tag:blogger.com,1999:blog-82877293302384241512024-03-14T11:17:51.545-07:00Mitos e metáforasMitos são narrativas simbólicas, recriações da realidade; metáforas são tentativas de expressar essas recriações. Mitos e metáforas...Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.comBlogger261125tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-68476957774234677542024-03-02T07:59:00.000-08:002024-03-02T07:59:13.571-08:00Folia filosófica: diga não à Síndrome de Caim!<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhi2sD9MxgXPVrP0Ue4pNO9fNu-odseo9Z4ihYdrJL4LW0KUwpe70g_VkDyYjyAm5f1txYkghszOBI1MHTKOorKUZ3B4ERjelVESiiShV32YT9o_4QY-vZV_uoRgL7xapwlG3n6jjwFwZ4yHWVbuSTniEYzpBEmKz129Y9qTRnai-hlSqjlBbeyZe4odHI/s4000/Folia%20filos%C3%B3fica%20blog.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhi2sD9MxgXPVrP0Ue4pNO9fNu-odseo9Z4ihYdrJL4LW0KUwpe70g_VkDyYjyAm5f1txYkghszOBI1MHTKOorKUZ3B4ERjelVESiiShV32YT9o_4QY-vZV_uoRgL7xapwlG3n6jjwFwZ4yHWVbuSTniEYzpBEmKz129Y9qTRnai-hlSqjlBbeyZe4odHI/s320/Folia%20filos%C3%B3fica%20blog.jpg" width="320" /></a></div><br />
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">
Sou daqueles que tiram o carnaval para descansar. Mas nesses dias não abro mão de encontrar com pessoas que quero bem. Livre do corre-corre da vida, dá para a gente saber mais do que se passa com o outro, e degustar não só comes e bebes, mas boas histórias de ontem e de hoje, especialmente de quem continua amando a gente na folia da eternidade.
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Nesses momentos também não vejo mal em falar um pouco da vida alheia. O que sou contra, como dizia Ariano Suassuna, é falar dos outros pela frente: “falar mal pela frente constrange quem ouve, constrange quem fala. Não custa nada a gente esperar um pouco as pessoas darem as costas.”
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Cabem ainda os comentários sobre os costumes:
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– Já não se fazem padres como antigamente. Vocês viram o que veio cantar na festa da padroeira? Achou pouco levar um dinheirão da Prefeitura, e ainda se apresentou com aquela calça arrochada demais! Valha-me Deus! Parecia mais um cantor sertanejo. Acho que nem missa ele sabe mais celebrar!
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– Não diga besteira! O show dele foi maravilhoso! Era tanta gente emocionada e chorando! Aquilo, sim, foi um espetáculo de louvor e evangelização!
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Vez por outra a conversa envereda para o papo cabeça de análise de conjuntura ou como botar o mundo nos eixos. E melhorar o mundo passa pela educação escolar. Mas nem todo mundo acha bom o que vê nas escolas:
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– A gente que é professor agora tem de ser babá de aluno! Aguentar calado tudo o que eles querem fazer.
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– Como assim?
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– A moda agora é dizer que eles são os protagonistas! Até as músicas para o acolhimento eles escolhem! E algumas, não tem cristão que aguente! E tem mais. É pra ficar o tempo todo com eles! Nem na hora do almoço a gente pode sair de perto!
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– Mas e o intervalo de vocês? Não é pra trabalhar no máximo oito horas?
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– Tem disso não! Inda mais pra quem é prestador de serviço e tem medo de perder o emprego! Com a tal da Pedagogia da Presença, a gente também tem de ser tutor!
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Mesmo não tendo pesquisado a fundo o tema – e sabendo que Filosofia e Pedagogia da Presença não são de hoje –, penso que não se pode confundir presença com marcação cerrada. Ficar pra lá e pra cá com alguém não quer dizer que um educador, seja em casa ou na escola, está realmente presente a seu lado. Pode até ser pedagogia do faz de conta ou assédio.
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Lembro de um encontro religioso de que participei. Até para ir ao banheiro tinha que outra pessoa acompanhar. Ficava lá, do lado de fora, esperando a gente fazer as necessidades. Imagine quem tem intestino preso. Ainda que sentisse um pedaço do céu no momento de louvor, quando ia ao sanitário com alguém esperando na porta era mesmo que estar no inferno.
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Mas voltando às conversas sobre educação:
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– Outra coisa que vai deixar a gente nas mãos dos alunos é o Pé-de-Meia.
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– Sinceramente, não vejo problema com esse programa do governo. A intenção é manter o aluno na escola, evitar evasão.
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– Até concordo que isso vai ser bom para quem quer estudar. Mas pra quem não quer e precisa comprovar a frequência pra receber o dinheiro! Eu que não vou botar falta em ninguém pra não me complicar.
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Conversa boa, tempo que voa! Aprendi muito na folia filosófica com pessoas que quero bem, mesmo discordando de muita coisa. Amar não depende de sempre concordar com quem se ama, nem pensar diferente deve causar malquerença. E todo cuidado é pouco para não deixar o ódio habitar o coração, às vezes movido pela polarização, nem permitir que ele se feche pela indiferença. É preciso dizer não à Síndrome de Caim. Como lembra a Campanha da Fraternidade, sobre amizade social, Caim não apenas matou o irmão, mas fez de conta que nada tinha acontecido.</span></div><p></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-62148890137666096932024-01-29T15:21:00.000-08:002024-01-29T15:21:41.023-08:00 No banco do penitente, sem medo de acreditar na bondade.<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPwi0xjt2iHlFqlhxkvwAHKiQodoUpGsW7A9YQ7SCOY3UDnH1T41mlUI9vzooJCuV8ft5qb2lQtLC1fjREOOJt5n8fEONFzlN_rsknhBGsJpPleNN443wDnkvNjJFlq2AtXU4oHkSmj-buxnR3gykpgj5pY54XmAbi-VQdr6RM-1cSJxm3hTqCOknyKXg/s4000/no%20banco%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4000" data-original-width="3000" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPwi0xjt2iHlFqlhxkvwAHKiQodoUpGsW7A9YQ7SCOY3UDnH1T41mlUI9vzooJCuV8ft5qb2lQtLC1fjREOOJt5n8fEONFzlN_rsknhBGsJpPleNN443wDnkvNjJFlq2AtXU4oHkSmj-buxnR3gykpgj5pY54XmAbi-VQdr6RM-1cSJxm3hTqCOknyKXg/s320/no%20banco%20blog.jpg" width="240" /></a></div>
<br />Tenho muitos defeitos. Impaciência não é um deles. A não ser quando sinto raiva de mim mesmo ou quando sou atendido ao telefone por uma máquina – para tal coisa digite tal número, e a espera tendo de ouvir musiquinha irritante –, não me apoquento em situações estressantes.
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<br />Às vezes minha esposa me acha paciente demais. Aí fico pensando se isso é bom ou ruim, pois como repetia a mãe dela, tudo de mais é veneno.
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<br />Esse dito popular não é só bordão de sogra. – Quando me refiro a sogra, nunca é com desdém. A minha era uma santa mulher. – É uma lição parecida com a de Aristóteles. Na escala das virtudes, paciência é meio termo da ira. De mais é irritabilidade. De menos, apatia.
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<br />Minha paciência de sobra será um traço de temperamento fleumático?
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<br />Tem hora que gostaria que predominasse em mim o tipo colérico, para ser mais impetuoso na busca da justiça. Outras, que avultasse o sanguíneo, para encarar a vida com mais leveza ainda. Mas não desprezo o lado melancólico, da introspecção que avalia melhor a realidade.
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<br />Lembram do Divertida Mente? Bonita a lição daquele filme de animação: a maturidade vem quando aceitamos a tristeza como parte do que somos. Até porque a vida não se resume a sorrisos produzidos para redes sociais.
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<br />Também me pergunto se paciência é realmente uma virtude.
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<br />No vaivém do seu pensar, São Tomás de Aquino problematiza: parece que paciência não é virtude. Virtudes serão perfeitas no céu e lá não haverá paciência, pois não teremos mais nenhum mal a suportar. Não há virtudes nos maus, porém alguns deles são pacientes no ofício da maldade. E se paciência é fruto, ela não é virtude, pois uma coisa é diferente da outra.
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<br />No entanto, a solução do problema desmente a aparência. No céu, não só a paciência, mas todas as virtudes não terão a mesma finalidade. A justiça, por exemplo, não servirá para governar nossos atos, mas para nos unir a Deus. Quanto à virtude nos maus, eles não são pacientes. Paciente é quem sofre o mal sem o cometer. Resultado: paciência é fruto, como obra virtuosa, mas também é virtude que acalma o coração ante as tristezas do mundo.
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<br />Paciência é “arte de padecer”. Não é indiferença à injustiça, nem mera resiliência. Pois como resume Santo Tomás, “só o amor é causa da paciência.” Nela, como explica o Papa Bento XVI, estão presentes a fé e a esperança. Não é conformismo de aguentarmos uns aos outros, mas abrirmos o coração para ampararmos uns aos outros. No dizer de Bento XVI, ela é “o rosto cotidiano do amor”.
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<br />Cotidiano que nos convida a praticar a sabedoria de amar: saber ouvir e saber falar; saber esperar e ir além de suportar. Com isso as mortificações da paciência não nos jogam no poço da angústia. Ao contrário, aumentam nossa paz interior.
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<br />Um dos espaços em que pratico a paciência é no banco do penitente. É assim que chamo os assentos nos shoppings. Minha esposa nas compras, e eu esperando sentado, de boa.
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<br />O termo penitente pode ser exagerado. E não quero me comparar com os penitentes do tempo de São Francisco, nem com os de Barbalha, da ordem fundada pelo Padre Ibiapina. Mas se até os do Ceará foram parar em programas de televisão e não se flagelam mais, o apelido do banco – usado com bom humor nas conversas com minha esposa – pode não ser tão descabido assim.
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<br />No fim das contas, o mais importante é a pessoa viver com serenidade. Quem sabe sob a inspiração do “Só por hoje” do Papa João XXIII. Só por hoje: tratar de viver cada dia, sem tentar resolver tudo de uma vez; cuidar das relações interpessoais; sentir-se feliz na certeza de ter sido criada para ser feliz; adaptar-se às circunstâncias, sem pretender que elas se curvem aos seus desejos; dedicar um tempinho a uma boa leitura – e eu me permito acrescentar, à música e outros prazeres da vida, pois nem só de pão vivem homem e mulher; praticar uma boa ação, sem contar a ninguém, muito menos exibir nas redes sociais; fazer algo de que não gosta, mas que é preciso fazer; cumprir as tarefas diárias sem pressa e indecisão; permanecer firme na fé, confiando na Providência Divina; não ter medo de apreciar o belo, nem de acreditar na bondade.</span></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-72190233682665032142023-12-21T12:29:00.000-08:002023-12-21T12:29:00.390-08:00 Mensagem de Natal de um velho menino.<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBRC2qA3dZVCGGXt8zQIgcYFWrcDombph75cmCmHpg8MMOCepwnINsiFn2Dkz7L7YrfE_90MD3_EVisnyDx7cCk0Znx_C5sQvPt-Ky4Bg4v5UUXDiWewreyOpta3FV31ucC7TnYnSY0_K-2biQ8zcgCTxIrXxQhPFVknx9EVmm5sS6uKFXO2uvDW5xCS0/s4000/Mensagem%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBRC2qA3dZVCGGXt8zQIgcYFWrcDombph75cmCmHpg8MMOCepwnINsiFn2Dkz7L7YrfE_90MD3_EVisnyDx7cCk0Znx_C5sQvPt-Ky4Bg4v5UUXDiWewreyOpta3FV31ucC7TnYnSY0_K-2biQ8zcgCTxIrXxQhPFVknx9EVmm5sS6uKFXO2uvDW5xCS0/s320/Mensagem%20blog.jpg" width="320" /></a></div></div><div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: arial;">
Este ano entrei na velhice. De carteirinha e tudo. Farejo de longe as vagas de estacionamento, com o desenho do velho corcunda de bengala. Soube que o Conselho Nacional de Trânsito vai mudar aquela imagem. Vai ser um desenho de uma pessoa ereta, seguida de 60+
<br /><br />Espero que seja pra valer. Já estava na hora dessa mudança. Além do peso da idade, a gente não precisa carregar o estigma de saúde debilitada como símbolo do idoso.
<br /><br />No meu aniversário de sessenta, minha esposa encomendou um bolo com a figura de Homer Simpson e o donut. Ela não simpatiza com Homer, por ele não ser um bom exemplo, e eu não lhe tiro a razão. Mas como sabe que eu gosto, fez um agrado ao marido, principiante na terceira idade.
<br /><br />Minha caçula achou pouco e me deu uma caneca com o desenho do Flork e a frase “o terror do INSS”. Mas pra me consolar, ela diz que na velhice eu ainda sou um menino.
<br /><br />O que deve escrever, então, um velho menino numa mensagem de Natal?
<br /><br />Lembrar o passado é uma estratégia de quem já viveu mais tempo do que imagina que ainda vai viver. Não que eu faça o tipo saudosista que repete “bom era no meu tempo.” Se estou vivo e conectado com as coisas do mundo, meu tempo também é hoje.
<br /><br />Tempo quente que só a p*, com gente que ainda quer botar mais fogo no planeta e não dá ouvido aos conselhos de Tom Zé, outro velho menino – mais velho e mais menino do que eu –, que diz assim na canção: “não tenha ódio no verão: você vai acabar comendo brasa no tição, assando o rabo no fogão, isso arrebenta uma nação!”
<br /><br />Mas se não vivo do passado, dele tiro lições e guardo boas lembranças. Como a da vibe das festas de fim de ano.
<br /><br />Na adolescência, fui morar numa cidade bem menor do que onde a gente vivia: clima agradável, lugar pacato, de muita monotonia e pouca gente. Mas no fim do ano tudo mudava. Casas caiadas e cheias de parentes da capital ou do sudeste. Enfim chegava a festa do padroeiro, na passagem do ano.
<br /><br />Na trilha sonora não podia faltar Roberto Carlos. A gente competia pra ver quem comprava primeiro o LP, ter o gosto de abrir a capa, sentir o cheirinho de disco novo, apreciar as fotos e colocar o vinil na vitrola, com a caixa de som na varanda, pra todo mundo ouvir.
<br /><br />No álbum de 1978, um dos maiores sucessos foi Lady Laura. A vizinha do lado, querida amiga de meus pais e já no céu junto com eles, quando ouvia o som daquela música vindo de nossa casa, pedia pra gente tocar de novo.
<br /><br />Às vezes ouço essa música em comemorações do dia das mães. Mas ela me remete mesmo às festas de fim de ano, especialmente ao Natal.
<br /><br />Na minha infância a gente não tinha tradição (nem condição) de ter uma ceia farta e presentes de Papai Noel. Acho que desde cedo advertiram a gente que ele não existia. E mesmo sabendo que a festa é do Menino Deus, os preparativos do Natal pra mim têm gosto de amor de mãe.
<br /><br />A minha enfeitava de algodão um galho seco, em que pendurava as bolas coloridas guardadas com todo cuidado. Eram de vidro bem fininho. Se quebrassem eram um potencial perigo.
<br /><br />Esse tempo me faz pensar em Nossa Senhora esperando menino. Coisa mais linda a cena do Evangelho, em que ela vai às pressas à casa da prima. É certo que o narrador destaca o protagonismo dos meninos nos ventres das mães. Mas não se pode esquecer que o encontro é entre duas gestantes.
<br /><br />Também me traz à mente a imagem de minha esposa lindamente grávida. Quatro vezes por essa época em que ela completa anos, pertinho do aniversário de minhas duas filhas.
<br /><br />E se algumas vezes me sinto “perdido no meio da noite, com problemas e angústias que só gente grande é que tem”, me acalenta a sensação de aconchego do amor de mãe.
<br /><br />Imagino que Jesus sentiu esse aconchego ao ouvir de Maria, afagando-lhe os cabelos, algo parecido com o verso de Lady Laura. Afinal, não é o que diria uma mãe nessas horas?: “Não se aperreie, meu filho. ‘Amanhã de manhã você vai se sair muito bem.”
