toque de caixa. Para se ter uma ideia, o projeto foi apresentado à Câmara dos Deputados em 23 de dezembro do ano passado. Enquanto todos entrávamos no espírito do Natal, o Chefe do Executivo enviava ao Parlamento uma proposta para mudar mais de cem artigos da CLT. E no início de fevereiro, foi formada uma comissão para elaborar o parecer, apresentado na primeira quinzena de abril. Não bastasse a correria para reformar a lei trabalhista, acabaram aprovando a urgência na tramitação do projeto.
         
O texto do parecer tem mais de cem páginas. Afirma, no relatório, que o projeto pretende aprimorar as relações de trabalho no Brasil, valorizando a negociação coletiva. Diz ainda que,  para democratizar o debate, a comissão ouviu todas as partes envolvidas, disponibilizou acesso pela internet, realizou audiências públicas e outros eventos, entre a segunda metade de fevereiro e o início do mês de abril.
         
Alguém, por acaso, viu a grande mídia, nesses menos de dois meses, dar realce às discussões sobre reforma trabalhista? Posso até estar enganado, mas acho que nesse período os destaques foram os das escolas de samba, da seleção canarinho e do Big Brother Brasil, substituídos nestes dias pela ladainha das delações da Lava Jato, ilustrada por aquela tubulação despejando dinheiro sujo, noite e dia, na tela da TV. Afinal, se somos o País do Carnaval, do Futebol, do BBB e Lava Jato – esta, pelo que soube, vai parar na netflix –, para que ressaltar os direitos dos trabalhadores, para muitos, tão irrelevantes?
         
Até na Academia temos em pouca conta o Direito do Trabalho. Desde meus tempos de universitário, dizem que a espinha dorsal do curso tem de ser o Direito Civil, por ser comum a todos. Enquanto poucos prestigiamos o Direito do Trabalho, dedicamos sete semestres àquele direito. Não quero desmerecer o Direito Civil, mas duvido que alguns de seus domínios, como propriedade e posse de bens, herança e testamento, sejam direitos que interessam a muita gente, tanto quanto o salário, a jornada e a saúde no trabalho.         
Por isso, penso ser relevante a discussão sobre o que pode mudar nas relações de trabalho e na vida das pessoas, se for aprovada a reforma, embora o tempo não seja o mais favorável para quem vê o Direito do Trabalho como depósito de fé na realização da justiça. Sinto-me como um aeronauta cuja voz só é ouvida quando cai um avião. Mas ainda que algumas tragédias nos direitos trabalhistas pareçam inevitáveis, pior é fazer como os personagens de um cordel, que meu pai gostava muito, e dele eu herdei o gostar.
         
Nas palhaçadas de Biu, folheto de Manoel Camilo dos Santos, Zé Gibão tem um filho solteiro, justamente o dito Biu, que ficava encabulado quando via moça de perto. Certo dia, porém, ao vender carne na feira, apaixonou-se pela moça do sobrado. Ela, filha do prefeito, nem de longe correspondia ao enlevo do rapaz. Este, porém, convenceu o pai a irem à casa da moça, para ajustar o casamento. O prefeito, depois de saber que era da filha Nazaré que Biu dizia ser o pretendente, e ouvir dela que nunca viu aquele “timote”, mandou um recado ao tenente, para lhe mandar ordenanças. É quando Biu pergunta a Zé Gibão se ordenança é soldado, e o pai diz que é bolo. Ele pensava que o prefeito tinha mandado fazer café e buscar o bolo na casa do tenente. Mas quando chega a polícia, um soldado agarra Biu e dana-lhe um pontapé, o rapaz diz a Gibão: "Taí mô pai, café com bolo o que é."
           
Peço a Deus que me permita continuar a escrever sobre a reforma que se anuncia, ao menos para que muita gente não se espante, como Biu e Zé Gibão, que só quando sentiram as lamboradas no lombo, ficaram sabendo, “café com bolo o que é”.

                                                                                                         



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