A sabedoria de Agur


Ó Deus, eu Te peço apenas duas coisas para a minha vida nesta Terra: não me deixes ser um mentiroso! Este é o primeiro pedido. Além disso, não me deixes ficar nem muito rico nem muito pobre! Dá-me somente aquilo de que realmente preciso. Eu não quero ser ingrato, confiando somente nas riquezas e Te deixando de lado; também não quero ficar tão desesperado por causa da pobreza a ponto de me tornar um ladrão e manchar o Teu santo nome.

Como parece atual a oração de Agur! De forma simples e sábia, característica do livro dos Provérbios, no qual está contida (Pr 30, 7-9), ela toca em questões fundamentais nos dias de hoje: a tentação da mentira e os perigos da riqueza supérflua e da pobreza aviltante.

Mentir, segundo Santo Agostinho, é dizer o que é falso com a intenção de enganar. A mentira ─ ensina o Catecismo da Igreja Católica ─ é profanação da palavra, cuja finalidade é comunicar às pessoas a verdade conhecida. Quando alguém ludibria o outro, comete contra este uma violência, pois “o fere em sua capacidade de conhecer, que é a condição de todo juízo e de toda decisão.” Com isso, atenta contra a liberdade e a dignidade da pessoa, vez que retira dela o direito de formar retamente o convencimento e agir com base em informações verdadeiras. Além disso, a mentira abala a confiança, destruindo a teia das relações entre as pessoas e a união destas com o próprio Deus.

No mundo em que vivemos, a mentira toma formas sofisticadas e, para muitos, torna-se banal, principalmente quando dela se pode tirar alguma vantagem. Ela se faz presente na venda efetuada com base em propaganda enganosa; na prestação de contas de maus gestores públicos e seus cúmplices, feitas como álibis contábeis da corrupção; nos discursos eleitoreiros de quem promete sem estar disposto a cumprir o prometido; na hipocrisia do pregador que ao dar seu testemunho descamba para o exibicionismo. Sendo assim, faz sentido ainda hoje pedirmos a Deus que não nos deixe dominar pela tentação da mentira, e que nos dê força para testemunhar a verdade. Obviamente, falar a verdade não significa sair por aí provocando escândalo, ferindo a discrição ou revelando segredos dos outros, haja vista que, como lembra o Catecismo, “ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de conhecê-la.”

Se o primeiro pedido de Agur é importante, o segundo se reveste de sabedoria ainda mais profunda, constituindo-se na essência de toda boa oração: pedir que Deus nos dê aquilo de que precisamos; nem mais, nem menos. Conta-se que Platão teria se referido à seguinte prece de um antigo poeta, como a melhor maneira de nós mortais, que não temos a plena visão das coisas, rogarmos à divindade: “dá-nos aquilo que é melhor para nós, quer estejamos pedindo ou não; mas afasta de nós o que for mal, mesmo que seja algo pelo qual estejamos implorando.” Quanto a riqueza e a pobreza extremas, que podem ou nos tornar ingratos e confiantes apenas no dinheiro, ou nos fazer manchar o santo nome de Deus, essa questão tem a ver com o que nos propõe a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano.

Economia e vida: vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6,24). Nesta Campanha, somos chamados a colaborar na promoção de uma economia a serviço da vida, para que todos contribuam na construção do bem comum em vista de uma sociedade sem exclusão. Somos alertados ainda quanto ao perigo da ganância, pois “não é pelo fato de um homem ser rico que ele tem a vida garantida pelos seus bens” (Lc 12,15). A pobreza, por outro lado, seja material, intelectual, afetiva ou espiritual, não pode ser vista como fatalidade. É preciso organização e solidariedade para superá-la, para que todos possam desfrutar dos bens produzidos socialmente. Também é preciso combater a cultura do consumismo, em que tudo se torna mercadoria, até a religião – que o digam os abusos cometidos em nome da teologia da prosperidade! Afinal de contas, se tudo o que temos é dádiva, esta jamais pode ser comprada ou paga com dinheiro, mas simplesmente acolhida com gratidão, e agradecer é diferente de pagar.

Assim sendo, como diz a oração da Campanha, devemos reconhecer Deus como criador, do qual tudo nos vem, e O louvarmos pela beleza e perfeição de tudo que existe como dádiva gratuita para a vida. Devemos ainda compreender que a Boa Nova que vem de Deus é amor, compromisso e partilha entre todos; reconhecer nossos pecados de omissão diante das injustiças que causam exclusão social e miséria, além de pedir as bênçãos divinas para os que trabalham na promoção do bem comum e na condução de uma economia a serviço da vida. E que Deus nos dê um pouco da sabedoria de Agur.

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