</span></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-10271943999196516942023-11-24T13:55:00.000-08:002023-11-24T13:55:24.427-08:00Bilhete a G.<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTnKEfOkmrJJtBjVI3ptBDjrDo7OigTg4AXsqY32n74mukBKwo_Wtb-2nKYjr_WJ9mIsF4nPvxahdHeqwLEjioSc-mjQZ8e70ki1htx-aHyo0W3P4sXHmpagMBvP4PXCbjbHJiolPUI5jkg3lt1YL3DYkzL-dCHhgzPcBAmYJ5UDatJ9dn9Xup6cFAcV4/s4000/Bilhete%20a%20G.%20Blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTnKEfOkmrJJtBjVI3ptBDjrDo7OigTg4AXsqY32n74mukBKwo_Wtb-2nKYjr_WJ9mIsF4nPvxahdHeqwLEjioSc-mjQZ8e70ki1htx-aHyo0W3P4sXHmpagMBvP4PXCbjbHJiolPUI5jkg3lt1YL3DYkzL-dCHhgzPcBAmYJ5UDatJ9dn9Xup6cFAcV4/s320/Bilhete%20a%20G.%20Blog.jpg" width="320" /></a></div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">É tocante ler “Carta a D.”, de André Gorz, em que ele diz para sua amada: “Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.” Já eu, depois de trinta e um anos de casado, e sem medo de crítica pela falta de originalidade, atrevo-me a escrever este bilhete para a minha.<br /><br />
Faz algum tempo que você me reclamou para lhe escrever uma carta: “Você escreve sobre tanta coisa, por que não faz uma carta de amor para mim?!” Fiz isso em privado, com certo toque de bom humor, mas num texto para publicar, as palavras ganham tom mais sério. Só para esclarecer, na Carta a D., André Gorz pergunta a si mesmo porque sua amada estava pouco presente no que ele escrevia, se a união deles era o que havia de mais importante na vida. E explica que precisava reconstituir aquela história de amor para entender o que viveram juntos.<br /><br />
Nossa história também começou como amor à primeira vista. Nas primeira aulas, como seu professor na Faculdade, fiz um sinalzinho ao lado do seu nome na lista da chamada – depois você me disse que suas colegas notaram. E não foi só porque achei seu nome diferente. Mas porque fiquei fascinado pela beleza daquela menina inteligente, de calça jeans, que irradiava vivacidade. Meu sonho era ter a chance de você ser minha namorada, sem imaginar que você já tinha decidido que eu seria o seu.<br /><br />
Terminei o período em sua turma, mas o desejo de ser mais do que seu professor não saía da minha cabeça. Por isso nunca vou esquecer da conversa no portão da Faculdade. Sua amiga que me disse que você tinha acabado o namoro, a carona que dei a vocês até a praça no centro da cidade – logo você, que não era moça de ficar muito tempo na praça, bem ao gosto da lei doméstica do seu pai –, quando me fez aquele convite formal: “professor, apareça qualquer dia em minha cidade”. Peguei na palavra e não contei conversa. Pedi emprestado o velho Opala de meu pai para não deixar o convite esfriar, naquele inesquecível setembro. <br /><br />
Cheguei na cidade que não conhecia, e num tempo que não tinha waze, minha estrela guia foi uma menininha –, acho que tinha pouco mais de dez anos –, que me indicou a casa de seus pais. Sei que fui impetuoso, e hoje entendo a preocupação de sua mãe: “o que esse homem veio fazer aqui? O que ele quer com você, minha, filha? Será que ele é casado?” Mas não quis perder tempo, e logo depois das conversas protocolares, parti para o “finalmente” do pedido de namoro. A resposta ficou no ar, um “talvez” angustiante que durou quase a semana toda aguardando seu telefonema, que finalmente veio para aliviar minha ansiedade. Semana seguinte, Opala na estrada de barro – poeira e lama marcaram os caminhos para o namoro aos domingos –, e eu querendo o primeiro beijo para selar o namoro, ímpeto contido pela sua advertência: “apressadinho!”<br /><br />
Mas desde o início você foi decidida e corajosa. O noivado em poucos meses –, celeridade que você não recomenda a nossas filhas, mas foi importante para abrandar o rigor do seu pai e passarmos o reveillon juntos em minha cidade, mesmo com uma amiga para segurar vela –, o casamento no ano seguinte, noventa e dois tão difícil, de muita dor e alegria. O setembro da repentina morte de meu pai, o novembro com minha mãe entrando comigo na igreja para me entregar a você, com o coração dilacerado pela perda do marido que tanto amava, mas cumprindo o rito do jeito que ele sonhava. E você, que pela lei vigente ainda não tinha atingido a maioridade, precisando da assinatura do pai para poder se casar, não hesitou nem um instante.<br /><br />
O casamento e a nova vida vieram com decisões difíceis. Pedir demissão do emprego em sua cidade para ser dona de casa e mãe por vocação e missão. Para você, “os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” não são novidade, nem simples tema de redação. E eu preciso fazer mais do que falar e escrever sobre isso. No começo do casamento, ir morar numa cidade em que não conhecia ninguém, ficar o dia sozinha, pois eu saía cedinho para pegar o ônibus e só voltava à noite do trabalho em outra cidade, e ainda, em plena lua de mel e com esse pouco tempo para você, me trancava para estudar para o concurso de juiz, do qual só não desisti depois da primeira prova, por causa de sua insistência e apoio. Vieram os filhos, não sem a dor de perdermos o primeiro prestes a sair do seu ventre, no dia do seu aniversário. Ano seguinte, outra gravidez não a impediu de concluir seu curso superior, convivendo com minhas ausências para trabalhar no sertão.<br /><br />
Muita coisa se passou nesses últimos trinta e um anos, que não cabe neste bilhete. Peço a Deus que possamos viver juntos durante muito tempo ainda. E olhando para nossa história, sem receio de pecar pela falta de originalidade, posso dizer o mesmo que diz André Gorz em sua carta. Cada vez que reflito sobre nossa história de amor, mais compreendo seu significado. Foi essa história que nos permitiu nos tornar o que somos: uma pelo outro, um para a outra.</span></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-9461345889284578682023-11-02T14:01:00.002-07:002023-11-02T14:01:22.301-07:00Primavera de mortes, tempo de esperar alguma luz. <div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivFLj5QGRzNPmYnB8uAKCklCtXHDhjqL63ZEUU1qY0_AnkL6s9AznP-a_Tjs_XTjQ3Chj80AgdNynx0FCGlZSADXnNsiFm1-O7mHif5_OXwJC1VeSf86ikeMMmtYyrT1l0Uj43MKaTAQ7PsXcqfQPNEZ5yRiCLmhZiTyY9kza_oZA9z2nAVTNx-hXctNM/s4000/Primavera%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivFLj5QGRzNPmYnB8uAKCklCtXHDhjqL63ZEUU1qY0_AnkL6s9AznP-a_Tjs_XTjQ3Chj80AgdNynx0FCGlZSADXnNsiFm1-O7mHif5_OXwJC1VeSf86ikeMMmtYyrT1l0Uj43MKaTAQ7PsXcqfQPNEZ5yRiCLmhZiTyY9kza_oZA9z2nAVTNx-hXctNM/s320/Primavera%20blog.jpg" width="320" /></a></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em vez de flores, na primavera os reis cultivavam guerras. Assim nos diz o Segundo Livro de Samuel. Isso permitia ao menos seis meses de combate antes do inverno, inimigo natural da campanha militar. Ao toque da trombeta começava a luta corpo a corpo. E o sangue dos combatentes regava a Terra Santa.<br /><br />
A lei da guerra era cruel. Diz o Deuteronômio que os soldados, antes de invadirem certas cidades, deviam propor-lhe a paz da sujeição ao trabalho forçado. A outra opção era não se entregar, e correr o risco de todos os homens serem passados ao fio da espada. No caso das terras prometidas como herança divina, nenhum ser vivo na cidade devia ser poupado. <br /><br />
Consagravam-se as tropas para as batalhas. Os soldados não podiam ter relações sexuais nem com suas esposas, e prostitutas não acompanhavam o exército. Todo o acampamento era submetido à lei da purificação. Mas depois da vitória, abandonava-se a disciplina. Os derrotados eram massacrados, e muitas mulheres, molestadas ou estupradas. <br /><br />
Meu pai se indignava ao ler passagens bíblicas sobre massacres de povos em nome de Deus. Se a Justiça de Deus é Justiça de Amor, por que se exaltar um deus dos exércitos, poderoso na batalha? E eu argumentava que aquilo era parte de uma moral religiosa arcaica, que havia ficado para trás. <br /><br />
O que ficou para trás, porém, foram algumas armas e estratégias. O grito de guerra para atiçar a coragem e insuflar o terror, arqueiros e escudeiros para o exército se aproximar do inimigo, lanças para abrir caminho pela infantaria. Foi com uma lança arrancada da mão do agressor, que Banaías matou um inimigo de elevada estatura, e alcançou a fama entre os trinta valentes de Davi. <br /><br />
A espionagem, aperfeiçoada com o tempo, já era usada para levantar dados do inimigo. O livro dos Números narra o envio de chefes do povo para explorar a terra a ser conquistada. As ordens eram para escalar a montanha, ver se a terra era fértil ou estéril, se tinha matas ou não; se o povo era forte ou fraco, escasso ou numeroso; como eram as cidades, campos e fortificações.<br /><br />
Passados tantos séculos, eu me pergunto o que mudou de lá para cá. Nas guerras do século XXI, quem são os valentes e os covardes, quem são os altruístas e os genocidas? A quantas anda nossa ética nos conflitos armados? Como respondemos, na prática, as questões da justiça da guerra e da justiça na guerra? <br /><br />
O Catecismo da Igreja Católica nos exorta a evitar a guerra. Como o quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana, devemos orar e agir para que a bondade divina nos livre desse mal. Mas observa que quando se esgotam os meios de negociação pacífica, não se pode negar aos governos o direito de legítima defesa. <br /><br />
O exercício desse direito pode justificar uma declaração de guerra. Mas é preciso ter cuidado para que o uso das armas não provoque males mais graves do que o mal a eliminar. Além disso, como diz a Gaudium et Spes, “quando por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito entre as partes inimigas.” <br /><br />
Por isso é importante respeitar o direito humanitário de guerra. Tratar com dignidade os prisioneiros, cuidar dos feridos, não demonizar todos os que estão do outro lado do front, nem se deixar levar pelos excessos do calor da batalha. Ainda mais quando se sabe que nos conflitos armados atuais, quase sempre toda a sociedade é vítima da guerra. <br /><br />
Nesta primavera, vivemos uma escalada de mortes debaixo do céu da Terra Santa. Mas como diz Hannah Arendt, “até nos tempos mais sombrios temos o direito de esperar alguma luz. É bem possível que essa luz não venha tanto das teorias e dos conceitos como da chama incerta, vacilante e muitas vezes tênue, que alguns homens e mulheres conseguem alimentar.”<br /><br /></span></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-60345244138029440562023-09-29T13:34:00.005-07:002023-09-29T14:20:16.902-07:00 Que os lábios beijem e as bocas falem das verdades do coração.<p><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNB1YxRIAD9cYsDhSW4-5hXdvgfymObYLfNH-C6Q88-LB-TLdqwwes3KJ_KtJKCkfa8Irz7ou-pULOL5BPZJTQkgxWa3z44Y5CGypQCCGeuwvnMLalXIa3fYAGuaUly6OBz4saf4xV685dJRuIZtMQ6wXt234Aa7uiTWc6IPlhswj5pU24lUVuHdXtuJ0/s932/WhatsApp%20Image%202023-09-28%20at%2019.12.21.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="745" data-original-width="932" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNB1YxRIAD9cYsDhSW4-5hXdvgfymObYLfNH-C6Q88-LB-TLdqwwes3KJ_KtJKCkfa8Irz7ou-pULOL5BPZJTQkgxWa3z44Y5CGypQCCGeuwvnMLalXIa3fYAGuaUly6OBz4saf4xV685dJRuIZtMQ6wXt234Aa7uiTWc6IPlhswj5pU24lUVuHdXtuJ0/s320/WhatsApp%20Image%202023-09-28%20at%2019.12.21.jpeg" width="320" /></a></div>
<span style="border: none; margin: 0px 0px 0px 80px; padding: 0px; text-align: left;font-size: normal;font-family: arial;">
“Ela
</span>
<br/>
<span style="border: none; margin: 0px 0px 0px 80px; padding: 0px; text-align: left;font-size: normal;font-family: arial;">
Que ele me beije com os beijos de sua boca!"</span>
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; white-space: normal;"><br/>Parece despudor um texto sagrado exaltar o desejo pelo beijo de quem se ama. E quase um atrevimento colocar esse desejo na boca de uma mulher, tão sufocada que era nos tempos em que o texto foi escrito. Mas é com esse verso que começa o Cântico dos Cânticos, uma antologia de poemas populares, atribuídos a Salomão para que pudessem ser lidos na sinagoga.
O olhar puritano enfatizou sua interpretação alegórica. O desejo ardente pelo beijo da boca faria parte de uma grande metáfora do amor entre Deus e seu povo. E na cabeça de muita gente ficava afastado o escândalo com a poesia erótica. Mas ninguém precisa se assustar com o toque de sensualidade do texto, nem pensar que o amor carnal é demoníaco e só o espiritual é divino.
<br /><br />
No poema, a beleza de cantar o amor envolve o corpo, a alma, o espírito. Da mesma boca do amante saem versos que perguntam “quem é esta que avança como a aurora que desponta, bela como a lua, incomparável como o sol, terrível como um exército em linha de batalha?”, e os que sussurram “teus dois seios são como dois filhotes gêmeos de uma gazela” e “os contornos dos teus quadris são como colares, fabricados por mãos de artista.”
<br /><br />
Numa aula magna no curso de Direito – na verdade, aula de despedida por estar me aposentando como professor –, e como parte de um projeto sobre música e direito, escolhi a canção Dois Rios, como mote de minha fala. E depois de explicar sobre como a música foi composta, comparei o verso inicial do Cantares a um trechinho da letra da canção.
<br /><br />
Dois rios é obra de três compositores. Samuel Rosa e Lô Borges fizeram a melodia. E para escrever a letra, a primeira coisa que veio à cabeça de Nando Reis foi a imagem de dois lábios como dois rios. Essa imagem é repetida com pequena variação quando se canta: “que os braços sentem, e os olhos veem, e os lábios beijam, dois rios inteiros sem direção.”
<br /><br />
Tal e qual os dos amantes do Cântico dos Cânticos, os lábios dos versos de Nando Reis desejam o beijo da boca de quem se ama. Mas além de lábios, na canção eles são dois rios, fluxos líquidos e visíveis do amor que faz duas pessoas se tornarem uma só carne, cumprindo o mandamento divino. Os rios são sem direção, não porque o fluxo do amor não tenha rumo ou sentido. Mas porque, por maior que seja o cuidado e a entrega dos amantes, ninguém controla a correnteza da vida.
<br /><br />
A falta de controle das variáveis da experiência humana não é privilégio das coisas do coração. Que o diga a missão de colocar no espaço o telescópio James Webb. Aventura das ciências e tecnologias na busca de captar luzes cósmicas do passado longínquo, procurando respostas mais precisas sobre como o ferro do nosso sangue e o cálcio dos nossos ossos foi formado a partir da poeira estelar. Na operação foram contabilizados quase trezentos e cinquenta pontos únicos de falha. Bastava um dar errado para tudo cair por céu abaixo, o que fez um dos diretores do projeto dizer que um cientista que afirma não depender também da sorte é idiota ou mentiroso.
<br /><br />
Termino meus mais de quarenta anos como professor – quase trinta deles no curso de Direito – ainda apaixonado pela arte de aprender e ensinar. Tive a sorte de ter alunos e alunas que me queriam bem. Uma delas me quis tanto bem, que se tornou o grande amor de minha vida. Com eles e elas aprendi – e acho que ensinei – que racionalidade não é o único padrão na busca das verdades possíveis de se alcançar. E que me desculpem a Dra. Pasternak e o Dr. Orsi, por eu discordar da ideia por eles defendida, de que alguns conhecimentos que rendem boas metáforas e que, segundo suas palavras, operam sob “leis do tapete voador”, são pseudociências que não merecem ser levados a sério.
<br /><br />
Não nego a relevância dos métodos científicos. Mas não creio que a ciência, tampouco doutrinas filosóficas, ideológicas ou religiosas, no plano da teoria, possam salvar o essencial nas relações entre as pessoas. Não apenas na vida a dois, mas na amizade e na doação de si, presentes na educação formal, da qual me despeço como professor, o mais importante é deixar que os braços abracem, os olhos vejam, os lábios beijem e as bocas falem das verdades do coração. </span></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-1084855031212429112023-09-01T16:15:00.003-07:002023-09-01T16:15:26.466-07:00Um coração menino.*<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHFyA23_mSeLXMq8-0qdxJakw66VzqcSvIPZ6iUJJc5-ea-SdJ7oOh0PDmeWQn485d-L-1plttmA3mFXd9Wm643muQdlkwWAU64jQlgXWFCx93K04BWcc3KFfxtrVYUJrvOIPQDeoKg0NKOerBZ-gNkr2YoFOHEMVpT580RRjNzHJRvAhrr1AesiSztJo/s1080/Um_cora%C3%A7%C3%A3o_menino_blog%5B1%5D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="810" data-original-width="1080" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHFyA23_mSeLXMq8-0qdxJakw66VzqcSvIPZ6iUJJc5-ea-SdJ7oOh0PDmeWQn485d-L-1plttmA3mFXd9Wm643muQdlkwWAU64jQlgXWFCx93K04BWcc3KFfxtrVYUJrvOIPQDeoKg0NKOerBZ-gNkr2YoFOHEMVpT580RRjNzHJRvAhrr1AesiSztJo/s320/Um_cora%C3%A7%C3%A3o_menino_blog%5B1%5D.jpg" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Minha mãe gostava da música saga de um vaqueiro. Acho que nem tanto pelo estilo musical, mas pela história ali cantada, na qual mesmo sendo forte, o coração é um menino que ama, chora e segue seu destino. Como na letra da canção, peço licença para lhes contar um pouco de minha história. Mas não se preocupem. Minha fala vai ser mais curta que a música.
<br /><br />
Muito do acontecido em minha vida não foi de caso pensado. E feito o verso de Manoel de Barros, quase sempre só compreendo o que faço depois que já fiz. Não pretendia fazer Direito, muito menos ser juiz. Vocação, nestes casos, foram os chamados da vida. Mas uma coisa parecia certa. Ser professor seria minha missão.
<br /><br />
De minha mãe e meu pai herdei o gosto pelo magistério. Se o salário não era atraente, e a vida um tanto sofrida, o amor pelo que faziam era contagiante. Isso me faz lembrar Rubem Alves, ao comparar o sofrimento do professor à dor do parto. A mãe, dela logo esquece, diante da incomparável alegria de dar à luz o filho.
<br /><br />
De volta à minha história, desde cedo ela se entrelaça com a da UEPB. Aos 8 anos, na volta das aulas no Antenor Navarro, ao subir a ladeira depois do Mercado Velho, avistei uma fila com muita gente: pessoas em situação de rua, de prato na mão, para almoçarem em nossa casa. Tinha sido a promessa por meu pai ter passado no vestibular de Estudos Sociais da então FAFIG.
<br /><br />
Anos mais tarde, minha mãe, meu irmão, eu e minha irmã fizemos o curso de Letras. Fui orador na colação de grau, que fez 40 anos anteontem. E foi nesse curso que me fiz professor universitário, indicado pela professora Socorro Rosas, a quem sou grato até hoje. Não bastasse tudo isso, na UEPB conheci Gerley, que de aluna se tornou o grande amor da minha vida.
<br /><br />
Ingressei na magistratura em 1993. E em 1994, tive a honra de ser um dos professores-fundadores do nosso curso de Direito. Depois de todos estes anos, que se passaram tão rápido por serem mais cheios de vida do que de tempo, estou me aposentando.
<br /><br />
Daí a imensa emoção em poder viver este momento nesta solenidade. Formatura do semestre letivo 2023.1, das turmas do Centro de Humanidades. De coração, quero saudar e agradecer a todos que compõem nossa universidade.
<br /><br />
Às formandas e aos formandos de Direito, Geografia, História, Letras/Inglês, Letras/ Português e Pedagogia. Às mães, aos pais, companheiras, companheiros, familiares, amigas e amigos, que contribuíram para a conquista de vocês.
<br /><br />
Aos professores e professoras. Nesta profissão, aprendemos um pouco da sabedoria de Zaratustra, que ao compartilhar o que dentro dele habitava, tornou-se mestre na arte de ensinar felicidade.
