Foi só o cardeal Bergoglio tornar-se Papa, e
Francisco virou nome doce na boca da grande mídia. Francisco pr'aqui,
Francisco pr'acolá, Francisco isto, Francisco aquilo... Certo que o
Pontífice representa a novidade. Primeiro Papa sul-americano, primeiro jesuíta, primeiro Francisco. Não bastasse
isso, suas expressões de simplicidade e ternura cativaram o mundo já na
primeira impressão.
Como católico, fiquei radiante com a escolha do
novo sucessor de Pedro – graças a Deus o Espírito sopra onde quer e, ungindo o
cardeal argentino, fez muito vaticanista errar feio nos prognósticos –, e
também fiquei empolgado com o retumbante badalejar midiático decorrente dessa
escolha. Mas é sensato não esquecer as armadilhas que uma midiatização tão
grande pode esconder.
Numa renomada revista brasileira, por exemplo, a
manchete da principal reportagem sobre “Francisco, o simples”, diz que a
“Igreja Católica tenta voltar à essência, com a eleição de um pastor de alma
modesta para cuidar do seu rebanho ameaçado pelo laicismo e dar fim às ovelhas
sujas”. Todavia, como ovelha desse rebanho, não me sinto nem um pouco
atemorizado pelo laicismo, nem acho que ele seja ameaça para nossa Igreja. Pior
ainda é sugerir que o papel de um bom pastor seja “dar fim às ovelhas sujas.”
Afora produzir manchetes desse tipo, a grande
mídia contribui para hiperdimensionar expectativas de pessoas, grupos e
povos, cujos problemas não podem ser resolvidos somente pela Igreja, muito
menos por um Papa, por mais santo que seja, ainda que ele tenha escolhido, como
inspiração para seu Pontificado, a vida do grande Santo de Assis.
Francisco de Assis foi uma das luzes da Igreja
medieval, o que desmente o clichê de que aquela Idade foi das trevas, pois
assim como o ser humano, todas as eras são marcadas por sombras, penumbra e
luz. Nascido em berço de ouro, Francisco, como lembra Jacques Le Goff,
desfrutava seus dias de juventude “nos divertimentos de seu tempo, nada mais:
nos jogos, no ócio, nos bate-papos, nas canções, e em matéria de roupas andava
sempre na moda.” Mas convertido por um chamado dos céus, fez-se pobre por opção
e despiu-se literalmente de tudo, propondo ao mundo um único caminho, Jesus
Cristo, e um único projeto de vida: “seguir nu o Cristo nu”.
Na construção desse projeto, Francisco, que na
perspectiva eclesial era um leigo, teve de enfrentar conflitos e
incompreensões, sendo visto por muitos como um louco. Afinal, o que se podia
pensar de alguém que cantava louvores ao irmão Sol, à irmã Lua, ao irmão Vento,
ao irmão Fogo, à mãe Terra e até à irmã Morte?
E o que dizer de quem não teve repugnância de beijar o leproso?
Talvez por isso, Inocêncio III, chefe de uma
hierarquia acostumada a muita pompa, tenha sido hostil à primeira visita de
Francisco e seus seguidores maltrapilhos. Na cabeça coroada do Papa, aquele
leigo esfarrapado, pregando o seguimento radical a Cristo, não estaria no
caminho da heresia? Daí que só depois da intercessão de outros líderes da
Igreja, o Pontífice abrandou o coração para levar Francisco a sério, principalmente
depois que ouviu de um cardeal a seguinte questão: “Se rejeitarmos o pedido
desse pobre sob tal pretexto, isso não será afirmar que o Evangelho é
impraticável e blasfemar contra Cristo, seu autor?”
É inspirado na vida desse santo, que o novo Papa
propõe uma Igreja pobre para os pobres. Mas será que os ricos aceitam, como
Francisco de Assis, tornar-se pobres por opção, para que os miseráveis cheguem
ao menos a ser pobres? E nós estamos dispostos a repartir melhor as riquezas da
irmã terra, que são limitadas e deveriam saciar as necessidades de todos?
Tomemos um exemplo nosso. Reduzir desigualdades
regionais é desejo guardado na Constituição, mas quando se fala em distribuir
os ganhos do pré-sal, cada qual só pensa no seu cada qual. Se é assim entre
irmãos, o que se pode esperar da partilha dos bens entre diferentes povos do
mundo, no qual a fortuna de uns se sustenta sobre a miséria de tantos? E a
grande mídia, que se nutre de grande audiência e grande patrocínio, vai aderir
a um projeto verdadeiramente franciscano para o mundo, se para isso tiver de se
voltar contra interesses de quem lhe dá de comer?
Não creio que esse cenário pode ser mudado com a
velha falácia de que é preciso primeiro esperar o bolo crescer para só depois
dividir melhor as fatias. Remédio para a miséria não é a miragem de uma
prosperidade que não pode chegar para todos, mas justiça e fraternidade já. Sei
também que pequenos gestos de simplicidade e ternura não bastam para converter
o mundo. Desde os tempos medievais brilha a luz franciscana, acesa no Círio
Pascal de Jesus Cristo, e nem por isso o mundo conseguiu se livrar
completamente das trevas. Mas se um Papa se propõe a tocar a barca de Pedro,
guiado pelo farol de Francisco, isso não deixa de ser um sinal de esperança.
Excelente texto Antônio... Concordo demais com as considerações e, como católico que também sou, estou igualmente esperançoso com quem hoje nos representa no Vaticano...
ResponderExcluirPaz e Bem! E uma Páscoa (sobretudo no seu Domingo) - muito feliz...