<br /><br />
Aos que tomam conta do nosso campus. Desde a direção e parte administrativa aos que, com dedicação, cuidam da limpeza, do jardim e dos gatos. Peço licença para lembrar Rejane Dantas, já na eternidade, com sua alegria cativante.
<br /><br />
Agradeço a Deus por me permitir viver este momento. Às colegas e aos colegas do Departamento, pela indicação de meu nome para Paraninfo das turmas. Às alunas e alunos de Direito, por tanto carinho, e que me deram o presente inestimável de batizar o Centro Acadêmico com meu nome. Como dizia meu avô, Deus faça vocês muito felizes.
<br /><br />
Prometi que seria breve. Termino lembrando mais uma vez a canção que minha mãe gostava. Tal qual o do vaqueiro da saga, meu coração parece um menino que chora de saudade e segue seu destino. Mas acima de tudo ama o que faz, e percebe, como ensina o professor Luiz Alberto Warat, que “o amor é o ponto de vista fundamental para a constituição não alienada dos componentes de uma cultura”, pois “quem não resolve o interrogante de como amar é impotente para encontrar respostas sobre como viver.”
<br /><br />
* Texto do discurso como Paraninfo Geral das turmas concluintes da UEPB, Campus III – Guarabira-PB (25/07/2023).
</span></div><br />Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-7490872597486208652023-07-29T10:51:00.005-07:002023-07-29T13:09:07.432-07:00 Zelai por nós degredados.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZhWcv5qJIUiHeRu2YZYcti2O3WUikqcYtAVHXW_fdR3cua9DUKWhzxm_NgAfG7yjnBGmkQvl7Mxnj_KpQ09BbemMqV9aBkDXkZ7MCzOSD1IYM-BJp-V86kr9MEWoP6ua_QOqRpjaGiG2d0x2pTN4OXJr1Mvq2WtK92ZnW0T4Bc3wJMyzUdxPk8E0IlYU/s3000/zelai%20por%20n%C3%B3s%20blog.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2124" data-original-width="3000" height="227" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZhWcv5qJIUiHeRu2YZYcti2O3WUikqcYtAVHXW_fdR3cua9DUKWhzxm_NgAfG7yjnBGmkQvl7Mxnj_KpQ09BbemMqV9aBkDXkZ7MCzOSD1IYM-BJp-V86kr9MEWoP6ua_QOqRpjaGiG2d0x2pTN4OXJr1Mvq2WtK92ZnW0T4Bc3wJMyzUdxPk8E0IlYU/s320/zelai%20por%20n%C3%B3s%20blog.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Quem lê o que escrevo deve ter percebido o que passo a explicar. Faz quase dois anos que comecei uma série de textos sobre Nossa Senhora. Minha ideia, desde o princípio, era que os títulos seguissem a ordem alfabética, para depois reunir tudo num ABC para Maria. Agora que cheguei ao Z, peço licença para não apenas falar sobre a mãe de Jesus, mas conversar com ela.<p>Meu pai não gostava de dormir sem alguém por perto. Quando tinha pesadelos, às vezes a gente precisava acordá-lo. Ele dizia que para se livrar desses e de outros males, rezava a salve-rainha. Ainda hoje, nas minhas inquietações, lembro-me disso e rezo essa oração.</p><p>Confesso que achava a salve-rainha deprimente. Um padre, que foi nosso professor e ensinou a gente a cantar a salve-rainha em Latim, também enxergava melancolia ao se falar em degredados filhos de Eva, gemendo e chorando num vale de lágrimas. Resolvi, então, ir atrás das origens da oração e saber o porquê daquela aparente lamúria.</p>
<p>Fiquei sabendo que por volta do ano 1.050, ela teria sido criada pelo monge Hermano de Reichenau. Mas também que alguns estudiosos põem em dúvida sua autoria. Falam em registros históricos da oração antes de se tornar famosa na melodia composta pelo monge. Seja como for, é inspiradora a história de Hermano.</p>
<p>O que a Medicina de então podia fazer por uma criança com paralisia cerebral? Pesquisas recentes suspeitam que o caso fosse de esclerose lateral amiotrófica. Coube então à mãe consagrar o filho à Nossa Senhora, antes de ser levado ao mosteiro, de liteira, por causa da deficiência.</p><p>Apesar de tudo, do menino que parecia sem futuro surgiu um homem notável. Fluente em várias línguas e compositor de renome, escreveu obras sobre ciência da música, matemática, astronomia e história. E no final da vida, já cego, compôs a Salve Rainha, talvez a mesma que o padre nos ensinou a cantar.</p>
<p>Não bastasse as limitações do corpo, o mundo no tempo de Hermano gemia e chorava muitas dores. Calamidades naturais, epidemias, fome e miséria assolavam a Europa. Legiões de desterrados ocupavam povoados, às vezes com saques e mortes. Daí se compreende que a salve-rainha contenha tantas palavras de sofrimento. Mas ao mesmo tempo é um brado de esperança.</p>
<p>Gregório de Matos expressa bem isso, no poema Salve Rainha à Virgem Santíssima, que já começa dizendo:</p></span>
<div style="text-align: justify; margin: 0px 0px 0px 40px;"><span style="font-family: arial;">
<div>“Salve, divina beleza,<br />
Salve, dos anjos princesa,<br />
e dos céus, salve rainha.<br />
Sois graça, luz, e concórdia<br />
entre os maiores horrores,<br />
Sois guia de pecadores,<br />
Madre de misericórdia.”
</div>
</span>
</div>
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">
<p>O poema lembra que a Senhora quer nos iluminar. Mas deixa claro que para isso não há outro caminho senão seguir vosso Filho, verdadeira luz que ilumina os seres humanos. Que para a salvação não há outro meio a não ser abrir a alma ao amor de Cristo. Ou no dizer do poeta, deixarmos que seja dos nossos corações o que um dia foi do vosso ventre.</p>
<p>Faz muito tempo que saímos da Idade Média, na qual Hermano viveu e morreu. Há quem chame aquele tempo de era das trevas, como se trevas não existissem em todos os tempos. Clarões da ciência não impedem o uso de inteligência artificial em artefatos de guerra, como não evitaram que Hiroshima inaugurasse o pós-moderno, fazendo o pai da bomba recitar: “agora eu sou a morte, a destruidora de mundos.”</p>
<p>Num mundo assim, tecnologias reluzentes são incapazes de conter os cavaleiros da peste, da guerra, da fome e da morte. Num mundo assim, ainda se louvam tiranos que esmagam pessoas, sufocam liberdades, fazem degredado quem deveria ser irmão. Num mundo assim, ó advogada nossa, não se pode lutar contra as trevas sem o poder da oração.</p>
<p>Tudo isso me ensinou que a salve-rainha não é uma reza medieval deprimente. Mas confesso à Senhora que muitas vezes não sei orar como convém, embora também saiba que rezar não é só</p>
<p>recitar frases bonitas. Mais do que com a boca, se reza com o coração. E como ensinou Santa Terezinha do Menino Jesus, orar pode ser olhar para o céu, e a oração, um grito de amor e gratidão no meio da provação ou da alegria.</p>
<p>Por isso peço à Senhora, que sois da vida esperança, zelai por nós degredados. Para que, como disse o poeta:</p>
</span></div>
<div style="text-align: justify; margin: 0px 0px 0px 40px;"><span style="font-family: arial;">
<p>“tenhamos esta alegria,<br />
esta doçura tenhamos,<br />
pois que tanta em vós achamos,<br />
ó doce Virgem Maria.”<br />
</p>
</span>
</div>
</div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-17110747877253076772023-06-25T13:13:00.000-07:002023-06-25T13:13:03.632-07:00 Xis dos mistérios<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6ypy_SBSgDg4ta1p4PSGrzkbiI-yUvP2gh07uepwjMh4NuEKDtWoMv9h-dbM9qS0K6XFcwJsSvksBB5jyvJpr_niZebABPda63Al8RHk6iwzJ8GtohRnVJiPNpU7UsvHK1OG9vXxHYM-kzIu8tfrPIfsiar7bqHg7MxAbGmVk-8tvrtN0sBBrbdmmls4/s2976/xis%20dos%20mist%C3%A9rios%20blog.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1930" data-original-width="2976" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6ypy_SBSgDg4ta1p4PSGrzkbiI-yUvP2gh07uepwjMh4NuEKDtWoMv9h-dbM9qS0K6XFcwJsSvksBB5jyvJpr_niZebABPda63Al8RHk6iwzJ8GtohRnVJiPNpU7UsvHK1OG9vXxHYM-kzIu8tfrPIfsiar7bqHg7MxAbGmVk-8tvrtN0sBBrbdmmls4/s320/xis%20dos%20mist%C3%A9rios%20blog.jpg" width="320" /></a></div><p></p><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Eu que apreciava matemática, achava graça em descobrir o valor do xis. Na adedonha, nem me fale! Que letrinha difícil de se encontrar nomes com ela! Bem capaz de ser por isso que no abc de Maria, quando se chega ao xis, em vez de uma palavra diferente começada pela letra, esta é repetida para cantar “xis dos mistérios”. Em qualquer situação, o xis tem um quê de incógnita. Mas não se deve pensar em mistério apenas como coisa desconhecida. Não é um quarto escuro em que nada se vê. Mistério se revela até o quanto se pode revelar.<br /><br />
Nós católicos meditamos mistérios rezando o rosário. A cada ave-maria, é como se entregássemos uma rosa a Nossa Senhora. De flor em flor, ao todo cento e cinquenta – mesmo número dos Salmos de Davi –, terminamos ofertando a ela uma coroa de rosas. E a cada dez ave-marias, como lembra o Papa Pio V, intercalamos um pai-nosso, “com determinadas meditações que ilustram toda a vida de nosso Senhor Jesus Cristo.”<br /><br />
A história do rosário mistura liturgia com devoção popular. A saudação angélica da anunciação já fazia parte da missa do quarto domingo do advento, desde os primeiros séculos da era cristã. Mas a repetição da ave-maria como uma ladainha só se espalhou no Ocidente a partir do século XII. Na época havia a prática de se rezar cento e cinquenta pai-nossos, em vez do saltério de Davi, para facilitar a oração de monges que não sabiam ler ou que tinham pouco estudo. Da mesma forma, a repetição das ave-marias ajudava a reza do povo. <br /><br />
Como muitas histórias humanas, a do rosário é enriquecida pelo colorido da lenda. A que envolve São Domingos foi espalhada por Alano de la Roche, e segundo Ennio Domenico Staid, se a narrativa não pode ser aceita em seu teor absoluto, também não merece ser tratada como dado histórico inteiramente falso. <br />
Conta-se que no ano de 1214, quando o então frei Domingos travava uma batalha espiritual contra hereges em Toulouse, a Virgem Maria apareceu a ele e lhe apresentou o rosário como arma poderosa para conversão do mundo. Depois da aparição, os sinos da igreja tocaram sozinhos, houve vendaval, tremor de terra e raios. Dizem até que uma imagem de Nossa Senhora levantou os braços três vezes. Mas tudo voltou ao normal quando o religioso começou a rezar o rosário, o que levou a conversão de muita gente na cidade.<br /><br />
Nos séculos seguintes surgiram vários saltérios marianos. Às séries de pai-nossos e ave-marias foram acrescentadas referências a acontecimentos do Evangelho, em forma de refrão ou cláusulas. Alguns rosários chegavam a ter trezentas cláusulas, até que o dominicano Alberto de Castelo, em 1521, escolheu quinze mistérios para meditação pelos devotos.<br /><br />
Em 1569, o Papa Pio V publicou a bula “Consueverunt Romani Pontifices” na qual, no dizer do Papa Paulo VI, de certo modo definiu a forma tradicional do rosário. Na bula, Pio V lembra que seus predecessores, quando estavam aflitos, imploravam a assistência divina com súplicas e ladainhas. E refere-se ao rosário como uma forma simples, piedosa e acessível de oração. <br /><br />
O Papa João Paulo II também dedicou uma Carta Apostólica ao rosário. A “Rosarium Virginis Mariae”, de 2002, começa dizendo que o rosário se enquadra no caminho espiritual de um cristianismo que, mesmo depois de dois milênios, nada perdeu de seu frescor original. Destaca que apesar de sua fisionomia mariana, o rosário é essencialmente cristológico. Com o rosário, segundo o Papa, “o povo cristão frequenta a escola de Maria para deixar-se introduzir na contemplação da beleza do rosto de Cristo e na experiência da profundidade do seu amor.”</div><div style="text-align: justify;"> <br />Na mesma Carta, João Paulo II sugere que além dos gozosos, dolorosos e gloriosos, sejam inseridos no rosário os mistérios luminosos. Com isso, o total de ave-marias passa de cento e cinquenta para duzentas. E a reza separada de cada conjunto de mistérios transforma o terço em um quarto, pelas contas de fração da matemática. A inserção, porém, é deixada à livre valorização das pessoas e comunidades. Com ou sem ela, o rosário continua sendo contemplação dos mistérios de Jesus Cristo, que englobam os de sua Mãe e os nossos. <br /><br />
Contemplação, porém, não há, se a reza é feita de qualquer jeito ou nas carreiras. São Luís de Montfort já alertava que rezar a Deus com distrações voluntárias é falta de respeito. Para ele, como podemos querer que Deus nos ouça, se nós mesmos não nos ouvimos? E sobre rezar devorando as palavras, o santo assim dizia: “não se cumprimentaria desse modo ridículo ao último dos homens, e no entanto se imagina que Jesus e Maria se sentem honrados com isso!”<br /><br />
Honrar Jesus e Maria nas contas do rosário faz parte da espiritualidade do povo. Mas é bom evitar os exageros da devoção popular e, mais ainda, a manipulação do sagrado. Não há honra em transformar Nossa Senhora, para me valer de expressões do Padre Salvatore Perrela, numa “figura popularesca, capturada nas banalidades da existência”. Não há honra em transformar o xis dos mistérios em “Barbie da fé.”</div></span>
Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-66565009975375159522023-06-03T11:07:00.000-07:002023-06-03T11:07:01.032-07:00Virgem Mãe, Nossa Senhora: sinal de que o Amor venceu.<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW7CwWNxNptkhMvCnaeoERwkLbXO9GnsWPafcr_uQ0SlwlRKJVHC6C6KGtliojhpLAIv4Lk57ZSU5VoWNrJQ1S-FQFWlXPWhMUZh2BIPUwR1E2HoR1n_rDPcyBdGgBTaSJ_IUgjPbvECwc1tzWKE_4gGh1VOEIczmJcSeWNc6jMNHcJeo69Fy-stYi/s2058/20230514_055120.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1378" data-original-width="2058" height="214" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW7CwWNxNptkhMvCnaeoERwkLbXO9GnsWPafcr_uQ0SlwlRKJVHC6C6KGtliojhpLAIv4Lk57ZSU5VoWNrJQ1S-FQFWlXPWhMUZh2BIPUwR1E2HoR1n_rDPcyBdGgBTaSJ_IUgjPbvECwc1tzWKE_4gGh1VOEIczmJcSeWNc6jMNHcJeo69Fy-stYi/s320/20230514_055120.jpg" width="320" /></a></div><p></p><p></p><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Nos meus tempos de Pastoral de Juventude, caí na besteira de repetir o que tinha ouvido de um católico metido a progressista. Para ele não se devia dar importância à virgindade de Maria, pois não era questão teológica, mas ginecológica. A vida me ensinou que tem hora que saber falar é bom, mas tem outras que é melhor ficar calado. Hoje tenho mais cuidado em falar sobre o que sei e o que não sei, sem me esquivar num silêncio de pretensa soberba.<br /><br />
Sei que diante de tantos problemas no mundo, a virgindade de Maria pode parecer algo de menor importância. Além disso, como observa Stefano De Fiores, a atual pré-compreensão cultural às vezes se mostra desconfiada sobre essa virgindade, por entender que é historicamente não provada, teologicamente desnecessária e vitalmente não significativa. Mas é preciso lembrar que essa questão traz à tona um dado de fé não apenas de católicos, mas de cristãos e muçulmanos: a conceição virginal de Jesus, que não se confunde com o dogma da Imaculada Conceição.<br /><br />
Nós, da Tradição Católica Romana, professamos que Maria veio ao mundo sem a mácula do pecado original. Mas em nenhum momento afirmamos que o parto de Santa Ana, sua mãe, não tenha ocorrido tal qual o de outras mulheres. Acreditamos, ao mesmo tempo, na conceição e nascimento virginais de Jesus, como eventos que fogem do que ordinariamente ocorre na natureza. Essa verdade de fé é aceita desde os primórdios da Igreja, apesar dos debates próprios das conjecturas teológicas.<br /><br />
Sobre a conceição virginal de Jesus nunca houve muita polêmica. É certo que alguns a comparavam com a partenogênese, fenômeno em que uma fêmea procria sem intervenção do macho. Mas no caso do animal humano, com cromossomos sexuais XX para mulheres e XY para homens, de uma mulher, sem a participação do homem, sempre nasceria uma menina, jamais um menino. Também não deixou de haver comparação com narrativas míticas, em que deuses seduziam mulheres para engravidá-las. Porém os relatos bíblicos são diferentes dos modelos míticos.<br /><br />
A genealogia apresentada por Mateus começa dizendo que Abraão gerou Isaac, e os demais foram gerando até chegar em Jacó que gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus. Em Lucas, quando Maria pergunta a Gabriel como seria possível a ela engravidar sem conhecer homem, o anjo responde que o Espírito Santo virá sobre ela e o poder do Altíssimo vai cobri-la com sua sombra. Não há qualquer insinuação de intercurso sexual nesse prodígio. E a própria gramática utilizada no texto não atribui essa ação ao Deus Pai, que poderia ser associado ao gênero masculino, mas ao Espírito Santo, palavra feminina em hebraico e neutra em grego.<br /><br />
A conceição virginal de Jesus confirma que o nascido de Maria não é apenas desta terra. É Deus de Deus, gerado e não criado, preexistente ao mundo. Ser nascido de mulher não lhe retira a personalidade de Filho do Altíssimo. Daí que na sua genealogia, os antepassados geraram e foram gerados como todos nós. Mas Ele não foi gerado segundo a carne, nem gerou filhos para perpetuar sua linhagem. Se isso era necessário para os patriarcas do seu povo, não era mais para Jesus. Como lembra Aristide Serra, Jesus Cristo é o Ômega. Na sua pessoa, Criador e criaturas se uniram num abraço indissolúvel, consumando a aliança planejada por Deus antes que o mundo existisse.<br /><br />
No contexto dessa aliança, a virgindade perpétua de Maria provém do reconhecimento das coisas grandiosas que Deus fez em favor dela, em vista de Cristo e da salvação do mundo. A fórmula dessa definição de fé veio com o Sínodo de Latrão, do ano de 649. Lá foi estabelecido que quem não confessa que no fim dos séculos, Maria “concebeu do Espírito Santo sem esperma e deu à luz sem corrupção, permanecendo também depois do parto a sua indissolúvel virgindade,” deve ser condenado.<br /><br />
Podemos confessar a mesma verdade sem recorrer à linguagem da condenação. Se Deus escolheu Maria para nela operar a conceição virginal de Jesus, nada mais coerente do que livrá-la da maldição dada à primeira mulher, de multiplicação das dores do parto, fazendo com que o nascimento do seu Filho se desse de modo totalmente diferente. E podemos compreender que depois do parto Maria se conservou virgem por consagrar-se inteiramente a Deus, crença partilhada até por não católicos como Lutero, que certamente sabia que as passagens bíblicas que falam em irmãos de Jesus eram referências não a irmãos de sangue, mas a parentes próximos dele.<br /><br />
Professar essa verdade não diminui o valor da maternidade e do casamento. Jesus é Filho de Deus, mas também é fruto do ventre de Maria, e a consagração dela a Deus não exclui as relações de amor e carinho dela com José e Jesus, próprias de quem é esposa e mãe. A virgindade de Maria, acima de tudo, é sinal de que o Amor venceu. E não tem nada a ver com fazer coraçãozinho com as mãos, tendo a alma dominada pela sanha de vingança. Significa que Deus é sempre quem ama primeiro e nos convida a encher o coração de uma fé capaz de gerar uma nova justiça, que é sinônimo de amor.</div></span>
Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-68993182464520491592023-04-29T13:41:00.003-07:002023-04-29T13:41:22.223-07:00Umas e outras nas calçadas da fé e da vida.<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwn76SGtj-pM6CPJTx_g0ipNzuO23K7a4ti53ujq6b26mK6AQvNLLWkC8dfCQ72r_cHv0AoxIHTpuIFFBMHjl5rOyux44J-W6nq8cBmGc-ed6tkHXR8D9cX2Ig6bBzRZKM2kYVYJGAkX0e4AqDlLpFhoNTF7HOzUqLYyv1GRdZvwVXQNEHiUsXYBBU/s3178/umas%20e%20outras%20blog.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2238" data-original-width="3178" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwn76SGtj-pM6CPJTx_g0ipNzuO23K7a4ti53ujq6b26mK6AQvNLLWkC8dfCQ72r_cHv0AoxIHTpuIFFBMHjl5rOyux44J-W6nq8cBmGc-ed6tkHXR8D9cX2Ig6bBzRZKM2kYVYJGAkX0e4AqDlLpFhoNTF7HOzUqLYyv1GRdZvwVXQNEHiUsXYBBU/s320/umas%20e%20outras%20blog.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p>
<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Já confessei publicamente que meu encontro com o direito foi obra do acaso. Meus devaneios de pré-vestibulando sempre associavam esse curso a gravata e Vade Mecum, coisas de que eu queria distância. Mesmo com minha timidez de grau intenso, achava que minha praia era a dos descolados de bermuda e chinelão. Mas as estradas da vida me ensinaram que nem sempre o hábito faz o monge.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Primeiro deixei para trás o sonho de ser sociólogo. A oportunidade do primeiro emprego e as poucas opções perto de casa me fizeram trilhar pelo mundo das Letras, embora meu coração, tocado pelos mistérios do sagrado, ainda acreditasse na sociologia como antídoto para alienação da fé. Só depois, impelido pelos empurrões retóricos do meu irmão, segui na direção do direito. No início andei um tanto sem rumo. Mas depois me deixei seduzir pelos caminhos do mundo jurídico, o que me fez perceber que, como na letra da canção “Umas e Outras”, a gente tem muita calçada para caminhar pela vida.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Naquela canção, Chico Buarque nos apresenta a duas mulheres. Uma nunca tem sorriso, para melhor se reservar. A vida, para ela, é um rosário de lágrimas. Por isso, vez por outra ela se senta para derramar seu pranto, na sofrida espera para entrar no paraíso. A outra não dá muita importância se não tem um paraíso a esperançar, pois já forjou seu sorriso e fez disso profissão. Mas como sua vida é uma dança em que não se escolhe o par, às vezes ela se cansa, e também senta um pouco para chorar. E toda madrugada, o acaso faz com que elas se cruzem pela rua, uma olhando para a outra com a mesma dor.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Penso que um olhar sincero entre as pessoas, tão perto na rua e tão longe na vida, ajuda a construir sociologias abertas ao amor e religiões que não sejam indiferentes às dores do mundo. Talvez a justa reflexão sobre umas e outras permita que as pré-compreensões de cada uma não se fechem em preconceitos mútuos. E nessa troca de olhares, cabe meditar sobre o lugar de Maria, não só na missão social da Igreja, mas na história da salvação humana.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A Mariologia Social pode ser uma busca desses olhares. Seguir os passos de Maria para iluminar as andanças do compromisso social do cristão. Ela não é o centro, mas é central nesse caminho. Por isso é tão importante aproximar-se dela para que as pessoas sejam verdadeiramente seguidoras do seu Filho. Afinal, como bem diz Auguste Nicolas, o culto à Nossa Senhora é “depois da cruz de Jesus Cristo, o meio mais poderoso da regeneração do mundo pelo Cristianismo.”</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Deixar-se conduzir por Maria implica reconhecer que ela é o mais perfeito modelo humano de seguidora de Jesus. Nem é preciso pedir que ela passe na frente, pois ela nunca esteve atrás. Daí o cuidado de não querer fazer de Nossa Senhora uma espécie de Maria vai com as outras, para satisfazer caprichos devocionais ou fazer proselitismo político. Tirar as sandálias contaminadas por nossas mesquinhezas é sempre uma boa prática para se caminhar no solo sagrado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Outro dia, fiquei indignado com um texto de um conhecido senador, compartilhado como se fosse o suprassumo da interpretação de passagens bíblicas por um cristão. Nem falo das impropriedades no uso da fala coloquial para aproximar as mensagens cristãs do nosso dia a dia, pois a atualização da linguagem, quando usada com sabedoria, é uma virtude hermenêutica. Mas reduzir Jesus, que para quem é cristão é nada menos que Deus, a um militante de esquerda, forjado à imagem e semelhança do político, isso sim, é uma lástima!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De igual modo, as reflexões da Mariologia Social não podem ser um projeto forçado de simpatizantes da Teologia da Libertação, entre os quais eu me incluo, com todas as autocríticas que faço. Como lembra Clodovis Boff, “o mistério de Maria é tão profundo e luminoso que continua a emitir luz e energia séculos afora.” E se o texto sagrado proclama que todas as gerações a chamarão bem-aventurada, essa bem-aventurança está muito acima de contorcionismos devocionais e manipulações político-ideológicas. Ela inspira a caminhada de pessoas que derramam seu pranto e riem seu riso nas calçadas da fé e da vida. Caminhada para salvação que já começa neste mundo, mas não deixa de esperançar o paraíso governado pelo Deus Amor.</div></span></div>
Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-33965773718192214902023-04-01T05:16:00.000-07:002023-04-01T05:16:01.172-07:00Teologia da Libertação e Maria, mulher pobre, forte e guerreira.<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh9GJhg9-IlBEbv4PKQ3G0Z7XWeAKtcE9nd-0N0GymV9ekzWycFllkSCiWhq9OFlzewSmMK5sRd91BIlwoi9fV0FbRdaH1SQzMrA_EdyAfttZfG8shpokOqwiZk9oUGFJNpa8mpAqEgVEypnASDI66KruRVdmGGG8lfpTAzm-_PcDVvwtJN-vg74Ctu" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="2013" data-original-width="3439" height="187" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh9GJhg9-IlBEbv4PKQ3G0Z7XWeAKtcE9nd-0N0GymV9ekzWycFllkSCiWhq9OFlzewSmMK5sRd91BIlwoi9fV0FbRdaH1SQzMrA_EdyAfttZfG8shpokOqwiZk9oUGFJNpa8mpAqEgVEypnASDI66KruRVdmGGG8lfpTAzm-_PcDVvwtJN-vg74Ctu" width="320" /></a></div><br /> <p></p>
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">
No chão da sala, uma esteira de palha. Na parede, um poster de Ernesto “Che” Guevara, já transformado em ícone da cultura pop. Nos meus tempos de república de estudante, a gente, ou não tinha ouvido falar, ou não dava ouvidos ao fato de Guevara ter se gabado na ONU, dos fuzilamentos sumários que tinha praticado –, conta-se que até por homofobia e intolerância religiosa –, como instrumento de luta às mortes causadas pelo imperialismo, pois o que imperava em nossa mente era a ideia de que ser jovem e não ser revolucionário era mesmo contradição genética.
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Naquele tempo, outra coisa que fazia nossa cabeça era a Teologia da Libertação. Não fazia sentido falar em salvação da alma sem que houvesse respeito a dignidade dos mais pobres, com garantia dos direitos humanos no âmbito da sociedade e da cultura, como diz a Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI. Afinal, a verdadeira evangelização não pode separar a fé da vida.
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Mas houve distorções nessa forma de viver o Evangelho. A Teologia da Libertação, como reconhece Paulo VI, repercutia a voz de milhões de filhos e filhas da Igreja, de povos que lutavam para superar injustiças do neo-colonialismo econômico. Porém muitos dos seus defensores limitavam a mensagem evangélica a um projeto temporal, manipulado por sistemas ideológicos e partidos políticos. Nessa visão deturpada, o Jesus histórico era uma espécie de militante revolucionário.
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Com Maria de Nazaré, a história era diferente. Reproduzindo a concepção machista de confinar a mulher ao espaço privado, predominava a imagem açucarada de Nossa Senhora, como doce mãe, mulher recatada, rainha distante. Era como se ela não tivesse sido uma mulher pobre, forte e guerreira, bem próxima de muitas que conhecemos.
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Maria, como lembra Paulo VI, longe de ser uma mulher submissa e de religiosidade alienante, foi capaz de exaltar a Deus como “vingador dos humildes”, que despacha os poderosos de mãos vazias. E no dizer da Lumen Gentium, sendo a “primeira entre os humildes e os pobres do Senhor”, foi uma mulher que, como destaca a Marialis Cultus, conheceu de perto a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio, igual a milhões de outras mulheres para quem a igualdade de gênero é um horizonte distante.
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Até João Paulo II, que combateu os excessos da Teologia da Libertação, traçou o perfil de Maria como guerreira. Na Redemptoris Mater, o “pisa na cabeça da serpente” é mais do que um chavão devocional. É a certeza de que Maria foi colocada no centro de uma inimizade com os males do mundo, numa batalha que não é só espiritual. E no final da Evangelium Vitae, o Papa confia a ela, como aurora do mundo novo, a causa da vida, não só das crianças impedidas de nascer, mas também dos pobres para quem se torna difícil viver.
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E é na vida dos pobres que Maria sempre este presente na esfera pública. Jeroslov Pelikan observa que Maria é o nome de mulher mais pronunciado no mundo ocidental. É o nome que os casais mais escolhem para batizar as filhas, ou como diz Andrew Greeley, ela é o símbolo cultural mais poderoso e popular dos últimos dois milênios. Não é à toa que até um pensador protestante, como Friedrich Foester, reconheça que para a cultura humana, Maria supera de longe tudo o que a técnica moderna fez pelo mundo.
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Mas é preciso ter cuidado para não reduzir o papel de Maria de acordo com nossas ideologias. Como lembra S. Galilea, se Maria tem lugar na libertação dos pobres, é por sua capacidade de inspiração evangélica e humanizadora. Maria, a exemplo de Jesus, não era uma militante, nos moldes que entendemos hoje. O seu papel de esmagar as cabeças das serpentes do mundo é muito mais profundo, pois ela nos ensina que “a verdadeira libertação e liberdade não é tornar-se rico, nem agir insolidariamente, nem buscar poder para abusar de outros mais fracos”.
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Por isso, nenhuma teologia de inspiração cristã pode aceitar a libertação pela via dos fuzilamentos. Da mesma forma, não é coerente com o Evangelho qualquer prática devocional alienada da vida. “Dai-lhes vós mesmos de comer”, exorta a Campanha da Fraternidade, que pede para Maria interceder para acolhermos seu Filho em cada pessoa, principalmente nos abandonados, esquecidos e famintos.
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Ao mesmo tempo, qualquer teologia de inspiração cristã deve nos conduzir para um mundo em que os espaços sociais, políticos e religiosos não sejam dominados pelos homens. Mundo que não enclausura as mulheres na esfera privada, como fazemos muitas vezes com Maria. Mundo que tem consciência de que só o Filho de Maria é o caminho para a Salvação, que passa pela libertação das injustiças dos reinados dos homens, mas tem como destino final o Reinado de Deus.
</span></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-86696528683632542082023-03-05T08:39:00.002-08:002023-03-05T08:39:25.687-08:00 Sabedoria vem de Deus. E se guarda no coração.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQD8LdU2bIeIv1EMPSPHv-LlBZvR9ECuSDAREMtUZZMCA_7olRSnI09s8Xhi-7Z422X8E-aFxWdS2jN1RzdH8ZP4Dq5VZ765cVlNNa9yjIC9ubvQLUj3sxI2C5q66nt6acSq0SYl-vCZWJgCUvkS3DMDgnAYltfCzGq1X10X2IiLk5pueIUDPahY5z/s4032/Sabedoria%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQD8LdU2bIeIv1EMPSPHv-LlBZvR9ECuSDAREMtUZZMCA_7olRSnI09s8Xhi-7Z422X8E-aFxWdS2jN1RzdH8ZP4Dq5VZ765cVlNNa9yjIC9ubvQLUj3sxI2C5q66nt6acSq0SYl-vCZWJgCUvkS3DMDgnAYltfCzGq1X10X2IiLk5pueIUDPahY5z/s320/Sabedoria%20blog.jpg" width="320" /></a></div><p></p><p></p><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A vida lá não era besta, como a da cidadezinha qualquer, do poema de Drummond. Mas era como se a roda do tempo fosse mais lenta e as janelas também olhassem devagar. Ir a igreja todas as noites era o principal programa noturno do mês de maio. Na ladainha, uma ou outra invocação a Nossa Senhora me deixava curioso. Por que chamá-la de sede da sabedoria, se nos relatos da Bíblia, quase sempre o sábio era um homem? Na minha cabeça – e acho que na de muita gente –, não havia sabedoria mais famosa que a de Salomão, que deixou impressionada a rainha de Sabá.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">O Primeiro Livro dos Reis conta que Deus apareceu em sonho a Salomão e lhe disse: “pede o que devo te dar.” Em vez de vida longa ou riquezas, ele desejou sabedoria. Deus, então, lhe deu um coração sábio, como ninguém teve antes e ninguém teria depois. Maria, porém, não aparece na Bíblia como uma figura típica dos escritos sapienciais. Tirando o Magnificat, as narrativas trazem poucas falas de Nossa Senhora, e dela geralmente se diz que guardava no coração aquilo que não compreendia. Então por que ela, e não Salomão, é sede da sabedoria?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Diz o Livro da Sabedoria que esta conhece as coisas passadas, adivinha o futuro, percebe as sutilezas da retórica e decifra os enigmas. Contudo, como somente Deus – e nenhuma religião, filosofia ou ciência–, tem conhecimento infinito das coisas, a verdadeira sabedoria está na mente do Criador. Mas como a gente pode conhecer uma migalha que seja dos pensamentos de Deus? Para a fé cristã, mais do que na Lei e nos Profetas, a resposta está em Jesus Cristo, a ponto de Paulo afirmar que, para aqueles que são chamados, é Cristo o poder e a sabedoria de Deus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por essa fé, cremos que somos chamados antes de nos formamos no ventre de nossas mães. Cremos que, em Cristo, somos escolhidos antes da fundação do mundo. Se é assim, nada mais justo do que imaginar que a escolha da mulher para trazer ao mundo seu poder e sabedoria tenha sido um dos pensamentos mais felizes na mente de Deus. Nessa verdade de fé, Maria é, ao mesmo tempo, mãe terrena e filha querida da sabedoria divina.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Isso não significa que Maria fosse capaz de desvendar todo o mistério que envolveu sua vida. Com o seu sim, a história de Jesus passou a ser também sua história. Mas a mãe sabia que o filho era um enigma muito maior do que qualquer pessoa pode alcançar. Ele era a realização de tudo quanto o povo de Deus tinha aprendido (ou não) com as Escrituras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Educada na fé dos seus pais, Maria certamente conhecia o que Moisés mandava seu povo ensinar aos filhos e aos filhos de seus filhos: meditar no coração as histórias do passado como ação de Deus em suas vidas. Fazer isso não por saudosismo, mas tendo em mente a convicção de que fala Aristide Serra: “o que o Senhor operou no passado pelos seus eleitos é a garantia de que ele fará o mesmo nas circunstâncias presentes e nas futuras, já que seu amor é imutável.”</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No caso de Maria, o desafio ainda era maior. Mais do que meditar as histórias do passado do seu povo, tentar compreender o comportamento do filho, como mãe e como discípula. A intimidade sem igual entre um ser humano e a sabedoria divina fez aumentar essa compreensão. Pois como disse Santo Agostinho – o que pode ser estendido a outras mães –, Maria trouxe o filho mais no coração do que no ventre.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Entretanto, em qualquer campo da vida humana, incluindo a fé, há sempre obscuridades. Não compreender tudo não é falta de sabedoria. Causa-me arrepio quando alguém, na rede social, diz que a gente pode perguntar sobre qualquer coisa, que essa pessoa responde. Credo em cruz com esse tipo de sabe-tudo! E quando é para falar sobre os mistérios de Deus, não há como nossa linguagem não tropeçar nas coisas ocultas, como é o caso da dificuldade em compreender as parábolas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Parábolas são mencionadas já no Antigo Testamento, bem antes de terem sido utilizadas por Jesus. As narradas no Evangelho geralmente trazem histórias emblemáticas, em que se recorre à comparação. Até mesmo a melhor exegese não deve ter a pretensão de explicá-las de uma vez por todas. Ainda mais sabendo que nossas limitações muitas vezes nos levam a olhar sem ver e ouvir sem escutar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Maria, como toda mãe, deve ter contado histórias a Jesus. Em algum momento, deve ter olhado para seu menino enquanto dormia, imaginando o que se passava na cabeça dele. Também ouviu de Jesus palavras que não compreendeu bem, como as que ele disse depois que se perdeu dos pais e foi encontrado no templo, em meio aos doutores da lei. Como qualquer mãe, ela não tinha como sondar os pensamentos do filho. Mas ninguém neste mundo sentiu tão de perto o amor imutável de Deus, batendo no coração de Jesus</div></span><p></p><p><br /></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-60572493379157521952023-01-31T13:36:00.005-08:002023-01-31T14:06:15.049-08:00Rainha da paz, da ternura e esperança<div class="separator" style="clear: both;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPsRvrCXnSzKsIXDdbeS6Qg7Ye1xwNsE76fXJWv2IilllE5HRLK5puNtfFnJv51fhBPNw13PqvS7ahecCxGNG-xWnRPuA_0GO0jjA3Ae35CDFvQiONBu6e-k37TuW2T-S4Lb12ns-3WDz1ez5onwqzRc8PxRgUcLSxY7A3zqdvs3yYg3n5HkpQKGbY/s1600/Rainha%20blog.jpeg" style="display: block; padding: 1em 0px; text-align: center;"><img alt="" border="0" data-original-height="738" data-original-width="1600" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPsRvrCXnSzKsIXDdbeS6Qg7Ye1xwNsE76fXJWv2IilllE5HRLK5puNtfFnJv51fhBPNw13PqvS7ahecCxGNG-xWnRPuA_0GO0jjA3Ae35CDFvQiONBu6e-k37TuW2T-S4Lb12ns-3WDz1ez5onwqzRc8PxRgUcLSxY7A3zqdvs3yYg3n5HkpQKGbY/s320/Rainha%20blog.jpeg" width="320" /></a></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Este ano tive um réveillon diferente. Meu filho, internado no hospital, com a mãe de acompanhante. Eu, sozinho, vendo pela janela a queima dos fogos, e pensando como a vida da gente não cabe no planejado. Olhei para a Vila Olímpica, e lembrei da morte do rei Pelé. Tinha visto na TV que seu milésimo gol podia ter sido o que ele fez bem perto de onde eu estava. Também me veio à mente a morte do Papa Bento XVI, o único do nosso tempo que, reconhecendo a falta de vigor do corpo e do ânimo, abriu mão de governar a barca de São Pedro.<p>
No livro Bento XVI, o último testamento em suas próprias palavras, Peter Seewald traz uma série de entrevistas com o Papa emérito. Sobre a renúncia, o jornalista perguntou como o Papa se sentiu ao ficar, de um dia para o outro, privado de poder e quase preso por trás dos muros do Vaticano. Bento XVI respondeu que nunca considerou o poder como uma força dele, mas uma responsabilidade, algo pesado, que faz a pessoa se perguntar todos os dias: “eu dou conta?” E sobre a aclamação das massas, disse que sempre teve consciência de que as pessoas não festejavam “aquele pobre homenzinho lá”, mas quem ele representava.</p><p>
Em outro trecho, o livro traça um paralelo entre João Paulo II e Bento XVI. Observa que o primeiro trazia a veia do ator que tinha sido, homem dos gestos que buscava os palcos, enquanto o outro era o tímido homem da palavra, que dispensava os efeitos especiais e tinha como principal tarefa manter a Palavra de Deus “em sua grandeza e pureza, contra todas as tentativas de ajuste e diluição.” Outra diferença, segundo o livro, é que Bento XVI era erudito e cristocêntrico, e João Paulo II era místico e mariano.</p><p>
Mas como Maria é mãe não apenas de quem é mariano, o Papa Francisco confiou Bento XVI à Nossa Senhora, para acompanhá-lo na passagem deste mundo para as mãos de Deus. Naquela homilia do dia mundial da paz, o Papa também destacou dois gestos simples dos pastores ao encontrarem Maria, José e o menino deitado na manjedoura: ir e ver. Em vez de esperar sentados que as coisas mudem, interrogar a nós mesmos: “Eu, neste ano, aonde quero ir? A quem vou fazer bem?” E abrir bem os olhos para o que realmente importa: Deus e os outros.</p><p>
Também pediu para rezarmos pelos que sofrem e não têm força de rezar, pelas vítimas das guerras em tantas partes do mundo e que, naqueles dias que eram para ser de festa, padeciam na escuridão e no frio, na miséria e no medo, sufocados pela violência e indiferença. Onde elas e nós encontraremos a paz? Certamente não em um mundo, real ou virtual, que nos deixa anestesiados e insensíveis.</p><p>
A homilia destacou ainda um dado de fé, que é uma boa nova: O Deus Filho tem uma Mãe. Pela encarnação, Deus envolveu-se para sempre com a nossa humanidade. Nascido de Maria, mostrou que nos ama não apenas lá do alto. E sendo Maria a mulher que trouxe ao mundo o Príncipe da paz, nada mais justo que ela seja vista como rainha. </p><p>
Ocorre que a realeza de Maria às vezes é interpretada incorretamente. O primeiro erro, como observa Stefano De Fiores, é partir do conceito político e histórico de realeza, para dele derivar a grandeza de Nossa Senhora. É compreensível a comparação com o prestígio da rainha-mãe, a exemplo do que a Bíblia narra sobre Betsabéia. Como esposa do rei Davi, ela se prostra diante do marido. Mas quando seu filho, Salomão, torna-se rei, é ele que se prostra diante dela. No entanto, o texto sagrado jamais relaciona Maria ao poder político, nem à prepotência de reis e rainhas de então.</p><p>
Evitar esse erro é ainda mais importante por vivermos numa época de cultura democrática, em que a opulência dos palácios reais estão cada vez mais longe da realidade do povo. No caso do Brasil, esse distanciamento é maior, por não termos em nossa história referências de reis e rainhas, a não ser quando damos esses títulos a alguns ídolos, como demos ao rei do futebol.</p><p>
Além disso, é bom não esquecer, como ensina Aristide Serra, que no plano de Deus, reinar é servir, e servir é reinar. No plano salvífico, Maria tornou-se rainha porque se fez serva do Senhor. Esse reinado/serviço continua no céu, assim como no céu Jesus continua sendo o único Salvador. Nossa fé não admite vacância cristológica, nem devoção que não seja cristocêntrica, seja neste ou no outro mundo. Como resume De Fiores: “Jesus não deixou a terra para transformar-se em ‘messias honorário’, já que ele permanece como o único mediador fora do qual não existe salvação.”</p><p>
Nesse cenário, a realeza de Maria não combina com ostentação e instrumentalização da fé. Por isso, como lembra De Fiores, não parece adequada a acumulação de milhares de diamantes para coroar a imagem de Nossa Senhora, como foi feito em Saragoça. Muito menos, como diz Maria Warner, instrumentalizar a soberania de Nossa Senhora, fazendo pensar que bondade é sinônimo de poder e riqueza.</p><p>
Maria é rainha, independente da quantidade de diamantes incrustados nas coroas de suas imagens. Ela é a Rainha da paz que, como lembra a homilia do Papa Francisco, nos abençoa com seu Filho nos braços, trazendo ao mundo a ternura de Deus feito carne, e nos dando a esperança que tanto precisamos, tal qual a terra precisa de chuva.</p></div></span>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-76343969334056932492022-12-24T11:24:00.011-08:002022-12-24T11:46:10.574-08:00Queda do homem e Nova Eva<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTMafR6MEmlc7SU_NKuVpaNIjLONy-3yUS5WKVtjqCGdfa6gto3MQf2FN0iqaO2HeHDpTtyFBMeZ-LZ1VAP7KbpNbXBPPFtnq7ioRfFFmsYf0EJ8LjvXlsym5NN0I2wFwz1v6_unGWdZYANVsI2tGHulPQygcdScGbGGwl6f3Frb0lbeX8bhcY8Ls7/s4000/Queda%20blog.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTMafR6MEmlc7SU_NKuVpaNIjLONy-3yUS5WKVtjqCGdfa6gto3MQf2FN0iqaO2HeHDpTtyFBMeZ-LZ1VAP7KbpNbXBPPFtnq7ioRfFFmsYf0EJ8LjvXlsym5NN0I2wFwz1v6_unGWdZYANVsI2tGHulPQygcdScGbGGwl6f3Frb0lbeX8bhcY8Ls7/s320/Queda%20blog.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: left;">
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Mais do que Adão, Eva tem sido acusada de cúmplice da serpente. Para Santo Ambrósio, ela devia ser considerada inteiramente responsável pelo delito original, sendo justo que aceitasse, como seu soberano, o homem a quem teria levado a pecar. Não sei se a ideia do santo se inspirou num trecho da Primeira Carta a Timóteo. </span></div>
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Ao dar instruções sobre a oração litúrgica, assim diz a Carta: “Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Que ela conserve, pois, o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que, com modéstia, permaneça na fé, no amor e na santidade.”</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Não quero aqui atiçar as brasas da polêmica sobre o texto. Muito menos acusar seu autor de misógino. Não é adequado julgar padrões sociais do passado a partir de conceitos atuais. Mas não deixa de ser irônico que quem escreveu aquelas recomendações, talvez a pretexto de defender tradições antigas, não tenha percebido que o Mestre, a quem dizia seguir, trouxe um jeito completamente novo de lidar com as coisas do mundo, incluindo os preceitos religiosos.</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Também não acho que o melhor caminho seja o contorcionismo interpretativo. Considerar que o redator da Carta se referia apenas a viúvas jovens, referidas na mesma Carta e na Segunda a Timóteo, como pessoas desocupadas, faladeiras e indiscretas, que andavam de casa em casa, sem ter o que fazer, podendo cair na lábia de falsos profetas, o que as tornaria incapazes de atingir o conhecimento da verdade. Para elas, o remédio, segundo o texto sagrado, seria arrumar o que fazer, casando-se e tendo filhos.</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Do mesmo modo, penso que a melhor saída não é, no intuito de libertar Paulo do antifeminismo – para me valer da expressão de José Bortolini –, dizer simplesmente que a Carta pertence às chamadas pseudopaulinas. Ou seja, ela estaria vinculada a chamada “escola paulina”, mas Paulo não a teria escrito. Isso poderia nos afastar de uma possível contradição com outros textos paulinos, como o da Carta aos Gálatas, que diz não haver mais diferença entre homem e mulher, pois todos são um só em Jesus Cristo. Mas isso só reforçaria o caráter discriminatório das recomendações a Timóteo, procurando outro cristão para enfiar a carapuça, como sendo o verdadeiro redator de palavras que fundamentam a submissão da mulher numa grotesca interpretação do texto da criação, ainda mais quando a Carta aos Romanos fala da entrada do pecado no mundo por meio de Adão, e não de Eva</div>
<div style="text-align: justify;">. </div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Todavia, mesmo considerando a cooperação de uma mulher para o mundo abrir as portas ao pecado, é do ventre de outra virgem nascida sem pecado que nos vem o Redentor. Essa visão de Maria como a Nova Eva tem suas raízes no texto do Evangelho de Felipe, considerado apócrifo, onde se lê: “Adão deve sua origem a duas virgens, isto é, ao Espírito e à terra virgem. Por isso Cristo nasceu de uma Virgem, para reparar a queda que ocorreu no princípio.”</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">O tema Eva-Maria, como explica René Laurentin, aperfeiçoou-se ao longo dos tempos. Justino, no Diálogo com Trifão, teria sido o primeiro a explicitá-lo. A partir da Anunciação, contrapõe Eva, que deu à luz desobediência e morte, a Maria, que concebeu fé e alegria: “Cristo feito homem por meio do Espírito Santo.” Irineu foi mais além. Mais do que paralelismo, a concepção da Nova Eva passou a ser vista como consequência necessária de uma ideia essencial: “o plano salvífico de Deus não é simples reparação da primeira obra. É recomeço desde a origem, regeneração mediante a cabeça, recapitulação em Cristo.”</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Esquecido por algum tempo, esse tema passou a ser rediscutido após a Contra-Reforma. Mais do que uma comparação, temos diante de nós um caminho para compreensão do plano salvífico de Deus, no qual Maria tem papel importante. A Nova Eva apresenta-se como mãe do Novo Adão segundo o Espírito. E como comenta Laurentin, “se o feminismo indigna-se com a narração do Gênesis em que a mulher é tirada do homem, o novo Adão inverte essa tese, nascendo de mulher sem cooperação viril, porém através da obra transcendente de Deus.”</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Um tema como esse requer cuidado na sua discussão. Por isso a doutrina do Vaticano II, na Lumem Gentium, prefere não adotar o título de Maria como co-redentora, o que poderia gerar equívocos de interpretação, quem sabe até obscurecer a eficácia da redenção realizada por Jesus, o único mediador, contrariando a Sagrada Escritura e ofendendo nossa fé. </div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: justify;">Todavia, também não é justo desprezar o modo todo especial como Maria cooperou na obra do Salvador. Não bastasse o íntimo laço de parentesco entre mãe e filho, ela livremente se tornou serva do Senhor, elevando-se entre os filhos de Deus, como primeira e mais qualificada pessoa humana no contexto da Nova Aliança. E se essa cooperação nada acrescenta ou retira à obra do seu Filho, ela mesma se torna o primeiro fruto da eficácia da redenção por Ele realizada.</div>
<div style="text-align: justify;"><br /></div>
</span>
<span style="font-family: arial;">
<div style="text-align: center;">Feliz Natal de Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria!</div>
</span>
</div>
<div style="text-align: left;"><br /></div>
<p></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-89687758710172676962022-12-04T14:47:00.002-08:002022-12-04T14:47:35.182-08:00Primeira pessoa da história<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAY36F04pRVo07g_sYa1MoStmOA048H0uzrrE9S2QeB7B2keW7TgCluazGlQ2zn8iKabXEZV6f_5EFR9nmfcIgspKTzyFd0BbfHGayiAo8c2comNhpawvw5MCRPM_SlAEd7dDMEpHhM-TkIPIYBPjTx_llMOAsYPZwVllmrHq_5B6xSLjUa7UchLgz/s4032/primeira%20pessoa%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAY36F04pRVo07g_sYa1MoStmOA048H0uzrrE9S2QeB7B2keW7TgCluazGlQ2zn8iKabXEZV6f_5EFR9nmfcIgspKTzyFd0BbfHGayiAo8c2comNhpawvw5MCRPM_SlAEd7dDMEpHhM-TkIPIYBPjTx_llMOAsYPZwVllmrHq_5B6xSLjUa7UchLgz/s320/primeira%20pessoa%20blog.jpg" width="320" /></a></div><br /><span style="font-family: arial;">Faz mais de dez anos que escrevi a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre interrupção de gravidez de anencéfalo. O texto, Comparar anencéfalo a natimorto é coisa de mentecapto?, publicado no blog mitos e metáforas, é anterior a uma mudança no Catecismo da Igreja Católica, que na antiga redação do parágrafo 2267 ainda admitia a pena de morte.</span><p></p><p><span style="font-family: arial;">Na decisão do Supremo há uma afirmação que particularmente questiono. Data vênia. Depois de dizer que para o Conselho Federal de Medicina, anencéfalos são natimortos cerebrais – o que condiz com nosso critério jurídico para o fim da personalidade –, o Ministro Relator conclui que um anencéfalo jamais se tornará pessoa.</span></p><p><span style="font-family: arial;">Pessoa em que sentido? Se for no jurídico, podemos deduzir que a decisão mudou de uma vez por todas o critério médico-legal de investigação do início da vida pela entrada de ar nos pulmões? E se, por exemplo, uma mãe, mesmo autorizada pela decisão do STF, decide não interromper a gravidez, dá a luz a um anencéfalo, ele respira por alguns minutos antes do coração parar de bater, ainda assim, por causa da decisão do STF, aquele ser não chegou a ser pessoa de acordo com o Código Civil?</span></p><p><span style="font-family: arial;">Não é fácil definir pessoa. Normalmente se diz que é o ser humano considerado em sua individualidade, dotado de razão e de querer. Mas não se pode negar a qualidade de pessoa a quem não tem plena consciência de si. Pessoa é um “eu” único que, como lembra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nasce livre e igual em dignidade e direito, e que deve interagir com outras pessoas em espírito de fraternidade. Contudo, quem não tem discernimento também é pessoa, titular de direitos, ainda que não possa exercê-los por si mesma.</span></p><p><span style="font-family: arial;">Refletir sobre o que é uma pessoa é ver o ser humano não apenas como aglomerado de átomos e moléculas, pedacinho do cosmos que não explicamos completamente. É tentar enxergá-lo como sujeito do seu destino, ideia construída no correr dos séculos, que já se desenhava no pensamento estoico de consciência pessoal e livre, e que depois revestiu-se do manto jurídico, com a atribuição de personalidade civil ao cidadão no império romano.</span></p><p><span style="font-family: arial;">Todavia, a noção de pessoa que temos hoje só foi possível quando a filosofia grega e o direito romano se encontraram com a reflexão cristã. Os Pais da Igreja deram sua contribuição quando discutiram a natureza de um Deus único em três pessoas. E a metafísica cristã nos conduziu à concepção de “pessoa humana”, com igual dignidade, como criatura de Deus, chamada para uma salvação para a qual contribui com o seu sim ao Criador.</span></p><p><span style="font-family: arial;">Dentro dessa concepção, faz sentido dizer, como diz Xavier Pikaza, que Maria é a primeira pessoa da história. Igualzinho a todos nós, Maria é corpo e alma, animalidade e pensamento, diferente das pessoas divinas da Santíssima Trindade. Mas pela graça de Deus, ela se realiza como pessoa no sentido mais profundo da palavra: “faz-se dona de si mesma e plenifica sua existência em caminho de abertura para o divino.”</span></p><p><span style="font-family: arial;">Na visão cristã, Deus cria homem e mulher para a plena realização como pessoas em comunhão com o divino, ou seja, para a salvação. Mas por não criá-los como fantoches, permite que possam escolher outro caminho. E Maria, com plena liberdade torna-se serva do Senhor, para viver sua vida de mulher, mãe e irmã de pessoas a caminho da salvação, desenvolvendo todas as potencialidades humanas.</span></p><p><span style="font-family: arial;">Como mulher, a feminilidade de Maria é singular. Ela é esposa de José, mas sendo Virgem Mãe, não se limita a complemento feminino do marido. Ao dar o sim ao emissário divino, apresenta-se como dona de sua palavra e de sua vida, sem precisar ser tutelada por ninguém, como ainda hoje são as mulheres na cultura do país da Copa. E mesmo sendo Mãe do Filho de Deus, não deixa de ser discípula de seu Filho, além de mãe e irmã dos seguidores de Jesus.</span></p><p><span style="font-family: arial;">As instituições humanas são necessárias, porém precárias. Chamar um órgão de poder humano de Supremo não significa que ele não possa ter suas decisões questionadas. Até a infalibilidade papal é restrita a verdades divinamente relevadas, e não abrange questões como a pena de morte, admitida pelo Catecismo da Igreja Católica até 2018, quando teve sua redação alterada.</span></p><p><span style="font-family: arial;">Uma coisa, porém, é certa. Mesmo que o conhecimento humano seja insuficiente para analisar a identidade pessoal de Maria, se compreendemos a noção de pessoa na perspectiva cristã, não há dúvida que ela é verdadeiramente a primeira “pessoa humana” da história. Pois como resume Mercedes Navarro, “Maria foi o que quis ser; foi o que Deus lhe pediu que fosse; foi também mais do que sonhou ser.”</span></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-72040050678531078422022-10-21T13:56:00.002-07:002022-10-21T13:56:05.975-07:00Orar como Maria é tocar no coração de Jesus<p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyUZbQAMmPH2yspsdvtD1Ds0lPk3tm_qCDbyO10B-kIuHsGLW7tSTwtFivq8wF6jLS7XtBT10Lvv3t2yON7V1xXbObvKMIuiS9om6RBCh-IMpLkt5uaw_46Zg6g5b5MEhabdM9bh0osd_622qLTvwMd3paOhdsBCXAyg2PeCoV5MiYbVRGkMNgPI5r/s4032/Orar_blog%5B1%5D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyUZbQAMmPH2yspsdvtD1Ds0lPk3tm_qCDbyO10B-kIuHsGLW7tSTwtFivq8wF6jLS7XtBT10Lvv3t2yON7V1xXbObvKMIuiS9om6RBCh-IMpLkt5uaw_46Zg6g5b5MEhabdM9bh0osd_622qLTvwMd3paOhdsBCXAyg2PeCoV5MiYbVRGkMNgPI5r/s320/Orar_blog%5B1%5D.jpg" width="320" /></a></div><span style="font-family: Arial, sans-serif; text-align: justify;"><br /></span><p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-family: Arial, sans-serif; text-align: justify;">Era
uma vez um homem muito ocupado. Vivia se queixando que não tinha tempo para
nada. Mesmo assim, queria aprender a arte da oração. Procurou um monge, versado
em Filocalia, o amor ao belo e ao bom, para se aconselhar:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";"> –
Você pode tirar pelo menos duas horas por dia para oração?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">–
Duas horas?! É muito tempo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">– E
uma hora?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">–
Ainda é muito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">– E
se for meia hora?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">–
Posso tentar, mas acho difícil. É tanta coisa na cabeça. Mas se eu não
conseguir tempo para rezar, o que faço, então?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">No
que o monge respondeu:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">– Se
você não tem tempo para rezar, então reze o tempo todo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">É
possível rezar em qualquer lugar e o tempo todo. Uma fórmula recomendada é,
prestando atenção ao compasso da respiração, repetir a oração: Senhor Jesus
Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Evágrio
Pôntico ensina que a oração é conversa da inteligência com Deus, e quem ama a
Deus conversa incessantemente com Ele. Já Isaac, o sírio, aconselha:
“Esforça-te por entrar no teu quarto interior e verás o quarto celeste. Pois
são a mesma coisa; e a mesma porta se abre para a contemplação de ambos. A
escada desse reino está escondida dentro de ti, na tua alma.” E a escada para o
quarto celeste não pode desprezar a oração mariana.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Oração
mariana não é apenas orar a Maria, mas como Maria. Isso não quer dizer que
nossa oração não possa ser direcionada a ela. Maria é Mãe de Deus, cheia de
graça. Toda devoção a ela é pouca. Todavia, principalmente a partir do séc.
VIII, em muitas expressões religiosas, Maria começou a aparecer cada vez mais
isolada de seu Filho, o que provocou uma legítima reação protestante. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Como
se não bastasse, muitas comunidades praticavam uma devoção mariana meramente
quantitativa, infantil e superficialmente sentimental, sem fundamento na
revelação bíblica. Stefano de Fiores nos traz o depoimento de um religioso, que
mostra a imaturidade e o amadurecimento da fé na devoção a Maria: “em criança –
afirma um religioso –, ela era para mim como que uma fada. Em minha adolescência,
um mito. Em minha juventude, ela se achava muito elevada e distante… Agora
estou quase continuamente com ela e vamos juntos ao cenáculo e ao calvário.”
Orar como Maria faz parte de uma devoção bem orientada e equilibrada. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Nos
relatos bíblicos, o grande hino atribuído a Nossa Senhora é o <i>Magnificat. </i>No
entanto, o modelo orante de Maria não se contém em palavras. Agraciada como
templo vivo do Verbo Encarnado, ninguém deste mundo teve mais intimidade com o
Espírito Santo do que ela. Seu sim abriu as portas dos nossos quartos para o
quarto celeste, na maior oração de disponibilidade e obediência a Deus da
história. Ao lado do Filho, da manjedoura aos pés da cruz, ninguém mais do que
ela viveu a oração do seguimento a Jesus, oração da renúncia na solidão, oração
do silêncio e da sabedoria do coração.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Vivemos
dias inquietantes. No cenário mundial, uma guerra insana que ameaça a vida na
Terra. No palco ou ringue nacional, uma campanha eleitoral com tanto insulto e
baixaria, que fez um padre de 81 anos de vida, 56 de sacerdócio e mais de 2 mil
canções religiosas, fechar temporariamente sua página de catequese numa rede
social, porque muitos que se dizem cristãos preferiram ser catequizados pelo
maniqueísmo comandado por dois poderosos políticos brasileiros.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Cada
cidadão e cidadã tem no voto consciente um instrumento importante para melhorar
a vida do povo. Mas não há convivência democrática sem respeito. E se para
ganhar voto, um e outro ficam se exibindo como cristãos exemplares, é bom
lembrar que Maria é o modelo da perfeita cristã, no qual toda a vida é oração.<o:p></o:p></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
</p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Ela
é Mãe, mas também é discípula do seu Filho. Para nós, Rainha, mas também serva
do Senhor. Por isso, em tempos difíceis, podemos juntar nossas vozes a de São
Bernardo, para dizer: “Nos perigos, nas angústias, nas perplexidades, pensa em
Maria, e para obter a sua intercessão segue os seus exemplos; se a seguires,
não te desviarás do caminho certo; se a ela recorreres, não perderás a
esperança.”<o:p></o:p></span></p><p></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-26117061637709001012022-09-30T16:17:00.002-07:002022-09-30T16:17:28.107-07:00Natividade de Maria, Mãe do Salvador do povo, do rei e da rainha<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmiovrz5HSaAKnA1Zpmdsj-pg1J0eUAzBPLZ2ujSts8_sOwRUsPVypixtL6DTPJAyHwHsnJpigTWT2rf08V8VNodo0iPRSU-jNFLrSnrggL70woE1VZFlSgXMNJA2yDWjJRmHmHxRrtGqO7p2DEAE1pdWJbm6ZJJYpC14uCrRQkdPkxZG-0xst_o75/s2605/Natividade%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1801" data-original-width="2605" height="221" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmiovrz5HSaAKnA1Zpmdsj-pg1J0eUAzBPLZ2ujSts8_sOwRUsPVypixtL6DTPJAyHwHsnJpigTWT2rf08V8VNodo0iPRSU-jNFLrSnrggL70woE1VZFlSgXMNJA2yDWjJRmHmHxRrtGqO7p2DEAE1pdWJbm6ZJJYpC14uCrRQkdPkxZG-0xst_o75/s320/Natividade%20blog.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">A
Rainha Elizabeth morreu no dia oito de setembro. Um dia depois dos duzentos
anos da nossa Independência, comemorados com pompa e circunstância. E que gerou
muita polêmica, em nosso reino desunido pela campanha eleitoral. Mas para nós
católicos, oito de setembro é dia da Natividade de Maria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Como se pode imaginar, nenhum museu
do mundo tem o registro de nascimento de Nossa Senhora. Os textos bíblicos não
noticiam o fato. Entretanto, o Protoevangelho de Tiago traz o seguinte relato
de como pode ter acontecido:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">“E o tempo de Ana cumpriu-se, e no nono mês deu à luz. E
perguntou à parteira: ‘A quem dei à luz?’ E a parteira respondeu: ‘Uma menina’.
Então Ana exclamou: ‘Minha alma foi enaltecida’. E reclinou a menina no berço.
Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e lhe
pôs o nome de Maria.”</span><span style="font-family: "Times New Roman",serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 35.45pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";"><o:p> </o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">O Evangelho de Tiago está na lista
dos livros chamados apócrifos. Esses textos, de modo geral, são tidos como erroneamente
atribuídos ao autor divino, escritos em imitação aos escritos canônicos. Mas
alguns estudiosos afirmam que o Evangelho de Tiago é anterior aos do cânone. É
nele que encontramos a principal fonte de informação sobre os nomes dos pais de
Maria (Joaquim e Ana), sua apresentação no Templo e a escolha de José para ser
seu esposo. Os chamados Pais da Igreja, a exemplo de Santo Epifânio, citam esse
Protoevangelho com frequência.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">O desconhecimento de detalhes
históricos, como a data exata do nascimento de Maria, não é problema que cause
preocupação. Não é demais lembrar que até mesmo quando Jesus nasceu nem sequer
havia o calendário que utilizamos hoje para contar os anos, justamente com base
no seu nascimento. Foi somente depois de quinhentos anos que se passou a usar
esse critério, a partir dos cálculos de um monge.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Dizem que o monge Dionísio, o
Exíguo, era traquejado em matemática. E no ano 525 (pela contagem que usamos
hoje), quando fazia umas contas de padaria e trabalhava na criação de uma
tabela para calcular a data da Páscoa, teve a ideia de estabelecer um
calendário considerando os anos antes e depois do nascimento de Cristo. Mas
hoje se sabe que o monge errou nos cálculos. Tudo indica que Jesus nasceu entre
quatro a seis anos antes do ano um. No entanto, quando descobriram o erro, os
senhores dos calendários preferiram não mexer no que já estava posto, para
evitar confusão.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">O certo é que, se comemoramos a
Concepção de Maria em 08 de dezembro, o mais razoável é aceitar que ela tenha
nascido em 08 de setembro, nove meses depois. E mais certo ainda é o que essa
data representa para os cristãos. Não costumamos celebrar a data de nascimento
dos santos e santas, e sim a de sua morte, quando nascem para os céus. Mas
abrimos exceção no caso de João Batista, o São João do Carneirinho, por ter
anunciado ao mundo a chegada do Cordeiro de Deus.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Mais do que anunciar, Maria trouxe
ao mundo o Salvador. Por isso não é sem razão que o nascimento dela seja motivo
de comemoração. A Natividade de Nossa Senhora faz cumprir não só o tempo de
Ana, mas o da genealogia do Salvador: Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, e
muito depois, outro Jacó gerou José, esposo de Maria, do qual nasceu Jesus,
chamado Cristo. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">Às vezes quando vejo a propaganda
eleitoral, com promessas que a gente sabe que o candidato não pode cumprir –
prometem até limpar o nome sujo do SERASA, e eu digo, brincando, que ainda dá
tempo de sujar o nome para quem for eleito limpar –, chego a pensar que mais do
que um governante, muita gente pensa que pode eleger um salvador da pátria. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span style="font-family: "Arial",sans-serif; mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";">A política é importante para
tentarmos melhorar a vida do povo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E
todo cuidado é pouco na hora de escolher representantes e governantes. Mas
nenhum político,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>rei ou governante, por
melhor que seja, merece ser tratado como salvador da pátria. Com a morte da
rainha e a subida de um rei ao trono, os súditos do Reino Unido, em vez de <i>God
Save de Queen</i> (Deus Salve a Rainha), passam a cantar <i>God Save de Kin</i>g
(Deus Salve o Rei). Mas somente o Filho de Maria é que pode salvar o povo, o
rei e a rainha.<o:p></o:p></span></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-66022298862337872042022-09-03T06:44:00.002-07:002022-09-03T06:44:45.707-07:00Maria de Nazaré é Mãe de Deus e nossa Mãe<div style="text-align: left;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8x2PoYEO6iejA-oU8IV19pwZYy8J0aP2nLBj5kWwGfSoOlxJFfrf_7oTnkzBD7bSNBYik4nNxJBp29tITSwkwTzU9oq-TMYn1x3jQ_Ddn98qCIRYaCH9wtKqcToYaEuI_5vf2iVUVro02zrxPt8C0mXqy4KNCI12agC0Q4soErxpzjj47cSUwlDGK/s2425/Maria%20de%20Nazar%C3%A9%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1686" data-original-width="2425" height="222" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8x2PoYEO6iejA-oU8IV19pwZYy8J0aP2nLBj5kWwGfSoOlxJFfrf_7oTnkzBD7bSNBYik4nNxJBp29tITSwkwTzU9oq-TMYn1x3jQ_Ddn98qCIRYaCH9wtKqcToYaEuI_5vf2iVUVro02zrxPt8C0mXqy4KNCI12agC0Q4soErxpzjj47cSUwlDGK/s320/Maria%20de%20Nazar%C3%A9%20blog.jpg" width="320" /></a></div><div><br /></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O que Deus fazia antes de criar o céu e a terra? A esta questão, Santo Agostinho não respondeu que Deus preparava o inferno para quem fizesse uma pergunta daquelas, por querer penetrar nos seus mistérios. Ele preferiu dizer “aquilo que não sei, não sei”. Para Agostinho, uma coisa era procurar compreender; outra, querer brincar.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Assim como Sherlock Holmes nunca falou “elementar, meu caro Watson”, nem Humphrey Bogart, “toque de novo, Sam”, Carl Sagan não dizia “bilhões e bilhões.” Mas esta expressão, atribuída a ele, foi utilizada como título de um livro póstumo daquele cientista. Sagan dizia que é ridícula a ideia de Deus como um gigante barbudo, de pele branca, sentado no céu.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Como o cientista, não imagino Deus como um velho barbudo sentado num trono de um universo distante, a nos vigiar. Como o santo, diante do mistério, prefiro reconhecer que aquilo que não sei, não sei. Mas as tantas coisas que não sei não me impedem de tentar compreendê-las, com a humildade e a seriedade dos dois.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Minha mente pode indagar: de que é formado o “corpo” de Deus? De átomos não há de ser, pois aí o átomo é que seria Deus, do qual Ele seria formado. Já meu coração, com suas razões racionalmente indecifráveis, repete o que diz a canção: ninguém explica Deus. Mas sabe que Ele é eterno, não foi criado, sempre existiu. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O eterno foge à nossa compreensão. Está fora do tempo, que começou com a criação, ou com o ponto inicial de massa e densidade infinitas. Só a partir daí se pode falar em antes e depois. Eternidade, porém, não é duração infinita do tempo, mas existência fora dele. Na eternidade não há então, não há passado, não há futuro. Nela as leis da Física não funcionam.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Se a origem de Deus é questão impenetrável, a fé cristã acrescenta a ela outros mistérios. Um dos mais belos e profundos é o da Encarnação. O Eterno resolve entrar na roda do tempo e nascer do ventre de uma mulher para habitar entre nós. Então entra em cena Maria de Nazaré, a mais bem-aventurada de todas as pessoas da história humana.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Não se sabe, com certeza, onde Maria nasceu. Fontes literárias falam que teria sido em Belém, Nazaré ou Jerusalém. Entre as hipóteses levantadas, a mais provável é que tenha sido em Jerusalém, perto do templo. E que talvez Maria tenha feito parte das virgens tecelãs, que teceram o véu do Santo dos Santos. Mas na Anunciação, Lucas nos mostra Maria já morando em Nazaré.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Nazaré era um lugarejo esquecido na região da Galileia. Não é citado uma vez sequer no Antigo Testamento. Quem era de lá sofria preconceito, como muita gente ainda tem com os nordestinos. Por isso não é à toa que quando Felipe diz que encontraram naquela cidade o Messias anunciado, Natanael lhe pergunta: “De Nazaré pode sair algo de bom?”</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Mas é justamente de onde menos se espera que veio o que mais se esperava. Nazaré entra na história como o domicílio de Jesus, ali conhecido como filho do carpinteiro e filho de Maria, descrita como mulher pobre e simples, que cuidava da casa, da família, e participava dos acontecimentos alegres e tristes da comunidade. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Maria de Nazaré não era celebridade, nem mulher com superpoderes. Em vez disso, como resume Stefano De Fiores, ela “é mulher verdadeira, que sabe refletir e falar, escutar ou tomar a iniciativa, chorar ou alegrar-se… Tudo isso faz de Maria pessoa concreta, historicamente verossímil e fora do alcance de toda e qualquer invenção idealizadora.”</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Mas sendo seu Filho divino, Maria de Nazaré é Mãe de Deus. E como outras mulheres, ela é mãe não só pela genética, por carregar o Filho no ventre e amamentá-lo. É Mãe por toda a vida, ainda mais por se consagrar de corpo e alma à missão de Jesus como Salvador do mundo. Para ela, ser Mãe de Deus, além de um dom, é um serviço ao gênero humano.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Nesse serviço, Maria se torna nossa Mãe. Ela demonstra esse cuidado com outras pessoas desde quando, discretamente, faz com o que o Filho transforme água em vinho nas bodas de Caná. E aos pés da cruz, quando Jesus diz “eis aí tua mãe”, essas palavras são dirigidas não apenas ao discípulo amado, mas a todos nós.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Ter Maria como Mãe não é ofuscar a luz do seu Filho. Em Caná ou no Calvário, assim como em toda a história da salvação, o centro é sempre Jesus. Também não deve levar ao comportamento acriançado, de quem não se compromete com as coisas do mundo, esperando que tudo seja feito por uma mãe superprotetora.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">João Paulo II dizia que a ciência pode purificar a religião. Livrá-la do erro e da superstição. Mas também dizia que a religião pode purificar a ciência, livrando-a da idolatria e dos falsos absolutos. A fé não precisa ser adversária da razão. Que bom! Pois tanto a mente quanto o coração podem exultar por saberem que Maria de Nazaré é Mãe de Deus e nossa Mãe. </span></div></div>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-16359654212985109282022-07-30T08:10:00.000-07:002022-07-30T08:10:01.363-07:00Lourdes e a canção de Bernadette aliviam as dores o mundo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnLEUtB2GwufIoF1mPyo1GD8GDab_t7lHeOahQSEvpOjoZLN8WHcVPYyqGOPkUZsQJ-AY3d7iHFh_8yk9OTPNoN-Zdgw9QlhFMMAIZI69ab2wLue3-o-g3TfTO9pETSBnq4vN9gUaeT0PWJQPGBZi6dMdl2j8CQ32DYGTaz6ir_ejGnzgyuXQ6Oxit/s2180/lourdes%20blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1343" data-original-width="2180" height="197" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnLEUtB2GwufIoF1mPyo1GD8GDab_t7lHeOahQSEvpOjoZLN8WHcVPYyqGOPkUZsQJ-AY3d7iHFh_8yk9OTPNoN-Zdgw9QlhFMMAIZI69ab2wLue3-o-g3TfTO9pETSBnq4vN9gUaeT0PWJQPGBZi6dMdl2j8CQ32DYGTaz6ir_ejGnzgyuXQ6Oxit/s320/lourdes%20blog.jpg" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Paulo tinha um espinho na carne. Não se sabe ao certo que espinho era esse. Mas ele dizia que vinha da parte de Satanás. Eu, que não me comparo ao Apóstolo, peguei chicungunha faz mais de um mês, e não creio que ela tenha vindo da parte de Deus. Até agora as dores não querem abandonar minhas juntas. Chego a pensar que é uma prévia do logo mais da velhice. Afinal, Sêneca disse, e o Papa Paulo VI assinou embaixo, que velhice é de certo modo uma doença. Imagine, então, quem nem precisa envelhecer para sofrer na carne as dores do mundo.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Quando Bernadette Soubirous nasceu, em 1844, o pai era dono de um moinho, na cidade de Lourdes, sul da França. Dizem que ele era um homem bom. Não fazia questão de entregar sua farinha a quem lhe pedisse emprestado. Se é verdade, porém, que quem empresta nem para si presta, farinha vai, farinha não vem, ele terminou perdendo o moinho. Sem ter onde morar, teve que se abrigar com a família numa masmorra abandonada. Para piorar as coisas, foi preso sob acusação de furto de farinha. O depoimento do padeiro, vítima do crime, dizia simplesmente: “a sua miséria me fez pensar que ele podia ser o autor do furto.”</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Desde menina Bernadette era doentinha: cólera nos primeiros anos de vida, asmática desde que se entendeu por gente. Aos quatorze anos não tinha sido alfabetizada e tinha dificuldade de aprender as lições do catecismo para fazer a primeira comunhão. Mas em 11 de fevereiro de 1858, sua vida mudou completamente. Franz Werfel conta essa história no livro A Canção de Bernadette.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Conta o livro que naquele dia, Bernadette foi com uma irmã e uma amiga, pegar lenha perto de Massabielle, “lugar de cheias, de ossadas, de seixos, de porcos e de cobras”, que as pessoas evitavam. Depois de ouvir o barulho do vento, que balançava uma roseira, mas não a folhagem de um álamo vizinho, ela olhou para uma gruta e não acreditou no que viu. Esfregou os olhos para ter certeza de que não era uma alucinação. A visão era de uma senhora elegante, como uma dama da alta sociedade. Mas diferente da moda da época, a jovem não usava espartilho, nem crinolina, aquela anágua em forma de gaiola, que causava acidentes e até mortes de mulheres, quando não calculavam a área da saia, e se aproximavam das chamas das lareiras, cozinhas e velas.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Bernadette se lembrou de ter assistido a um casamento e comparou o traje daquela desconhecida a um vestido de noiva. A jovem, porém, não trazia os cabelos frisados com grampos, em voga na sociedade de então, e alguns anéis de seus cabelos castanhos escapavam-lhe do véu. Uma faixa azul lhe prendia a cintura. A dama estava descalça, com pés sem o mínimo tom vermelho ou rosado, como se nunca tivessem pisado o chão, e tinha uma rosa de ouro sobre cada um deles, que Bernadette não sabia dizer se era obra da mais fina joalheria ou era simplesmente pintada.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Diante daquela beleza sem igual, que iluminava não uma suntuosa catedral, mas uma gruta imunda, Bernadette não lhe sentia pesar a pobreza extrema, nem o sofrimento de lutar noites inteiras contra a falta de ar. Sem se atrever a dirigir a palavra àquela dama, Bernadette tirou o terço do bolso e rezou diante da senhora. As mulheres de Lourdes, observa Werfel, sempre portavam um terço que pudessem “debulhar”. Ainda mais quando eram mãos humildes como as dela, acostumadas ao trabalho pesado, que não sabiam ficar paradas. Para aquelas mulheres, a prece de mãos vazias não tinha o mesmo valor, e rezar o rosário era como um trabalho divino, como alguém que, com uma agulha invisível, tricotasse as contas das Ave-Marias. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">As aparições se repetiram em outros dias, sendo a última em julho do mesmo ano. E somente em 25 de março, depois de Bernadette perguntar várias vezes pelo seu nome, a dama lhe respondeu: “Eu sou a Imaculada Conceição.” Nas aparições, a Senhora também disse: “Não te prometo fazer feliz neste mundo, mas no outro”; “Penitência, penitência, penitência!”; “Vai dizer aos sacerdotes que venham aqui em procissão e que se edifique aqui uma capela.”</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Aparição não é nova revelação. Pode ser, isso sim, atualização da Boa Nova ou grito dos céus para que a humanidade não fique surda às suas mensagens. Como de costume, muita gente duvidou dos relatos da adolescente, que enfrentou interrogatórios de autoridades policiais e da Igreja, até que se convencessem de que ela falava a verdade. Seu confessor chegou a dizer que a melhor prova das aparições é a própria Bernadette, menina analfabeta – só aprendeu a ler e escrever aos dezesseis anos –, pequenina, doente e pobre, que depois entrou na vida religiosa para cuidar dos pequeninos e pequeninas, vivendo na prática a mensagem de Lourdes.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">No santuário erguido no local das aparições, como lembra a Encíclica do Papa Pio XII sobre a peregrinação àquele lugar santo, é comovente o cortejo dos humildes, enfermos e aflitos. Tão importante quanto curas de moléstias físicas, é os doentes se sentirem acolhidos como irmãos e irmãs, numa atmosfera de sofrimento, mas também de “irradiação de paz, de serenidade e de alegria!” Pois como lembra a Encíclica, aquela gruta suja e desprezada, passou a ser “honrada pela presença da Mãe de Deus! Rocha digna de veneração, da qual brotaram abundantes as águas vivificadoras!” E apesar dos detestáveis casos de exploração da fé alheia – fala-se, por exemplo, da venda da “pedra de Lourdes”, que daria virilidade aos homens – o certo é que para milhares de peregrinos e peregrinas, Lourdes e a canção de Bernadette aliviam as dores do mundo.</span></div><div><br /></div><p></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-55095340627082388752022-07-07T14:39:00.006-07:002022-07-07T14:39:37.764-07:00Jesus e Maria<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiEqpxEdWAM-yxu33kwMkHPEyF8N6K3cm46QHB49IcaXHmnv1qBJiewX0ri6fy11VAvdup8jY1UVmswEdyCKtUl1KRN3FTl8HdjeuBAE_h1Dszuljfb-nnbh4gSrfKIdrV1WT1Q_hd5dVsgs9By-ROd6R8zH7ORdh-y1vjtj8hrFLCbWOs2KvXc65n4" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img alt="" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiEqpxEdWAM-yxu33kwMkHPEyF8N6K3cm46QHB49IcaXHmnv1qBJiewX0ri6fy11VAvdup8jY1UVmswEdyCKtUl1KRN3FTl8HdjeuBAE_h1Dszuljfb-nnbh4gSrfKIdrV1WT1Q_hd5dVsgs9By-ROd6R8zH7ORdh-y1vjtj8hrFLCbWOs2KvXc65n4" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Por mais que se queira saber os porquês da vida, nela sempre haverá o inexplicável. Tem coisas que vivemos que parecem surreais. Não é diferente com as histórias dos santos e santas. Teriam os peixes, feito damas e cavalheiros, tomado seus lugares no auditório das águas, para ouvirem a pregação de Santo Antônio? </div></span><p></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Tenha ou não acontecido da forma que foi contada, aquela pregação inspirou Padre Vieira no Sermão de Santo Antônio. E já no século XVII, o padre, que combatia a exploração dos povos indígenas, chamava a atenção, naquele sermão, para a corrupção em nossa terra, talvez porque nela o sal não salga ou a terra não se deixa salgar.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Uma dessas histórias que a razão não explica aconteceu com Nossa Senhora. Reza uma antiga tradição, que quando fugia dos soldados de Herodes, ela se escondeu numa gruta para dar de mamar ao Menino Jesus, que chorava de fome. E quando uma gota do seu leite caiu no chão, a rocha da gruta tornou-se branca.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A Gruta do Leite fica na cidade de Belém, na Cisjordânia. É um local de peregrinação, visitado especialmente por casais católicos e muçulmanos que pedem a intercessão de Maria para conseguirem engravidar. E muitos têm recebido a graça de terem filhos, como registram muitos relatos de milagres, até mesmo de casais brasileiros.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Muito mais que alimentar o bebê, amamentar é ato de saúde e cuidado. É vacina e abraço, primeiros olhares de afeto, é nutrição que dá vida. A imagem de Nossa Senhora do Aleitamento ilustra bem essa incomparável ternura entre Jesus e Maria, intimamente unidos num mesmo ato de amor.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Essa união íntima pode ser percebida desde a concepção até depois da Ressurreição do Filho de Deus. Este, segundo a Sagrada Escritura, quando chegou a plenitude do tempo, foi nascido de mulher. E quando Jesus ensinava na sinagoga, deixando as pessoas maravilhadas, elas se perguntavam: não é ele o filho de Maria? </span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O relato das núpcias de Caná começa destacando que a mãe de Jesus estava lá. Ela também estava junto ao Filho aos pés da cruz, e depois, em oração, com outras mulheres e os discípulos, no cenáculo do Pentecostes. Por isso, quando Jesus diz que sua mãe e seus irmãos são os que fazem a vontade de Deus, Ele não exclui Nossa Senhora. Pois ela, além de Mãe do Salvador, é discípula do Senhor, e universalmente associada ao Redentor, mesmo sendo redimida.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Tudo o que cremos sobre Maria é dependente da fé em seu Filho Jesus. Daí que a proclamação de Nossa Senhora como Bem-Aventurada não deve ir além, nem ficar aquém do que ela representa na história da salvação. E seu culto, como observa a Lumen Gentium, não deve ser fruto de modismo ou emoção estéril, mas nascer da fé, que abre nossos olhos e corações para reconhecer a grandeza da Mãe de Jesus.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A história de Jesus é repleta de fatos que a razão humana não explica. Mas nossa fé nos assegura que os relatos de sua vida não são lendas. Por isso essas narrativas têm sido fontes de vivência cristã para sucessivas gerações em todo o mundo. Tantas pessoas que dão sentido às suas vidas por crerem que Jesus foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, multiplicou os pães, fez milagres, curou doentes, e pelo seu imenso amor, morreu e ressuscitou para nos abrir as portas da vida eterna. </span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A história de Maria faz parte dessa história. O “M” da medalha de Nossa Senhora das Graças, que sustenta o travessão e a cruz, simboliza a íntima ligação entre Jesus e Maria, a Mãe do Crucificado e Ressuscitado. Não parece justo e honesto rasgar da Escritura as páginas que relatam essa íntima união.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">E quanto à devoção a Maria, como adverte nosso Magistério, é bom que a gente evite a simples busca de novidade ou de fatos extraordinários como seu fundamento. Pois também não parece justo e honesto criar devoções apenas para satisfazer predileções de grupos, muito menos inventar modismos religiosos para atrair seguidores ou ganhar dinheiro com o comércio da fé.</span></p><br /><p></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-23899773430910058262022-06-04T16:54:00.002-07:002022-06-05T08:58:15.110-07:00Imaculada<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjPA92VB5JjG6SPHH2yuuXvJ9URjrGYXvoI0bKQ17qk_8CHucZt-nYgYVLbaMJeMg2sM5DdfvVbRKiucDZMT9ZHgZlVpDQ1xH1HkMy7iUOlC250IhZnJ3bLhQmbceoVzctA4Cap7ElAB67kBaw_CBG_0l_6Tosp5V5v93nqx4MFOk3e4uo4NBCRjWoO" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: justify;"><span style="clear: left; font-family: arial; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="1599" data-original-width="1200" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjPA92VB5JjG6SPHH2yuuXvJ9URjrGYXvoI0bKQ17qk_8CHucZt-nYgYVLbaMJeMg2sM5DdfvVbRKiucDZMT9ZHgZlVpDQ1xH1HkMy7iUOlC250IhZnJ3bLhQmbceoVzctA4Cap7ElAB67kBaw_CBG_0l_6Tosp5V5v93nqx4MFOk3e4uo4NBCRjWoO" width="180" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Muitas pessoas confundem dogma com tabu. Outras, mesmo frequentadoras assíduas de igreja, não têm certeza de quais são os dogmas da sua fé. E não se pode culpá-las por isso. Como vão saber, se não tem quem explique? Pior ainda é quando pretensos conhecedores do assunto espalham desinformação sobre o tema.</span></div><p></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Um dia desses, parei de zapear na internet ao me deparar com essa pérola do absurdo: “Veja 4 momentos em que a Igreja Católica mudou seus dogmas.” Como é que é?! Pensei comigo mesmo. Com base em quê alguém profere um disparate desses? A matéria afirmava que esses quatro momentos eram relacionados ao celibato, religião x ciência, Maria Madalena e o papel de mulher, e respeito a outras religiões. Os temas são importantes, mas nenhum deles é dogma.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Dogma é verdade de fé. E em sentido mais específico, aquela “verdade revelada, vinculante e declarada formalmente pelo Magistério pastoral”, como resume Clodovis Boff. No dogma temos a substância e a formulação que o expressa. O conteúdo não muda nunca. A formulação, como traz a marca do momento histórico, pode progredir como crescimento, mas nunca como mudança. Por isso, como explica aquele teólogo, “os dogmas não são barreiras para o pensamento, mas, ao contrário, são corrimãos que, por um lado, protegem e, por outro, apoiam a ascensão para mais alto.”</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Um dos nossos dogmas é o da Imaculada Conceição. Sua formulação, proclamada em 8 de dezembro de 1854, é a seguinte: “Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina, que acha que a beatíssima virgem Maria no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente e em vista dos méritos de Jesus Cristo, salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha da culpa original, é revelada por Deus e por isso deve ser crida firme e constantemente por todos os fiéis.”</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Essa formulação não foi uma invenção súbita do Papa. Foi longo o processo histórico-teológico que o precedeu. E tudo começou com a fé do povo. Muito antes de pronunciamentos oficiais da Igreja, os pobres celebravam a festa da conceição da mãe de Deus, mesmo contra a vontade de ricos eclesiásticos que queriam proibi-las, porque as consideravam sem fundamento. </span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Com o tempo, a teologia foi abrindo a mente e o coração para essa prática de fé do povo. Mas sempre com debates exaltados e até desavenças. A polarização entre “maculistas” e “imaculistas” era tamanha que, em 1484, o Papa Sisto IV editou uma bula proibindo que eles se acusassem uns aos outros de hereges. </span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Só depois de documentos de seus antecessores a favor da imaculada conceição, foi que Pio IX criou uma comissão para que fosse decidido o assunto. E por sugestão do teólogo Rosmini, resolveu fazer uma espécie de plebiscito entre os bispos. Toda essa discussão levou cerca de seis anos, até que se chegasse à formulação do dogma, cujo texto passou por oito redações.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O aparente silêncio dos escritos sagrados foi uma das questões básicas dessa discussão. Questionavam-se também as expressões “primeiro instante” e “privilégio”, escolhidas para o texto da formulação. Se Maria foi concebida sem pecado desde o primeiro instante, como Jesus podia ser seu Salvador? Isso não iria de encontro à boa nova da salvação por meio de um único Salvador?</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Garimpando o texto sagrado, a bula Ineffabilis Deus, que proclamou o dogma, enumera várias passagens que, ainda que germinalmente, fundamentam a conceição imaculada de Maria. Desde o Gênesis, que fala da mulher que esmagará a cabeça da serpente, até a saudação do anjo, que a proclama cheia de graça, na narrativa de Lucas.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Quanto a expressões da fórmula, sua interpretação pode ser aprimorada, como ocorre na hermenêutica bíblica. Como o texto fala em “primeiro instante” e “privilégio”, mas também “em vista dos méritos de Jesus Cristo, salvador do gênero humano,” podemos entender como Scotus, que “a imaculada conceição não é uma exceção à redenção de Cristo, mas um caso de ação salvífica perfeita e mais eficaz do único mediador.”</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">No final de contas, qualquer palavra humana, seja da teologia, do Magistério ou da bíblia, é insuficiente para explicar os mistérios de Deus. No caso da Imaculada, o dogma foi fruto de um dinamismo da fé, começando pela intuição de pessoas simples do povo. Não é demais lembrar que o próprio Jesus louvou o Pai por esconder certas verdades aos sábios e doutores, e as relevar aos pequeninos. Mas é claro que isso não significa a generalização indevida do chavão de que a voz do povo é a voz de Deus. A piedade popular passou pelo discernimento teológico, pela cuidadosa ponderação do Magistério, até chegar à formulação do dogma.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Também não se pode esquecer que o dogma não é da autossalvação de Maria. Cristo é a essência das verdades reveladas. Todos os dogmas têm de ser cristocêntricos. E a razão última da Imaculada Conceição é o amor gratuito de Deus pela humanidade. Mas me responda uma coisa: de todas as pessoas do gênero humano, quem haveria de ser mais agraciada por Deus do que Maria?</span></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-85036839605624882662022-04-30T12:00:00.000-07:002022-04-30T12:00:00.378-07:00Histórias e polêmicas das aparições em Cimbres<div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwNzdcMbdDlRsukSzXs0vf8KHg7H8hN0y-Z3_dNX33pW0ExaVB6_6nNbgL1BOKMtfuFzX5CdUiQGBlo45emKiCpAYGlQPeTvrK6JujQcR2dYht-7M9ajdxm0411BGP2aY3V2ymQPF254Gr4Fz0ManMawWRFoL6oIsdO3ZJubH3-S8f2k8TDLIn9JJO/s1280/WhatsApp%20Image%202022-04-30%20at%2015.42.13.jpeg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="1280" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwNzdcMbdDlRsukSzXs0vf8KHg7H8hN0y-Z3_dNX33pW0ExaVB6_6nNbgL1BOKMtfuFzX5CdUiQGBlo45emKiCpAYGlQPeTvrK6JujQcR2dYht-7M9ajdxm0411BGP2aY3V2ymQPF254Gr4Fz0ManMawWRFoL6oIsdO3ZJubH3-S8f2k8TDLIn9JJO/s320/WhatsApp%20Image%202022-04-30%20at%2015.42.13.jpeg" width="320" /></span></a></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em 1936 corria a notícia de que Lampião ia invadir Pesqueira, no agreste de Pernambuco. Dona Auta Teixeira e o marido Artur resolveram se refugiar com a família, na área indígena Xukuru, em Cimbres. Lá eles tinham terras, no Sítio Guarda, onde montaram um altar para Nossa Senhora das Montanhas, santa cultuada há muito tempo por aquelas bandas e que, para os indígenas, é a Mãe Tamain.</span></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Certo dia, Maria da Luz, filha do casal, e Maria da Conceição, agregada da família, saíram para pegar sementes de mamona. No caminho, conversavam sobre o que fariam se Lampião aparecesse ali, quando Conceição disse que Nossa Senhora daria um jeito para o cangaceiro não lhes fazer mal. Foi quando Maria da Conceição viu a imagem de uma mulher – em alguns relatos, a imagem aparece com um menino; noutros, o menino joga uma pedra e a mão da senhora sangra –, visão compartilhada por Maria da Luz. Assustadas, elas voltaram para casa, contaram o que tinham visto, mas a família não acreditou nelas. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Depois o pai de Maria da Luz foi com elas e um grupo de homens ao local das aparições, pensando que poderia ter cangaceiros por lá. Como ninguém via a imagem, a não ser as mocinhas, o pai pediu à filha que perguntasse à mulher quem era ela, e esta respondeu: “Eu sou a Graça”. E disse para fazerem orações e penitências, pois a humanidade estava em sofrimento. A história daquele acontecimento se espalhou. Porém as autoridades religiosas e a polícia fizeram de tudo para conter a divulgação. A ordem era para não deixarem ninguém circular pelo local. Pois no entender deles, o povo ignorante poderia transformar o sítio em lugar de fanatismo, o que era proibido pela Igreja, que deveria ser a única mediadora das manifestações divinas.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Apesar disso, um padre alemão, José Kehrle, foi designado para investigar o caso. Na investigação, ele se valia de um questionário, repassado para as mocinhas, para que fizessem perguntas à Nossa Senhora. Ao fim da investigação, o padre se convenceu da autenticidade dos relatos das videntes. Mas por obediência, fez um voto de silêncio sobre o assunto.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Com a ajuda do padre, Maria da Luz foi parar num convento. Depois de freira, adotou o nome Irmã Adélia. Já Maria da Conceição foi mandada de volta para a casa dos pais. Numa carta enviada ao padre Kehrle, em 1936, Maria da Luz já informava que Conceição estava separada dela, e achava-se de pouca fé, sem ter mais visões de Nossa Senhora. Pelo que se sabe, Maria da Conceição se casou e separou-se, passando a ter uma vida comum na cidade de Arcoverde, até sua morte em 1999.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em 1985, Irmã Adélia foi curada de um câncer. Para isso, dizem que ela também se valeu de uma erva que os indígenas chamavam zabumbinha, detalhe omitido em alguns relatos. Depois disso voltou a frequentar Cimbres, teve novas experiências espirituais com Nossa Senhora, e passou a fazer trabalho assistencial no Sítio Guarda. Faleceu em 2013, aos 90 anos.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Somente no ano passado, o bispo de Pesqueira publicou uma Carta Pastoral, admitindo que o local das visões da Irmã Adélia tem sinais de sobrenaturalidade, e que o povo de Deus pode ali acorrer para celebrar e viver sua fé. Não se trata, ainda, de reconhecimento oficial pela Santa Sé, mas é um passo importante para a canonização de Irmã Adélia, que pode vir a ser a primeira santa católica pernambucana, numa mudança de postura que traz muitas questões à reflexão.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Por que o padre confessor de Maria da Luz – como ela informa numa carta ao Padre Kehrle em 1937 –, teria exigido que ela negasse a aparição de Nossa Senhora? Por que ela se curvou ao silêncio que lhe foi imposto, mesmo estando a Mãe de Deus acima da hierarquia? A pergunta do questionário do Padre Kehrle, se o sofrimento anunciado por Nossa Senhora viria do comunismo, era parte da ideologia de um governo de viés anticomunista, que flertava com o catolicismo? A omissão a elementos da cultura indígena na história das aparições é atitude discriminatória? Por que os dirigentes da Igreja tentavam proibir a dança do toré nas festividades de Nossa Senhora das Montanhas? O reconhecimento de Outra Senhora, em outro ponto do país, poucos anos depois que Nossa Senhora Aparecida tinha sido reconhecida como Padroeira do Brasil, poderia prejudicar os objetivos dos dirigentes da Igreja? A mudança de postura, mais de cinquenta anos depois, é um reconhecimento da persistente fé do povo ou estratégia para não perder fiéis? Se não existe alguém que tenha visto Nossa Senhora que não seja santo ou santa, por que não canonizar também Maria da Conceição?</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Não tenho a presunção de achar que sei das respostas. Mas penso que perguntar não é pecado. Também concordo com Bordieu, quando observa que o arranjo das forças políticas envolve a disputa pela apropriação de diversos capitais, incluindo o capital religioso. Política está em todo canto. Não é restrita a candidato em tempo de eleição, nem a autoridade querendo mostrar que manda mais que a outra. E como se vê, polêmicas político-religiosas existem muito antes das bolhas ideológicas dos grupos de whatsapp.</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-53202540730080583152022-03-29T15:56:00.004-07:002022-03-29T15:56:32.948-07:00Guadalupe: leito do rio de amor e de paz.<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtXcFqTVci7TBXbozSH-SNR3pVpAqCR2QXEPW9cuwVer6ANizjy-O6BN7ZEHBCMnIgOQa-ZEVd_PjLDhRrDtBueLFt9ezwBGHhWsFJcrN2RUl6jLegiUCw37OZoVTrgnYBi6C1ZITpYhtMSzDNrjZKuP_XjmFP16LvEWIvztcxOGd8cs3oeOZZ-mJz/s3018/guadalupe%20blog%202.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2640" data-original-width="3018" height="280" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtXcFqTVci7TBXbozSH-SNR3pVpAqCR2QXEPW9cuwVer6ANizjy-O6BN7ZEHBCMnIgOQa-ZEVd_PjLDhRrDtBueLFt9ezwBGHhWsFJcrN2RUl6jLegiUCw37OZoVTrgnYBi6C1ZITpYhtMSzDNrjZKuP_XjmFP16LvEWIvztcxOGd8cs3oeOZZ-mJz/s320/guadalupe%20blog%202.jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-family: arial;">A saudade dos meus oito anos não é tão lírica quanto a de Casimiro de Abreu. Não me faz recordar um céu bordado de estrelas, adormecer sorrindo ou despertar cantando. Mas me lembra tomar banho de chuva no meio da rua, o “bola ou bura” no quintal de terra batida, os rabiscos de giz no chão do mercado velho, em frente à barraca do meu pai. Minh’alma, respirando inocência, não era afetada pela atmosfera pesada que o Brasil vivia.</span><p></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Somente depois meu coração ficou inquieto ao aprender que salvação também é libertação. E mais ainda, ao ler As veias abertas da América Latina, retratando a miséria de milhões de inocentes, no coração da tormenta do capitalismo periférico. Como foi duro saber que Josué de Castro tinha dito: “Eu, que recebi um prêmio internacional da paz, penso que, infelizmente, não há solução além da violência para a América Latina”. </span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">De tanta indignação, achei bonita a nostalgia belicosa do cacique Tupác Amaru, apresentada no livro. E admirei o heroísmo do padre Miguel Hidalgo, ao pegar em armas na luta pela libertação dos povos indígenas, empunhando o estandarte da Virgem Índia de Guadalupe. Mas hoje eu penso que isso não combina com a mensagem do códice da padroeira da América Latina.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Conta o Nican Mapohua (“Aqui se narra”), texto atribuído a Antônio Valeriano, que em 1531, Nossa Senhora apareceu ao índio Juan Diego. A dominação do México pelos espanhóis, com o massacre dos aztecas, tinha completado dez anos. No final daquele ano, a Virgem, falando na língua indígena, disse a Juan para comunicar ao bispo da cidade do México o desejo dela, de que fosse construído um templo na esplanada, onde ela pudesse oferecer a todos e todas, todo o seu amor, compaixão, auxílio e proteção.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O bispo, porém, não acreditou na história do índio, e pediu-lhe um sinal. Nossa Senhora, então, mandou Juan colher rosas de Castela, que brotaram fora da estação e numa árida colina. Ele as envolveu em seu manto rústico (tilma) e dirigiu-se ao palácio do bispo. Chegando lá, repetiu a mensagem recebida e desenrolou o manto. Assim que as flores caíram no chão, surgiu na tilma a imagem da Virgem Maria, até hoje venerada no santuário de Guadalupe, também considerada um códice, gravura para ser lida e interpretada.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Os traços mestiços do rosto – nem cem por cento de uma índia, nem de uma europeia –, fazem com que ela seja carinhosamente chamada La Morenita. Na tradição dos nativos, o penteado é de uma virgem, mas a fita na barriga é de uma índia grávida. As estrelas nas vestes correspondem às do firmamento do local na época das aparições. A imagem dos olhos, ampliada por computador, permitiu identificar treze figuras humanas dentro deles, incluindo a de um indígena e a de um bispo.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Sei que há controvérsias quanto aos mistérios que envolvem o manto. E que não se pode retirar de ninguém o sagrado direito de duvidar, principalmente no campo da investigação científica. Há quem diga que a imagem se assemelha à arte pré-colonial espanhola. Também não descartam a possibilidade de sua adulteração, pois houve acréscimos à gravura original. Chegam a duvidar da própria existência de Juan Diego, mesmo ele tendo sido canonizado pela Igreja.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Nada disso, porém, retira a força do códice de Guadalupe. Ele fala indistintamente aos olhos, ouvidos, mentes e corações de indígenas e não-indígenas, crentes e não-crentes, cientistas e não-cientistas. E sua mensagem não é de exploração e guerra entre os povos, seja entre russos e ucranianos, árabes e judeus, imperialistas e colonizados, que continuam vitimando inocentes, como os esmagados no centro da tormenta da América de veias abertas.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Não desconheço que nosso catecismo admite a guerra em legítima defesa, desde que sob rígido controle de legitimidade moral. Mas Nossa Senhora não é mãe de um catecismo. Como na mensagem a Juan Diego, ela se revela como mãe misericordiosa de todos os habitantes da terra. E como sugere a palavra Guadalupe, que também pode significar leito do rio, mesmo não sendo a Água Viva, ela oferece essa água a quem tem sede de justiça, amor e paz, sem exigir passaporte para comprovar de onde se vem ou para onde se vai.</span></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8287729330238424151.post-71439412126761579632022-02-27T09:53:00.003-08:002022-02-27T09:53:25.724-08:00Fátima e o mandamento do amor<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face=""Arial",sans-serif" style="mso-bidi-font-family: "Lucida Sans";"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span style="text-align: justify;"><p align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhAInIa3wUkGg1rkVWQKUC0MUxaYd1XhPN8WtEMb-w1payu12qvpRqPBwSFxFLwf7WN1I0sr-8trWJNUbih9JtcnVGFa1eFP2QkX3DrFoS7wv6HD9hhOoNUxDzSG11n2Bv9JVPrfoMCVpllpl76liUD0RHrIyR_NvTi5pTWQsRHHeZO2LDyqrhDs2cb=s2302" style="clear: left; float: left; font-family: Arial, sans-serif; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1499" data-original-width="2302" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhAInIa3wUkGg1rkVWQKUC0MUxaYd1XhPN8WtEMb-w1payu12qvpRqPBwSFxFLwf7WN1I0sr-8trWJNUbih9JtcnVGFa1eFP2QkX3DrFoS7wv6HD9hhOoNUxDzSG11n2Bv9JVPrfoMCVpllpl76liUD0RHrIyR_NvTi5pTWQsRHHeZO2LDyqrhDs2cb=s320" width="320" /></a></p><span style="font-family: arial;">Rita Lee, em autobiografia, fala sobre consumo
de drogas sem falso moralismo. Não se recrimina por ter entrado em muitas, mas
se orgulha de ter saído de todas. Diz que encontrou um barato melhor: “a
mutante virou meditante.” Ainda assim, reconhece que compôs suas melhores
músicas em estado alterado. E as piores também.</span></span></div><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Mas não foi em estado alterado que
ela viu seu primeiro disco voador. Ainda
criança, no terraço de casa, começou a gritar para Peter Pan vir buscá-la. Foi
quando viu luzes fazendo piruetas no céu. Assustado com os gritos da menina, o
pai num instante chegou. Ela então disse que tinha visto Peter Pan, mas quando
ouviu a descrição do avistamento, o pai não teve dúvida: “você viu um disco
voador, minha filha!"</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Você pode até pensar que esse relato
é fruto de uma mente perturbada. Afinal, como ela mesma comenta, tem gente que
vê Rita Lee como doidona. Mas Rita vê isso com bom humor, e profetiza que,
quando morrer, algumas pessoas vão postar nas redes sociais: “ué, pensei que a
véia já tivesse morrido kkk.” Que políticos não vão prestigiar seu velório, já
que ela nunca foi ao palanque deles. E imagina seu epitáfio: “Ela nunca foi um
bom exemplo, mas era gente boa.”</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">O que você diria, porém, se um
relato meio psicodélico, saísse da boca de um padre/influenciador midiático?
Pois teve um que disse ter visto anjos e Nossa Senhora do Apocalipse no seu
quarto. Quando Nossa Senhora apareceu, viu um ET que entrou e saiu da parede
como uma luz. E profetizou: os ET’s vão nos defender de satanás, no decisivo
combate espiritual.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Não estou aqui para julgar a lucidez
de Rita Lee, nem a do padre. Mas sei que uma nota de esclarecimento, como a do
sacerdote, com a desculpa de que teria cometido apenas um equívoco de linguagem
– e não foi só isso –, não tem a mesma
projeção do que ele disse antes, pregando para milhares de
fiéis/fãs/seguidores. Além do mais, para se falar publicamente em visões de
Nossa Senhora, todo cuidado é pouco.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Entre os séculos XIX e XX foram
relatadas mais de trezentas visões de Nossa Senhora no mundo. Desses casos,
segundo a CNBB, muitos são patológicos. Por isso, não se deve dar crédito a
tudo o que se diz sobre essas visões. Mas por outro lado, é preciso reconhecer
que nem todas as coisas entre o céu e a terra podem ser desvendadas na base da
soberba cientificista, como no caso das visões em Fátima.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Os videntes eram três crianças.
Lúcia de Jesus Santos, filha de Maria Rosa e Antônio, nascida em 22 de março de
1907, e os primos Francisco Marto, filho de Pedro e Olímpia de Jesus, nascido
em 11 de junho de 1908, e a irmã dele, Jacinta Marto, nascida em 11 de março de
1910. Como outros meninos do campo, em vez de irem à escola, passavam os dias
pastoreando ovelhas.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Em 1916, apareceu-lhes o Anjo de
Portugal, embaixador da Rainha do Céu. E em 1917 ocorreram as aparições de
Nossa Senhora, sendo a primeira em 13 de maio, na Cova da Iria, que ficava nas
terras da família Santos. As aparições
se sucederam ao longo do ano. Numa delas, em 13 de outubro – para a qual os
jornais tinham noticiado que naquele dia aconteceria um milagre – milhares de
peregrinos disseram ter visto o sol girando ao redor de si mesmo, e movendo-se
do nascente para o poente. Alguns cientistas dizem que pode ter sido um
fenômeno óptico atmosférico raro, chamado parélio solar.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Mesmo com a repercussão imediata, as
autoridades eclesiásticas agiram com cautela. Em 1922 foi formada uma comissão
de investigação, encerrada oito anos mais tarde. Chegaram à conclusão que as visões eram dignas de fé, o
que permitiu o culto oficial à Nossa Senhora de Fátima.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">Um dos critérios para avaliação de
revelações particulares é que elas não podem contradizer a revelação bíblica.
Embora os fenômenos de Fátima possam ser vistos como uma explosão do
sobrenatural num mundo aprisionado pela matéria, como diz Paul Claudel, o mais
importante não é saber se o sol bailou ou não, mas que a mensagem de Fátima não
contém um traço sequer de doutrina extravagante, como a mistura de anjos com
ET’s para um combate espiritual.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial;">A fé do povo também foi um fator importante
para a credibilidade da experiência religiosa em Fátima. Do mesmo jeito que as
multidões de romeiros do Padre Cícero não surgiram sob o patrocínio
eclesiástico oficial, pois até hoje ao santo popular do Juazeiro não foi
concedida a glória dos altares, podemos concordar com o Cardeal Cerejeira,
quando diz que “não foi a igreja que impôs Fátima, mas foi Fátima que se impôs
à igreja.”</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;"><span face="Arial, sans-serif" style="font-family: arial; font-size: 12pt; text-align: left;">Mas
para ser cristão ninguém é obrigado a crer em visões de Nossa Senhora, mesmo as
dignas de fé e respeito. Pois no fim de tudo – e isso faz parte da revelação
bíblica –, não é devoção que salva ninguém, e sim o mandamento do amor. E não
adianta a pessoa se exibir como devota do coração de Maria, se tiver o coração
fechado para o grande mandamento do seu Filho.</span></p>Antônio Cavalcantehttp://www.blogger.com/profile/16108355683598101342noreply@blogger.com0